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Outras Ondas: Feliciano, hipocrisia e outros mitos brasileiros

 

Uma viela, numa noite escura. Um rapaz negro se aproxima, vindo da direção oposta. O coração dispara, a mão contrai a bolsa contra o corpo. Não dá mais tempo de fazer um caminho alternativo, ou mudar de calçada. O rapaz segue, você continua ilesa. E, nesse momento, ambos experimentaram – e reafirmaram – uma das formas mais enraizadas do preconceito brasileiro.

No trânsito, uma ultrapassada brusca lhe leva a um sobressalto. Quase que instintivamente, ao ver o motorista homem, caça mentalmente uma ofensa para o revide. A alma precisa ser lavada. “Viado!” E as mãos acompanham a ofensa com gestos obscenos, simbolizando o falo. No nosso mundo, a condição homossexual é comparada à imprudência, à falha de caráter ou a uma patologia. Essa é a verdade.

Todo mundo é respeitoso com a crença do outro. Até pula ondas no réveillon, vestido de branco, jogando flores à Yemanjá. Mas hostiliza quem exerce a liberdade de culto e ostenta símbolos religiosos afrobrasileiros na fachada de casa, na baia do trabalho ou no próprio corpo. Se não vem com aquela olhada torta, de quem desaprova o que vê, cobre o outro de uma série de preconceitos: adorações demoníacas, superpoderes instantâneos e oniciência. Tudo isso acompanha a imagem de quem se dedica aos orixás. Isso sem contar com a famigerada piadinha: “chuta, que é macumba!” Como se a crença alheia não merecesse respeito, devendo ser achincalhada, barbarizada ou exterminada.

E eis que, na segunda década do século 21, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias no congresso brasileiro é assumida por um deputado declaradamente homofóbico, racista e pouco respeitoso aos cultos que fogem àquele que professa. Instantaneamente, vira moda criticar-lhe as condutas, protestar nos corredores do parlamento ou usar as redes sociais para satirizá-lo. Não que concorde com a permanência dele no posto – afinal, depois de tantas declarações controversas, colocar Feliciano para defender minorias é como dispor o galinheiro ao cuidado das raposas. Mas até que ponto ele não representa, verdadeiramente, o olhar preconceituoso do brasileiro?

A função de um deputado é ser o detentor da voz da população que o elegeu. Feliciano está lá por isso, e para isso. O problema é que a voz que ele representa se revela enorme a cada dia: os noticiários nos revelam que o país está cada vez mais intolerante, seja religiosa, sexual ou etnicamente. Ter isso transformado em notícia é um avanço, visto que o preconceito não é novo – nova é a denúncia. Entendemos que a voz de Feliciano é apenas um eco social quando acompanhamos a destruição de templos afros. Ou quando pai e filho espancados por serem confundidos com namorados. Ou quando as estatísticas mostram que as mulheres negras detêm a menor renda per capita da economia brasileira. Isso sem contar com várias outras atrocidades, como a discriminação aos nordestinos, às profissões subalternas e outras coisas afins. Tudo isso também somos nós – e nosso congresso está aí como uma amostra fidedigna da sociedade.

É óbvio que não são todos que traduzem a vida com a cegueira da ignorância, assim como é claro que os protestos do momento são oportunos – até mesmo necessários, como tentativa de reverter esse quadro. Mas também devemos perceber o quão preconceituosos somos: o incômodo gerado pelas declarações que vêm das tribunas é sinal de um conteúdo sombrio que participa a todos nós, em maior ou em menor grau. Para entender como isso funciona, basta atentarmos para um exemplo do próprio deputado: um olhar sobre a raiz de seus cabelos, assumidamente alisados em processos químicos, é sinal da ancestralidade negra que lhe pertence e contraria. Usar o outro para expiar o que nos incomoda é uma estratégia tão antiga quanto a civilização – termo duvidoso, já que, apesar de nossa crença e vontade, nem sempre conseguimos ser verdadeiramente civilizados. Para ser sincero, por mais esforço que eu faça para o contrário, não sei até que ponto Feliciano não me representa. Talvez represente, como o faz para grande parte do Brasil.

Revista Expressão: Paranormalidade

Concedi uma entrevista para a Revista Expressão, que circula em São Paulo, sobre a visão junguiana no que se refere aos fenômenos paranormais.

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Paranormalidade

Um mergulho sobre a capacidade da mente

Janaína Moro

A palavra paranormal, segundo o dicionário, se traduz: aquele que sofre de fenômenos psíquicos não explicados cientificamente. Várias pessoas na humanidade foram condenadas, queimadas na fogueira da inquisição, por serem considerados bruxos e bruxas. Cada época traduz esse fenômeno da forma que o conhecimento alcança e, neste século, muita coisa já pode ser explicada pela ciência. Atualmente, a paranormalidade está em vários setores da sociedade, como política, medicina, e já esteve até no governo americano. Você sabia que, entre os anos 70 e 80, o governo estadounidense negou a existência de pessoas com poderes psíquicos e o investimento voltado para esta área? E foi assim, até que em meados de 2001, documentos sigilosos vieram a público e o projeto Stargate foi descoberto. O projeto de mais de $20 milhões de dólares era um termo geral usado para descrever um grande número de investigações e experiências psíquicas, empreendidas pelo governo dos EUA entre os anos 70 e 90. O maior objetivo do Projeto Stargate foi investigar a possibilidade de existir pessoas com poderes psíquicos, entre os quais, o principal alvo era a “visão remota”, que é a possibilidade psíquica para acompanhar acontecimentos através de grandes distâncias.

