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Psique: Evitar emoções é comprar problemas

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O beijo perdido, a hesitação diante do passo, a palavra calada, a mão que não alcança o almejado. Depois da consciência da morte, a segunda maior frustração humana é perceber a impossibilidade de realizar tudo de bom que a vida nos inspira a querer viver.

Dessa limitação derivam todas as emoções ruins de sentir: a raiva, o medo, a angústia, a melancolia, a inveja, a impaciência. Tudo aquilo que, se pudéssemos evitar, manteríamos fora do nosso repertório. No entanto, é justamente a partir dessa incapacidade, e das emoções por ela inspiradas, que descobrimos quem verdadeiramente somos.

Dar espaço a essas emoções se torna indesejável porque, em geral, elas costumam se apresentar da sua forma mais bruta e contundente: como afetos. Eles chegam audaciosos, sem avisar nem pedir licença, desafiam até mesmo a fronteira dos bons costumes e das convenções sociais. Não se contentam apenas com essa intromissão na psique, mas também atravessam o corpo, onde imprimem um novo compasso, uma nova fisiologia. Transtornam a ilusão de controle do “eu”, que fantasia de autodeterminação.

Resistir faz persistir
Quando tentamos barrar-lhes a entrada, os afetos mostram ainda mais o seu poder. Camuflam-se de outras emoções, aparentemente mais bem aceitas. Porém, com elas se irmanam, ganham força e, no momento mais inoportuno, denunciam o que tentamos evitar.

Às vezes, um simples gesto provocado pelo outro é o gatilho suficiente para fazer desaguar uma foz caudalosa. Surpreendemo-nos tanto com sua intensidade, a ponto de desconhecermos as atitudes cometidas enquanto estávamos sob seus domínios. “Nem parecia ser eu”, dizemos. E, de fato, a avaliação é correta: estar “afetado” é como estar possuído por um ente estranho, por um outro ser que desconheço.

Crescer é saber sentir
Amadurecer depende, entre outros fatores, da capacidade que temos de vivenciar as emoções de forma produtiva. Isso se dá quando conseguimos atribuir-lhes um significado, uma função para participarem do momento em questão. Por essa razão, refletir sobre as nossas experiências, e principalmente sobre como somos atingidos por elas, é importante para o desenvolvimento da consciência.

Inclusive, esse é o grande exercício do autoconhecimento: compreender como reagimos à manifestação de cada afeto é aprender sobre os valores latentes de nossa alma. É ela quem determinará como conseguimos explorar o que é agradável, e também sobre a forma como toleramos o que nos descontenta.

Emoções viram doenças
Quando a situação invoca afetos negativos, ou intensos demais à compreensão da consciência, a psique elabora uma espécie de mecanismo de defesa para que possamos suportar a experiência. As emoções relativas ao fato são fragmentadas e o que “transborda” é acondicionado no inconsciente. O problema é que, dessa forma dissociada, a memória do afeto assumirá um caráter nocivo.

Uma vez que o indivíduo se depare novamente com alguma situação que remeta à emoção original, ela tenderá a se expressar de forma tortuosa. Ao interferir, o afeto dialoga com o corpo e com a psique. Essa manifestação poderá se dar a partir de desconfortos emocionais, mas também de sintomas físicos. Essa é a base para a compreensão dos fenômenos psicossomáticos, a causa dos adoecimentos.

Aceitar para se libertar
Compreender esse mecanismo não nos faz imunes da ação dos afetos. Mas nos oferece uma fórmula para lidar melhor com eles: a aceitação. Encare aqueles desconfortáveis como uma visita indesejada que, por pior que seja, tem sempre uma função de estar ali. Escute o que ela tem a dizer, antes de querer manda-la embora, pois certamente será útil e benéfico, além de causar menores desgostos.

Jung ensina que nossas emoções são como deuses, capazes de abençoar ou amaldiçoar, a depender do nosso grau de reverência. Reconhecer nossas limitações, enquanto humanos, é como saber se portar diante de um deus. Só assim podemos ser dignos de graça.

