Os sonhos sempre foram motivo de mistério e fascínio para todos. Por esse motivo, também se transformaram em objeto de investigação científica. O que se sabe é que eles são como um dispositivo para processamento de informações e emoções vivenciadas pelo indivíduo.
No entanto, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung encontrou nos sonhos de seus pacientes uma maior abrangência de funcionalidade, como explica João Rafael Torres, psicoterapeuta e analista junguiano.
Jung concluiu que os sonhos apresentam, com fidelidade, os dinamismos psíquicos que regem o sujeito, usando para isso a linguagem simbólica. Ou seja, todo o conteúdo que se apresenta enquanto dormimos diz respeito ao funcionamento e às questões do inconsciente.
Dessa forma, transforma-se em um interessante instrumento no processo de análise, por revelar aquilo que vai além dos domínios da consciência.
Ele também ensinou que os sonhos:
– trazem sempre uma função compensatória (vão dar expressão àquilo que não podemos viver em vigília, mas também são elucidatórios);
– explicam o que está acontecendo na psique;
– são educativos (ensinam sobre as melhores atitudes a tomar
– e premonitórios: dão prognósticos do que tende a acontecer, apontando para o futuro.
Todos somos sonhadores?
Já é provado que todos sonham, mesmo aqueles que nunca se lembram disso. Experimentos mostram que, se privadas do sonho, as pessoas tendem a assumir uma hipersensibilidade, podendo até mesmo desencadear surtos psicóticos.
O especialista João Rafael ainda comenta que estudos anteriores associavam os sonhos apenas à fase REM (Rapid Eye Moviment) do sono, um período marcado pela intensa movimentação dos olhos, que ocorre, em geral, de 4 a 6 vezes por noite.
No entanto, hoje se sabe que há também sonhos fora desta fase. Ou seja, sonhamos muito mais do que conseguimos contabilizar pelas manhãs.
Por que não lembramos?
É fato que não recordamos de tudo devido ao ego, núcleo de administração da consciência, que é o responsável pela triagem dos conteúdos inconscientes que emergem à nossa lembrança.
Nem sempre o conteúdo mobilizado no inconsciente e apresentado no sonho é considerado adequado pelo ego, que tende a rechaçar temáticas e imagens com as quais não está disposto a lidar.
Quando algum desses “proibidos pelo ego” escapa, temos a lembrança dos pesadelos, sempre inspiradores de medo, apreensão e outras emoções não desejáveis.
Em geral, quando damos mais atenção aos nossos sonhos (anotando-os no dia seguinte, por exemplo), a lembrança das imagens costuma ficar mais nítida e constante.
Adriana Rezende nunca ligou para o que sua mãe Candida lhe contava em várias manhãs. “Ela sempre repetia que eu teria dois meninos, um com o cabelo lisinho e outro bem enroladinho. Esse sonho se repetia sempre, desde que eu era adolescente”, diz.
Candida sonhava com Adriana no casamento do irmão, correndo atrás dos dois garotos. “Nunca levei a sério, até porque não tenho tendência de gêmeos na família. Mas o que eu não esperava é que meu marido tinha e não sabia. Ou seja, não é que o sonho da minha mãe estava certo?!”
Hoje Adriana é mãe de dois meninos: Gabriel e João, de 2 anos. “Agora só falta a parte do meu irmão casar e os meninos se divertirem no casamento, como minha mãe sempre sonhou”, observa.
Preste atenção
Lidar com o sonho é uma questão de hábito: no início de processo de análise deles, a amplificação do significado das imagens fica muito a cargo de associações feitas por um analista, mas, na medida em que o tempo passa, o próprio indivíduo, analisando-os, consegue decodificar os símbolos ali apresentados.
Algumas pessoas costumam lembrar mais dos sonhos porque dão importância a eles. Outras, no entanto, não dão tanta atenção e, em alguns períodos da vida, mantêm lembranças oníricas vívidas, noite após noite.
Muito provavelmente, se investigadas, poderemos perceber que eles conciliam com períodos mais conturbados da vida, ou de maior excitação psíquica – no início de um novo projeto, numa crise relacional, após a perda de alguém querido etc.
Ou seja, o sonho aparece aí como um reforço para o processamento de grandes vivências na psique, uma vez que a vigília não permite (ou que haja algum processo de resistência do indivíduo) que impeça a assimilação de tais experiências.
De novo e de novo…
Também há pessoas que percebem que alguns sonhos se repetem. Isso acontece porque essas situações repetitivas costumam apontar para temáticas de mais importância que, por algum motivo, não ganharam a assimilação necessária pela consciência.
Funciona como uma criança que assiste diversas vezes ao mesmo filme: ela pode até já ter decorado as falas dos personagens, mas não extraiu ainda a compreensão necessária da determinada história.
Existe um significado?
“As pessoas tendem a atribuir erroneamente significados fixos aos símbolos apresentados nos sonhos”, afirma João Rafael Torres. Mas, na realidade, o processo de amplificação não se dá de forma tão simplória.
De acordo com ele, é importante buscar o significado pessoal associado às imagens que se apresentam. Por exemplo: sonhar com uma cobra pode remeter a perigos e traição para muitas pessoas, mas para um veterinário pode ter outro significado, pela relação que ele tem com o animal.
Recorrer a dicionários especializados, por exemplo, não é uma boa saída para quem quer usar os sonhos para aumentar o diálogo com o inconsciente.
O mais interessante é começar a amplificação tentando interpretar, metaforicamente, os símbolos apresentados, a partir das associações pessoais e, só então, partir para as interpretações coletivas. Nisso, o uso de dicionários de símbolos sérios pode ser útil.
Ou seja, se quer entender o que se passou durante a noite, observe os sonhos com critério individual, a partir das associações feitas com seu dia a dia.