Em 1977, militares dos EUA queriam saber o que os russos estavam construindo num galpão misterioso, que os satélites americanos tinham flagrado; e então chamaram um dos soldados que mais tinham se destacado nos testes do Projeto Stargate, o especialista em “visão remota” Joseph McMoneagle. Mostraram a foto do galpão e ele disse que estavam construindo um submarino. Os oficiais não acreditaram, já que a construção ficava há quase um quilômetro de água, um lugar pouco propício para construir um submarino. Mas Joseph disse que em quatro meses sairia um de lá e acertou na previsão. O Stargate durou até 1995, quando o governo Clinton pôs fim ao programa, que considerou caro para poucos resultados.

Para o especialista João Rafael Torres, analista junguiano, em geral, considera-se sensitivo aquele indivíduo cujas faculdades psíquicas excedem os limites do que é convencionado como “normal” (daí o termo paranormalidade): a vidência, a precognição de acontecimentos, percepções de fenômenos energéticos, a telepatia etc.

O psicanalista explica que a escola junguiana é, certamente, a escola psicológica que mais se dedicou ao estudo desse tipo de fenômenos. A tese de doutorado de Jung foi sobre uma prima, que era médium de escrita automática (no estilo Chico Xavier). Ele concluiu que ela tinha uma sensibilidade maior para perceber as dinâmicas psíquicas dos presentes nas sessões espíritas que realizava. Mas, em vez de creditar o conteúdo a espíritos de mortos, ele acreditava que o conteúdo apresentado nas cartas estava associado à atividade de complexos psíquicos. Essa descoberta foi um marco na história da psicologia moderna, influenciando nomes como Freud, na constituição da teoria dos complexos. Além disso, ele estudou a fundo os oráculos, especialmente o I Ching, para tentar descobrir o funcionamento das previsões. E, a partir dessas observações, elaborou sua teoria sobre a sincronicidade: as chamadas coincidências significativas, ou correlação entre dois fatos aparentemente independentes, mas que se entrecruzam, despertando um novo sentido (ou insight) a, no mínimo, um dos envolvidos.

“Em maior ou em menor grau, todos somos dotados de intuição. Ou seja, a ‘sensitividade’ é algo comum a todos, em maior ou menor grau. Alguns indivíduos, no entanto, têm a intuição como um canal naturalmente mais bem desenvolvido, ou buscam desenvolve-lo ao longo da vida, enquanto os demais priorizam outros canais de percepção do mundo”, explica.

A americana Noreen Reiner é um exemplo de pessoa dotada de imensa intuição, tanto é que atuando como detetive paranormal já participou da investigação de mais de 600 casos. A polícia da Flórida e o FBI estão entre os que costumam consultá-la. Já ajudou a encontrar assassinos foragidos, crianças sequestradas e um avião desaparecido.

Às vezes, a sensitiva apenas sonha com as pistas que depois relata à polícia. Outras vezes, usa a psicometria: o sensitivo pega algum objeto do morto e, a partir dele, recolhe informações sobre a vítima e tenta se colocar no lugar dela na hora do crime. Depois relata os detalhes do crime à polícia. Interessante, não?

Visão da psicanálise – Inconsciente coletivo

Segundo o psicanalista junguiano João Rafael Torres,  é importante se fazer uma definição sobre o inconsciente coletivo. “Vamos imaginar que todos nós compartilhamos uma espécie de resíduo de todas as experiências da humanidade. Por exemplo: todas as experiências já vivenciadas em torno do tema “maternidade” geraram uma espécie de matriz, que validará e inspirará todas as mulheres que parirem (e, indiretamente, a todos nós, mesmo os homens, que experimentamos a maternidade no papel de filho). A essa matriz Jung deu o nome de arquétipo. O inconsciente coletivo corresponde a uma espécie de espaço de compartilhamento de todos os arquétipos e instintos humanos. Ou seja, uma espécie de bolsão de conteúdos comuns a toda a humanidade. A partir do nosso inconsciente pessoal, podemos acessar essa parcela coletiva. E também podemos contatar o inconsciente de outras pessoas – com maior intensidade aquelas com quem estabelecemos vínculos afetivos mais fortes, ou com aquelas que, de alguma forma, traduzem ou espelham conteúdos nossos. Desta forma, é muito mais comum percebermos fenômenos entre amigos, mãe e filho etc. Algumas pessoas, no entanto, possuem ou desenvolvem uma capacidade maior para se “sintonizar” com as frequências inconscientes dos outros. São os ditos médiuns, sensitivos, clarividentes e afins. Dentro da teoria junguiana, eles não acessam “espíritos”, e sim complexos psíquicos de seus interlocutores. Quando um sensitivo, por exemplo, prevê uma grande tragédia – comprovando tal previsão posteriormente – o que acontece é que ele acessa o conteúdo de um acontecimento que já está determinado no inconsciente coletivo. O tema pode lhe chegar a partir de sensações físicas, visões etc., que se apresentam como “um presente” que ainda não chegou a acontecer, mas que já está pronto”, conclui.

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