Psique: Nutrição emocional para a boa saúde

Crédito: Metrópoles

nutrição

 

Uma vida saudável depende de bons hábitos alimentares: avaliar o que se ingere para saber como o corpo assimilará cada nutriente. Tem coisa que não cai bem, e precisa ser evitado. Outras, mesmo que não estejam na lista dos sabores favoritos, são necessárias para que o funcionamento se mantenha harmônico. Saiba o que comer para viver bem. Literal e metaforicamente.

Atenção para as fontes: a procedência faz diferença. Nem sempre podemos escolher os conteúdos que vamos consumir. Às vezes, as circunstâncias nos empurram coisas goela abaixo. Mas, quando estamos bem alimentados, essa perturbação não durará muito tempo. Logo saberemos ingerir algo que neutralize os efeitos prejudiciais da intoxicação. Para esses casos, um bom amigo pode ser o antídoto. Ele ajudará a metabolizar o veneno alheio, e até sustentará se tivermos de botar para fora o veneno que invade.

Perca as gorduras que limitam a vida. Ter um olhar providente é imprescindível para que não fiquemos rendidos. Mas não adianta querer fazer do acúmulo de recursos uma saída para a vida. Isso denuncia a falta de confiança no futuro: você não precisa de estoque de energia, você não ficará sem. Tudo aquilo que excede compromete tanto quanto a falta. Avalie, de forma leal, do que precisa para viver.

Mantenha atenção na firmeza dos ossos, para que tudo possa se sustentar bem. O esqueleto é a base mais firme, menos mutável, o radical da nossa existência. Representa nosso limite natural, nossa ancestralidade. Molda nossa estrutura, o formato que temos. Tudo aquilo que calcificamos na vida é osso: as heranças, os conceitos que cultivamos, nossas convicções. O mundo pode tentar entortar certas formas, mas temos de aprender a resistir para fortalecer.

Mas não se pode descuidar das articulações. A capacidade de flexibilizar é imprescindível para manter o movimento, a fluidez. Nisso, recomendo dois alimentos fantásticos: a dúvida e o argumento. Eles impedem a artrite da tirania. A escuta também ajuda muito, sem ela não conseguimos articular nada: um bom pensamento, uma boa relação, tudo depende da capacidade de troca. Isso revigora a gelatina que une nossos valores mais profundos.

Invista no desenvolvimento muscular, para ganhar a força necessária para os desafios. Fazer corpo mole diante das dificuldades atrapalha o organismo todo. A capacidade de enfrentamento tende a nos levar a desafios ainda maiores. Mas também às melhores recompensas. A primeira delas é de não sofrer tanto quando estamos diante dos pesos que precisamos carregar. Um bom suplemento: a coragem.

Para finalizar, ouça o que suas vísceras falam para você. Elas saberão falar das suas necessidades mais profundas, sinalizam de cara sobre aquilo que lhe fará mal e deve ser evitado. Confie. Também é das vísceras que virão aquelas salivações estranhas, que remetem a coisas bem específicas.

Um prato de mingau, com terno sabor de infância. Um acarajé apimentado, que transborda lascívia e paixão. Experimente o prato exótico, que você arrisca sem saber se o sabor agradará. Coma a fruta azeda, que te fecha o semblante, mas que evitará a contaminação de um agente nocivo. Em excesso, tudo isso pode fazer mal. Mas, às vezes, está neles o nutriente nos falta.

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Doenças Emocionais: Cuidado com o sistema digestivo

A revista Doenças Emocionais me convidou para falar sobre as implicações psicossomáticas das doenças do aparelho digestivo. Ficou assim: 

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Cuidado com o sistema digestivo

 

Texto: Amanda Araújo

Você sabia que a mente também pode causar males à sua digestão?

