Self

Outras Ondas – O compromisso de curtir


Um personagem interessante tem tomado grandes proporções em meu atendimento clínico: o Facebook. A rede social surge como um fantástico instrumento na arte de aproximar pessoas que há muito não se viam, ou como elo agregador para aqueles que enumeram gostos e ideais afins. Diverte a muitos, que, entre curtidas e compartilhagens, comentam a piada do dia. Mas o Facebook que me chega nas sessões é um tirano nefasto: destrói namoros, arrasa reputações, planta a discórdia e o ciúme. Um elemento satânico, se nos pautarmos pela etmologia do termo satã – aquele que está no meio do caminho, o adversário ou opositor.

Quem resolve abrir um perfil na rede tem de pensar antes no grau de exposição das intimidades que está disposto a enfrentar. Uma pesquisa recente, publicada pela Psychological Science, apontou para os danos que a rede pode causar danos à autoestima dos usuários. Isso porque leva a uma inevitável e desnecessária comparação com outros perfis – obviamente, com padrões distorcidos sobre felicidade, bem estar e realização pessoal. Outros, num impulso, acabam por comentar excessivamente a própria vida, partilhando aos demais fatos negativos ocorridos, fraquezas e sensibilidades.

Por outro lado, a farta oferta de detalhes da vida alheia aguça a curiosidade. Fuxicar fotos, fatos e reflexões toma horas a fio de muitos por aí. As “curtidas”, comentários e compartilhamentos aparecem como pegadas no cimento: marcam não só a passagem, mas também a aprovação – ou não – do que foi publicado. Posts bem visitados são ostentados, com orgulho, pelo próprio sistema na página das atualizações de maior repercussão. Contabilizar amigos é sinal de status – mesmo que, ao cruzar com alguns deles na rua, falte coragem para a interação. O deus da discórdia também é o deus da vaidade.

É óbvio que o problema não está no Facebook. E nem em demonstrar vulnerabilidades para os demais. A questão é a forma e para quem isso é feito. Em clínica, percebo que muitas crises poderiam ser facilmente evitadas pela contenção. Quais os efeitos de tamanha investigação? O que estava procurando? E agora, que achou, o que fará? Na maioria das vezes, nada é feito – ao menos, de forma concreta. Mas comentários, fotos e curtidas nos perfis investigados ressoam horas na psique, plantam a insegurança e o descontentamento. Bloquear, então, é o fim no quesito da cortesia: banir do outro a possibilidade de acompanhar seus passos torna-se inconcebível, quase que desejar-lhe a morte.

A maior exposição não é praticada por quem relata os acontecimentos da vida na rede social, e sim de quem pauta pelo que lê no perfil dos outros. Não refletem sobre a subjetividade do método: conduzida por diferentes afetos, uma mesma palavra pode desembocar em diferentes sentidos – a depender do olhar de quem a lê. Nasce assim o desentendido, a maledicência, as conclusões injustas e precipitadas. Respeitar a própria intimidade é saber definir o crivo correto para separar o que merece atenção nesse meio, mas é principalmente saber afastar-se dessa fonte corrosiva dos relacionamentos, se isso for necessário. É medir a influência que as informações publicadas exercem sobre os rumos adotados para a condução da vida.

O mundo do Facebook é uma fantasia construída com fatos e personagens reais. Muitas vezes, o dano dessa fantasia é provocado pelo excesso dessa tal realidade: as pessoas se levam muito a sério. O momento de descontração se transforma em uma neurose altamente comprometedora – em certos casos, esbarra no comprometimento patológico da dependência. Tudo merece ser declarado, até mesmo a ausência de assuntos a declarar. Por outro lado, todas as atualizações ganham uma importância descabida. E o tempo vai passando uma miscelânea de inutilidades, que ganham uma estranha urgência para quem ultrapassa os limites razoáveis de envolvimento com essa e outras redes sociais.

Não teço essas considerações por criticar o Facebook, Twitter ou algo que o valha. Até porque sou adepto, praticante e fiel às novas mídias como sistema de comunicação e interação social. Enxergo esse como um caminho sem volta: o virtual, que antes configurava uma espécie de realidade paralela, é um fato é cada vez mais presente, dinâmico e interativo na história contemporânea. Permeia a todos nós, já faz parte do nosso inconsciente coletivo. Mas isso não garante que todos estão aptos a usufruir dos benefícios oferecidos, sem provocar danos ou prejuízos. Não custa lembrar: o que diferencia uma ferramenta de uma arma é a habilidade de quem a manuseia. 

Foco: O que esperar de 2012

Escrevi um curto artigo para a edição de fevereiro da revista Foco sobre a busca das pessoas por previsões. Na verdade, um contraponto sobre o uso dos oráculos com essa finalidade. Reproduzo o conteúdo abaixo. 

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O homem se difere dos animais por ter consciência de si mesmo, do futuro e da morte. Por esse motivo, sempre buscou formas de compreender o mundo que os envolve. Uma delas é a crença no mágico, no invisível. A partir de sonhos, deuses e oráculos, o homem tenta interpretar os desígnios desse mundo transcendente. Essa é a base das filosofias e religiões.

A preocupação com o futuro fica mais evidente a cada início de ano. É um movimento natural: o início de um novo ciclo traz consigo a crença da renovação e de novos desafios. E todos querem estar preparados para aproveitar as melhores oportunidades, mantendo a precaução diante das adversidades. Tarot, I Ching e búzios, entre outros oráculos, podem oferecer um bom subsídio para isso. Mas é necessário ter certas precauções.

A função maior dessas práticas não é de oferecer certezas, e sim de propor novos questionamentos sobre o tema que se analisa. Já era assim na antiguidade. Quando um grego recorria ao Delfos, ele buscava novos subsídios para refletir sobre a ação dos deuses (afetos) sobre si. O oráculo é capaz de despejar a luz da consciência sobre os pontos cegos na nossa visão. E, com uma visão mais clara da realidade, estamos mais aptos a construir o futuro que tanto desejamos.

Assim sendo, creia nas promessas e advertências que os oráculos oferecem. Mas acredite duvidando: de si, das circunstâncias. A interpretação deve ser simbólica e não literal. Não se apegue a determinismos, a certezas. Nenhuma realidade é estanque, pois nossa alma não é estanque. Tudo pode se transformar, a depender da nossa vontade, pensamentos e ações. O oráculo é eficiente se põe em xeque nossas certezas. E quando, a partir disso, nos tornamos pessoas mais conscientes e fieis ao nosso papel no mundo.

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