Self

Qual a importância que você dá aos seus sonhos?

“A vida sem sonhos seria uma tragédia, é fundamental que a cada dia novos sonhos possam ser sonhados”. “Passo dias tentando interpretá-los.” “É tão bom sonhar que, às vezes, nem me incomodo se eles não se realizarem.” “Procuro decifrar sempre”. “Eu já sonhei com a vida e agora vivo um sonho”. “Meus sonhos dariam um livro.” “Você fala dos sonhos que temos durante o sono ou daquilo que almejamos para a vida?”

As diferentes respostas para o questionamento apontam para algo revelador: as imagens que nos povoam enquanto dormimos é um tema de interesse de todos. E isso não é de hoje. Desde a antiguidade, os sonhos despertam a curiosidade da humanidade, que busca forma de compreendê-las.

Há pouco mais de um século, Sigmund Freud revolucionou o olhar sobre os sonhos, ao interpretá-los como uma mensagem direta do inconsciente. Mas foi Carl Gustav Jung, o criador da Psicologia Analítica, que percebeu um valor mais especial para as imagens que acessamos durante o sono. Para ele, sonhos representam, espontânea e simbolicamente, a situação atual do inconsciente e os dinamismos que o compõem. Oferece não só diagnósticos, mas também orienta sobre os passos a seguir e antecipa os resultados futuros.

A análise dessas imagens favorece a organização dos conteúdos psíquicos e o autoconhecimento. Promove, assim, a cura para dinâmicas emocionais adoecidas, além de gerar uma interação mais saudável e produtiva entre o inconsciente e a consciência.

Com esse propósito, surgiu o Sonhar Mais – Grupo Terapêutico de Compartilhamento de Sonhos.

A partir da análise coletiva de sonhos, realizada em encontros semanais, cada participante observa as imagens vindas do inconsciente como uma oportunidade de compreender mais sobre si e sobre o mundo. Além de promover a interação e o ganho mútuo, o compartilhamento de sonhos faz com que cada indivíduo desenvolva estratégias de enfrentamento para os conflitos – o exemplo dos demais favorece a compreensão dos próprios problemas, motivando a transformação. E, juntos, caminham de encontro à ampliação da consciência e do desenvolvimento integral.

O sonho terapêutico

A melhor forma de potencializar a utilidade dos sonhos é observá-los com seriedade. Não se trata de uma simples interpretação, onde significados são atribuídos de uma forma simplória para cada elemento os compõe. Jung ensina que o mesmo elemento pode ter sentidos diversos a depender de cada sonhador: as experiências pessoais é quem vão dar o tom que cada imagem onírica quer transmitir a cada pessoa. Por exemplo: para algumas pessoas, um cachorro pode sinalizar fidelidade e lembranças alegres; para quem tem medo de animais, pode representar uma ameaça.

A construção de um caderno de sonhos é o primeiro passo para quem quer aprender a dialogar com as imagens vindas do inconsciente. Relatar as experiências oníricas ajuda a organizar os conteúdos psíquicos que se manifestam noite após noite. A partir de uma série de sonhos, pode-se entender mais sobre os processos transitórios da vida.

Além do registro, o processo de amplificação do sonho, desempenhado com o auxílio de um analista, funciona como um potencializador para os resultados. A partir da observação das imagens , sonhador e terapeuta correlacionam elementos surgidos espontaneamente à realidade vívida – frustrações, expectativas, escolhas, relacionamentos etc. Nisso consiste um dos principais pilares da psicoterapia ou análise junguiana.

Formação de grupos e dinâmica de trabalho

Discutir sonhos é aprender com eles

O Sonhar Mais funciona como uma modalidade de psicoterapia: um espaço onde pessoas se encontram analisar seus sonhos. O trabalho realizado em sessões semanais com duas horas de duração. Por ter uma finalidade terapêutica, o trabalho deve ser contínuo. Cada sonhador tem a oportunidade de expor suas experiências oníricas, que serão discutidas pelo mediador com o auxílio dos demais participantes do grupo. Ao relatá-las, o sonhador acessa informações vindas diretamente do inconsciente. Entende como esse conteúdo dialoga diretamente com seu cotidiano, com a ciranda de seus afetos e com seus dilemas existenciais.

A essa discussão se dá o nome de amplificação do sonho. Com perguntas e impressões sobre os elementos presentes na imagem, busca-se encontrar um sentido diferenciador para o sonho discutido. O trabalho é extremamente produtivo: ao discutir o sonho de um participante, os demais sonhadores aprendem a lidar com questões que também são suas. Na reflexão coletiva, o ganho é compartilhado por todos.

Formação de grupos

O Sonhar Mais é constituído por grupos com participantes fixos. Facilita assim a cumplicidade gerada entre os sonhadores, além de questões éticas de privacidade e discrição – indispensáveis em qualquer terapia coletiva. Isso também interfere na formulação dos grupos. O trabalho é antecedido por uma entrevista privada, onde são levantadas as características básicas de cada participante. Dessa forma, busca-se formar núcleos heterogêneos, mas equilibrados, com a finalidade de aumentar a produtividade dos encontros.