Você pode não se dar conta disso, mas o seu humor e estresse estão ligados ao seu sistema digestivo. Se você tem intestino preguiçoso, por exemplo, pode ter certeza que não é só a sua alimentação a culpada disso – o cérebro também pode ter causado esse incômodo a você.

Mas como isso acontece?

João Rafael Torres, psicoterapeuta e analista junguiano, especialista em Psicossomática pela Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo (Facis), explica que o ventre é o centro do corpo, por localizar grande parte dos órgãos vitais. Portanto, o sistema digestivo é basicamente rico e “fala” da forma como processamos tudo aquilo que nos nutre ou intoxica. Ou seja, passada a garganta, o sistema digestivo é o primeiro grande filtro, onde só aquilo que é processado pela mastigação poderá ter aceso.

“Os conteúdos são digeridos por processos físicos e químicos, até seguirem ao intestino, onde serão triadas as substâncias benéficas das maléficas, que serão distribuídas por todo o corpo. O processo se encerra na eliminação dos resíduos que já não mais servem. Se fizermos um paralelo do alimento real com tudo aquilo que nos alimenta na vida, como informações, crenças, hábitos e vícios, conseguimos traçar correlações interessantes entre os processos de adoecimento e os quadros psíquicos. Podem falar da dificuldade de digerir experiências , de aproveitar conteúdos benéficos, ou até mesmo de expurgar aquilo que não mais nos serve”, explica o profissional.

Além disso, o cérebro possui neurônios cujas serotonina produzida vem do intestino, assim como o hormônio do crescimento. O intestino também tem ligação direta com o hipotálamo que faz com que as emoções se reflitam no intestino.

Prisão de ventre

O estresse, a ansiedade e a depressão estão totalmente relacionados à prisão de ventre, que é caracterizada pela dificuldade de evacuação. É importante salientar que a consulta com um médico especializado é fundamental para o diagnóstico correto e o tratamento adequado para cada caso. Mas, a rotina tão atribulada nos dias de hoje pode, si, prejudicar o bom funcionamento do intestino. Ingerir alimentos com fibras e beber mais água é tão importante quanto controlar as emoções para o bom funcionamento do sistema digestivo. “Bom humor, sorriso e hábitos otimistas são indispensáveis para todos que buscam a saúde, seja ela do corpo, da mente ou do espírito. Se nossos pensamentos são capazes de evocar emoções, e se as emoções participam diretamente da nossa fisiologia, quanto mais nos mantermos emuma frequência que evoca o bem estar, mais saudáveis estaremos”, afirma o profissional.

Atente-se aos sinais!

João Rafael Torres explica que a doença aparece de forma simbólica, ou seja, ela traduz algo, ensina algo, denuncia algo, orienta para algo ou transforma algo. E conseguir decifrar qual é esse sinal e o sentido de determinada patologia é um desafio e tanto. Porem, quando descoberto, a pessoa está livre da doença e volta a viver de forma mais saudável. “Em muitos casos, uma vez que esse conflito é evidenciado, a partir da psicoterapia ou análise, e trabalhando na mudança de crenças e hábitos, os sintomas simplesmente desaparecem. Há, inclusive, na literatura que trata do tema, diversos casos de patologias severas, como o câncer, que chegam a regredir severamente a partir disso. Obviamente, não defendo aqui a negligência aos tratamentos médicos, ou assumo um tom de ‘curandeirismo’ por psicoterapia. Mas é consenso na mediina contemporânea que a busca por um amadurecimento psíquico é uma forte aliada para bons prognósticos nos tratamentos de saúde”, diz. Portanto, esquecer-se desses sintomas “ocultos” é um grande erro, mas buscar ajuda especializada é imprescindível.

Outras Ondas* – Para que serve um sintoma

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Comemoramos diariamente os avanços na área da saúde. Cientistas investem tempo e dinheiro em busca de diagnósticos cada vez mais precisos, apostamos em tratamentos complexos, acreditamos piamente nas medicações e nos dedicamo cada vez mais a uma vida asséptica como forma de prevenção. Esquecemos, porém, muitas vezes de enxergar que a causa das doenças está correlacionada às nossas emoções e afetos. Ignoramos a íntima relação existente entre a alma (psique) e o corpo (soma), base da abordagem psicossomática dos sintomas.

