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Psique: Natal dos excluídos – a medida exata da dor

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“Quem muito se ausenta, uma hora deixa de fazer falta pode estar passando por sérios problemas e necessitando de um abraço amigo”. Foi ao ler essa mensagem, escrita exatamente assim, que surgiu essa reflexão para o Natal. Outros escreverão sobre o perdão, a saudade, a solidariedade, a alegria. Eu não.

Falarei sobre o Natal do sorriso amarelo. Do olhar distante, da fala para dentro, das mãos desconcertadas. Daqueles que se veem inadaptados ao período de celebração, uma vez que não conseguem encontrar motivos para comemorar. E que, mesmo assim, fazem um esforço descomunal para parecer bem. Mas que, no fundo, não compreendem o motivo da demagogia festiva.

Para estes, a solidariedade festiva não parece razoável. Especialmente porque parecem que só são enxergados nessa época. Ao longo do ano, são mantidos num campo de invisibilidade que beira o desumano. Não são ouvidos em suas angústias, em seus medos, nas dificuldades que não conseguem superar.

Ajuda dispensável
Dissimular uma alegria tornou-se um ato-reflexo. Afinal, transparecer algum desconforto com a vida não parece razoável aos demais. Quando assinalam aquilo que lhes incomoda, surge uma série de indagações. “Mas para que ficar assim?” “Não está na hora de esquecer isso e tomar uma atitude?” “Além desse assunto, o que você está fazendo de bom?”

Quando não são questionamentos, são opiniões. Eu acho isso, eu acho aquilo. Só mudam os tons: condolente, indignado, professoral. E, nessas horas, a criatura se arrepende de ter dito a verdade, em vez de ter mentido uma satisfação. Deseja ser surdo. Deseja não estar ali. Deseja não ser ninguém. Alguém se aproxima, chama para uma selfie, e dissipa o “clima de baixo astral” – no ambiente, mas não no coração de quem sofre.

Muitos só reconhecem a depressão no outro quando o estado já chegou aos níveis patológicos avançados. Ou seja, quando o comprometimento funcional já chegou em um patamar alarmante. Não percebem os sumiços, os silêncios, a apatia no olhar, o desinteresse. Não leem a gravidade das estratégias de compensação encontradas no álcool, na comida, na medicação, no Netflix.

Respeitar a dor
Vivemos num mundo em que o espaço para a angústia está ficando cada vez mais restrito. É como se a dor e o sofrimento fossem incompatíveis com a realidade. E, a partir desses moldes, somos convidados diariamente nos cegar a tudo aquilo que parece murcho, opaco, desencaixado.

Se o mal estar aparece, o jeito é buscar de forma instantânea. Ou seja, medicar. A notícia é velha, mas convém ser rememorada: em 2007, foram vendidas no Brasil 29 mil caixas de clonazepan, o Rivotril – “rivo”, “gotinha mágica”, “melhor amigo”, dentre outros apelidos carinhosos que já ouvi no consultório. Este ano, de janeiro a setembro, foram mais de 18 milhões de caixas.

“Rivo” e seus colegas são ferramentas importantes e respeitáveis para o tratamento de transtornos psíquicos. Como tal, a única prescrição segura é a feita pelo médico psiquiatra – e o que mais vejo é a receita que vem do gineco, do dermato, do cardiologista, pois “ir no psiquiatra é muito pesado”. E, dessa forma, o medicamento se transforma num mero silenciador de angústia. Eles anestesiam os sintomas, mas não mexem nas questões que os despertaram.

E, para muitos, uma dose será o aperitivo da festa de Natal. E, ao retornarem para casa, tomarão outra, para digerir o vivido. Não por preferirem assim, mas por não encontrarem alternativa viável. Em grande parte dos casos, tal alternativa se chama relação, um encontro sincero.

Nessas festas, olhe em seu redor com sensibilidade e certamente encontrará, bem perto, alguém que precisa de você. Mire nos olhos, abrace com entrega, escute de forma plena. Se não sabe o que falar, cale. Sem falsas palavras de incentivo, ou de reprovação. O que o outro precisa é da sua presença, para sentir-se respeitosamente percebido e valorado no que é. Juntos, poderão construir um respiro para a dor, a possibilidade de uma noite feliz.

Outras Ondas – Receita contra dor de amar

Amor se mata à míngua. Não dê comida, vitaminas, água limpa para beber. Não acredite, não ligue, não procure. Não dê sinal. Não faça nada, sequer pense em quem ama, para evitar evocações pelo pensamento. Não escute as músicas, não revisite os lugares, não trate dos assuntos que compartilhavam. Esqueça o perfume, o cheiro do corpo, os raios da menina dos olhos, o tom da voz, a graça do sorriso, a firmeza das mãos no caminhar pela praça.

Aos poucos, vai ver que o fervilhar interno do contentamento das boas lembranças será consumido, meio que às dentadas. O sal amargo do choro preso na garganta surge como efeito colateral. Incomoda nos primeiros dias, como o arranhar ardido de uma faringite. Mas é só engolir incessantemente e logo cessará. Só torça para não descer para o peito, para não comprometer as artérias. Nem para os rins – lá as lágrimas se cristalizam. Pode ficar sério. O estômago pode ajudar a digerir, mas nem todo mundo tem estômago para isso.

Descontamine-se do amor pela assepsia da negação. Assim você se liberta. Não vai sofrer, não vai chorar, não vai desejar, não vai esperar, nem sentir saudade. Não ansiará o reencontro, o calor de mais um beijo, a delícia das peles nuas que se entrelaçam em plena entrega. Defenda-se desses cúmplices da infelicidade que, um dia, certamente surpreenderá.

Até lá, viva com o que a vida der. Ela costuma ser generosa em suas esmolas. Duas ou três cores para escolher, dois ou três sabores para desfrutar, dois ou três caminhos para decidir. Faça o possível para ver que isso já é vida o suficiente. Creia nos riscos da vastidão.

Para isso, é necessário que se esqueça o bom daquilo que viveu ao conviver. Silencie as vozes por ele acordadas, as sensações experimentadas, as emoções evocadas em toda a sua intensidade. E, com isso, despeça-se também da alma que o amor fez crescer em si.

***

Eu já conheço essa dor, não tem nada de inédito. De onde veio, como funciona, o que limita, em que posição dói mais. Sei que dificilmente respeitará um dia, uma hora ou um lugar para aparecer. Nisso ela pode surpreender: parecerá sempre mais aguda em seus sintomas, nos levando a crer que, dessa vez, é o caso é mais grave.

Tentarei aliviá-la com movimento da língua, pela fala e pelo beijo, mesmo sabendo que esse esforço será em vão essa dor só se despede ao se esvaziar. E, até lá, goteja um mel do bom que não voltará, junto a um amargo seco, o pior dos vermutes: a dor do querer e não poder ter. Tudo vem em pingos lentos, como os dos remédios fortes quando correm para as veias quando somos acometidos pelos piores males. Sê para não vazar os canais, para não extravasar as mágoas antigas. Machuque, mas não mutile.

Dor de amor é uma coisa muito séria. Já duvidei de seu poder letal, e quase perdi a aposta. Hoje, respeito-a como respeito a morte. E não é por medo: é por tudo que ela pode vir a fazer de bom e de ruim. Essas linhas são preenchidas com o resultado dela – assim como ela ajuda a me preencher a alma. Tenho de ser e sou grato à dor do amor – como também o sou a quem a ela presta homenagens, em seus versos, melodias e imagens. Ela tem o poder de fazer da gente ainda mais gente, ela é quem nos apresenta a verdade do que somos. 

nivas gallo