O número de sonhadores por grupo é limitado a até oito participantes, que seguem de forma continuada. O ingresso de novos membros só se dará com a aprovação de todos. O mínimo de sonhadores para a manutenção de um grupo é de três participantes.

O que a ciência demonstra

Jung constatou que os sonhos têm uma função múltipla diante da psique. Além da compensação, como defendia a crença freudiana, cada sonho tem as funções de elucidar (explica ao sonhador os dinamismos psíquicos vigentes), educar (ensina estratégias para que cheguemos à resolução do conflito) e antecipar o futuro (aponta para os desfechos possíveis, preparando-nos para novas situações).

Fisiologicamente, o sonho se processa em períodos de intensa atividade cerebral durante o sono, semelhante à vivida durante os momentos de vigília. Isso se dá no chamado sono profundo, quando o tônus muscular do corpo diminui – um grande paradoxo: quando o corpo se relaxa, a psique decola em imagens tão surpreendentes!

Em descobertas recentes, neurocientistas da Universidade de Harvard atestaram o conhecimento antecipado por Jung no início do século passado. Eles comprovaram que os sonhos nos conduzem mais facilmente à solução de um problema. Na pesquisa, cem indivíduos foram expostos a um labirinto virtual em 3D, complicado demais para uma solução imediata da saída. Parte do grupo ganhou algumas horas de cochilo.

Ao retornarem à vigília, alguns indivíduos relataram ter sonhado com elementos do experimento. E, curiosamente, esses conseguiram solucionar o enigma do labirinto com até 10 vezes mais rapidez que os demais. A conclusão dos pesquisadores é de que os sonhos auxiliaram a organizar as informações, além de extrair das experiências os elementos mais importantes.

O experimento serve para que pensemos no desperdício que praticamos cada vez que deixamos nossos sonhos de lado. Quantas boas oportunidades de compreensão dos conflitos se perdem a cada manhã? Será que o que experimentamos durante o sono não dialoga com os sonhos que temos enquanto estamos acordados, ou seja, com o que almejamos para a vida?

Protocolo para o trabalho com sonhos

Jung acreditava que os sonhos funcionavam como fotografias do dinamismo psíquico. Por esse motivo, a análise de cada sonho é um processo único, não podendo ser restrita a dicionários ou guias de interpretação. Abaixo, algumas dicas para que você tire proveito dos recados que o inconsciente oferece a cada noite.

Construa um “sonhário”: Jung dizia que o simples registro diário dos sonhos já constitui um exercício terapêutico. Na medida em que anotamos as imagens, peripécias, sensações e emoções experimentadas no mundo onírico, conseguimos “organizar” os movimentos psíquicos. Compre um caderno que deverá ser dedicado exclusivamente para o registro dos sonhos. Transforme esse exercício em um hábito diário.

Descreva sempre um sonho no momento presente, como quem relata algo real. Comece pelos lugares, seguindo pelo contexto e pelo papel que você assume. Em seguida, relate as emoções vivenciadas, a evolução da cena e o desfecho. A preguiça deve ficar de lado: anote todos os detalhes que lembrar.

A linguagem do inconsciente é sempre alegórica, simbólica. Assim sendo, todos os elementos presentes num sonho (dos personagens aos objetos) não devem ter interpretação literal – tudo faz parte de você e fala de você.

Ao terminar o relato, tente fazer um exercício livre de associações entre aquilo que viu e as relações que se estabelecem com a vida. Jung chamou esse exercício de amplificação. Por exemplo: ao sonhar com uma colega de trabalho com quem não se tem muito contato, observe quais as principais características que ela transmite. O mesmo vale para os objetos: resgate a história relacionada a eles. Amplificar é buscar sentido diante das imagens que aparecem.

Não tente encerrar o conteúdo de um sonho, atribuindo um significado único. Quanto mais múltiplo for o sentido, mais valia terá. Se achar interessante, escreva o resultado da amplificação abaixo do sonho.

Em geral, todos os sonhos da mesma noite seguem uma temática comum e, depois de serem analisados individualmente, deverão ser observados como um conjunto conciso. O mesmo vale para aqueles tidos durante um período específico da vida (durante uma viagem, ao fim de uma relação etc.). Dessa forma, o sentido que eles oferecem torna-se mais claro.

Você quer começar, mas simplesmente não consegue lembrar do que sonhou? Não se aflija. Encare como um exercício. Na medida em que começamos a dedicar tempo para os sonhos, eles tendem a ficar mais limpos, vívidos e presentes na memória.

A observação continuada dos sonhos, acompanhada por um psicoterapeuta ou analista, é um poderoso instrumento de cura e de desenvolvimento pessoal. O processo promove o autoconhecimento a partir dos elementos vindos do inconsciente.

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