Males físicos causam neuroses, ou o contrário? Esse paradoxo tem como base a relação psicobiossocial que compõe a existência humana. O entendimento do homem como um ser complexo nos leva a crer que a separação entre corpo e mente é ilusória. O cientificismo é capaz de promover essa separação na teoria. Mas a prática nos mostra a grande interferência entre si. Trafegando entre os dois fatores, temos os sintomas como uma linguagem simbólica de expressão. Jung dizia que os deuses mitológicos não estão mortos, mas que eles se transformaram em sintomas. A partir da análise dos mesmos, conseguimos encontrar grandes paralelos entre eles e os desajustes psíquicos que carregamos.

A doença funciona, então, como um caminho para que aspectos inconscientes ganhem expressão e possam nos levar a um desenvolvimento psíquico. Ou seja, toda doença tem em si uma finalidade. O estudo da psicossomática ficou estigmatizado como uma interpretação subjetiva dos sintomas, ou seja, quase um oráculo para interpretar distúrbios interiores a partir das marcas presentes no corpo. Obviamente, isso tem o seu valor. Mas é a último estágio da cadeia. O olhar da psicossomática busca reintegrar o homem em seus diferentes aspectos, e, a partir daí, ampliar-lhe a consciência para que possa manter esse estado de integração. Exercita a atenção plena no ser inteiro/integral/holístico como fórmula de bem-viver.

A forma como a psique se expressa a partir do corpo tem forte ligação com a maternagem que recebemos na primeira infância, especialmente até os dois anos. Essa é a fase onde desenvolvemos o cerne da personalidade, da forma como aprendemos a lidar com nossos afetos e emoções. Nesse período, a ausência de linguagem na criança faz com que ela se vincule estritamente à mãe (ou a quem exerça esse papel). A ligação entre elas é simbólica, linear. Ao expressar-se, a criança aguarda uma resposta similar da mãe. Quando não se vê correspondida e acolhida o suficiente, ela poderá cristalizar essa experiência. Isso gerará uma dificuldade na elaboração abstrata das próprias emoções durante toda a vida. Em vez de enfrentar internamente as dificuldades emocionais, ela necessitará de vivências concretas ou sintomas para aprender a lidar com as próprias emoções.

Geralmente, as pessoas que apresentam uma maior tendência à somatização têm características bem definidas. São pessoas com baixa capacidade imaginativa, com déficits criativos e baixo poder fantasioso-construtivo (quando tentam prospectar o futuro de uma situação, não conseguem fazê-lo ou o fazem com pessimismo). Também tendem a uma busca incisiva pela normalidade: querem encontrar uma forma de sentir-se similar aos demais e tendem a querer investigar a fundo a origem dos males que sentem. Quando questionados sobre os próprios sentimentos, têm dificuldade ao tentar diferenciá-los entre si e podem enfrentar períodos de “apatia emocional”. Numa investigação mais elaborada, costumam narrar problemas com a mãe, com histórico de abandono ou negligência.

Mais que uma interpretação de sintomas, a psicossomática ocupa-se principalmente de uma tentativa de remissão das causas psíquicas que ocasionam as doenças. Quando damos a atenção devida aos núcleos inconscientes causadores das patologias, a energia que os mantém perde o fluxo e, vazios, eles perdem a autonomia. Ao olharmos para dentro, promovemos uma espécie de medicina profilática ao corpo. Ao encararmos as doenças como alternativas psíquicas para nosso desenvolvimento, aprendemos a perdoar o sintoma. E entendemos que eles são, na verdade, ferramentas para que possamos nos perdoar e evoluir.

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Dedico esse texto ao pediatra e homeopata Oswaldo Cudizio, meu professor de Psicossomática, responsável por promover em mim muitas dessas reflexões.

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