Self

Outras Ondas* – Os sete corpos e psique

Foto: Zuleika de Souza/CB/DApress

A crença da divisão do homem em corpos sutis é tão antiga quanto a cultura: a partir do momento em que desenvolve uma crença espiritual, o indivíduo pressupõe a existência de corpos que transcendam o físico, palpável e finito. Entre as mais difundidas, está presente a teoria dos sete corpos, ou divisão setenária do homem. Ela é compartilhada por diferentes escolas oculistas e espiritualistas, como a Teosofia. A ideia de escrever sobre o tema partiu de uma conversa com a psicoterapeuta junguiana Carmelita Guimarães, amiga e inspiradora.

Na divisão setenária, a constituição do homem integral está dividida entre corpos inferiores e superiores. Os inferiores se dividem em:

1. Físico: exclusivamente material, é a sede das percepções sensoriais e veículo para a vida na Terra. É o mais denso de todos e também o menos evoluído. Nutre-se com as percepções vindas dos cincos sentidos, é primário e instintivo.

2. Etérico ou duplo: engloba a energia vital, o “sopro da vida” judaico-cristão ou chi dos chineses. Tem relação direta com o funcionamento e a manutenção do corpo físico.

3. Astral ou emocional: corresponde aos afetos, construtivos ou destrutivos, capazes de mobilizar e impulsionar as atitudes do homem. Potencializa as vivências, pois lhes dá valor (bom, ruim, feio, bonito, agradável, desagradável etc.). Tem uma relação forte com os desejos e a gratificação.

4. Mental inferior: é a sede dos pensamentos e raciocínios corriqueiros, que “ocupam” a mente. Também processa e revive as memórias e lembranças. É também a ponte entre os corpos inferiores e superiores.

Os corpos superiores correspondem à centelha divina que reside em cada um, e também à forma como conseguimos percebê-la e acessá-la. Eles são:

5. Mental superior ou filosófico: é o veículo da alma, de onde brotam as inspirações que nos favorecem a busca de sentido para ações. Se conecta com os corpos inferiores pela intuição e pela criatividade. Está sempre compromissado com a verdade, o bem e o belo. Reúne, assim, ética e estética.

6. Búdico ou crístico: é aquele que une o divino e superior ao humano e terreno. Foi atingido pelos grandes avatares ou iluminados, como Jesus e Krishna. Sua presença é capaz de transformar não só a existência do próprio indivíduo, mas também de emanar a luz da consciência para os demais seres em seu redor. Consagra os grandes mestres.

7. Átmico ou monádico: é a vivência presencial da divindade, a essência do que se é, a perfeição, o ponto de comunicação com o Todo, eterno, sublime, infinito e circular. Dá ao homem o sentido de integralidade com o si-mesmo e com o universo.

A ampliação da consciência é o canal para que a percepção das vivências ascenda na direção dos corpos superiores. A ascensão ao sétimo corpo um exercício utópico para a maioria das pessoas. O problema é que, muitas vezes, não nos permitimos sequer à percepção dos sinais desse divino que nos habita – que dirá senti-lo plenamente. Atrelamos unicamente as vivências aos corpos inferiores: agimos instintivamente para gratificar o corpo, nos guiamos por emoções que nos desnorteiam, fermentamos memórias e pensamentos vãos.

Mal nos damos conta, também, de quão correlatos são esses corpos. Para perceber isso basta evocar uma memória negativa. No mesmo instante, a mente viaja em diálogos imaginários (e intermináveis), as emoções se atualizam como se estivéssemos revivendo aquele momento desagradável e o corpo paga com sintomas referentes ao sentimento que se desperta: o coração dispara, a respiração torna-se ofegante, a voz se crispa com a ira… Com um quê de inconsciência, revivemos inutilmente tudo aquilo que mais queríamos superar. Como diria Carmelita, os papéis se invertem: a besta (o instintivo, primitivo) monta sobre o cavaleiro (o sublime, o superior).

Obviamente, precisamos dos planos físico, emocional e mental para referenciar nossas experiências cotidianas. A junção desses planos corresponde nitidamente ao ego. Na visão junguiana, o complexo da percepção do EU, o centro da consciência, a identidade pessoal. Mas é interessante como, intuitivamente, nos referimos aos atributos egóicos como algo que possuímos, e não como o próprio eu: “o meu corpo”, “a minha ideia”, “a minha raiva”… Quem seria o “dono” disso tudo, então?

Respondemos esta pergunta quando damos voz aos corpos superiores, a partir da inspiração. Para que isso flua, é preciso estar atentos aos condicionamentos advindos dos corpos inferiores – silenciar o corpo, o coração e a mente para que o espírito possa se manifestar. A melhor forma de fazê-lo é a partir da atenção plena, atributo defendido por todos aqueles que chegaram à iluminação. Basta lembrar dos ideais do não-ser budista e do cristão “orai e vigiai”: em ambos, há uma busca por manter-se pleno diante da realidade, na medida em que se distancia da ilusão. Entregar-se a esta percepção é reconhecer que as evocações primárias aos corpos inferiores podem ser compensatórias inicialmente, mas não oferecem um sentido à existência. E que é essa busca de sentido é o nosso maior propósito.

* A coluna Outras Ondas é publicada aos domingos no blog da Revista do Correio: www.correiobraziliense.com.br

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