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Psique: Não é a orientação sexual que incomoda os homofóbicos. É o sorriso

Crédito: Metrópoles/Instagram

Leonardo-Vieira

Aos 48 anos, Leonardo Vieira precisa vir a público para declarar-se homossexual. Tudo porque um galã de novelas não pode gostar de outro homem e querer relacionar-se com ele com naturalidade (com demonstrações públicas de afeto, quero dizer). Estamos em 2017, e um beijo ainda é notícia.

Este homem não teria motivos para esconder como se orienta o seu desejo. É independente, garante o próprio sustento com trabalho honesto, conduz as próprias escolhas. Diz ter recebido o apoio familiar suficiente ao seu conforto. Não tinha a quem dever tal satisfação.

Por esse motivo, Leonardo diz que nunca se “assumiu” gay, por não considerar a sua homossexualidade como um erro. Afinal, falhas cometidas precisam ser assumidas. Condições de vida precisam ser vivenciadas.
Sua maturidade, coragem e lucidez fizeram com que ele não mantivesse esse tema na sombra de seu destino. Muitos colegas de trabalho, homossexuais notórios, mantêm uma vida dupla em nome do status profissional de galã da novela das nove – lugar que Leonardo ocupou.

Outros têm na homossexualidade uma condição fatal: morrem por serem gays. Não são suportados pela condição que lhes atravessa, como se contaminassem os acontecimentos do entorno. Ou não suportam tal situação consigo próprios: evitam a dor e a vergonha, do outro e de si, abreviando a própria existência.

Ou, pior, morrem em vida diante dos sonhos de realização de uma vida inteira. Sentem-se farsas ao negarem o que sentem ser. Carregam o peso de acreditarem terem nascido errados – como se um erro fosse. Sofrem calados piadas e comentários depreciativos, que, mesmo quando não lhe são direcionados explicitamente, atingem em cheio a ferida.

Ao observarmos a sombra na psique, vemos que nela moram as tendências e potências reprimidas pela censura do ego. Mas acho perigoso generalizar que todo comentário pejorativo contra gays, lésbicas e afins revela sempre uma homossexualidade latente não vivenciada. A meu ver, tal regra só taxa aqueles dominados pela caça frenética e obsessiva aos homossexuais.

Aos demais, parece mais pertinente entender que o incômodo vem do enxergar um ser bem resolvido. Com a própria sexualidade (seja ela qual expressão tiver), ou com a vida de forma geral. Pessoas infelizes tendem a enumerar e cultuar defeitos alheios.

Especialmente de quem não se restringe aos limites que lhe são impostos pela realidade. Quem alegra-se apesar da adversidade, celebra mesmo se desaprovados. O ser humano gosta de normas, pois nelas buscamos garantias de sucesso e realização. Estamos presos a essa fantasia de segurança.

Para quem se identifica e se submete a essa crença, é muito difícil perceber que uma realidade não normativa, como a homossexualidade, possa parecer mais satisfatória que a própria. Fica difícil de compreender. Sem maturidade, nossa tendência é a de desqualificar o que não entendemos como uma debilidade de caráter.

Não é a orientação sexual diferente que incomoda. É o sorriso.

Psique: “Manda nudes” é o novo paradigma nas relações. E o maior risco

Crédito: iStock/Metrópoles

nudes

Há quem diga que está tudo de pernas para o ar. Outros defendem que o futuro chegou e que nos resta a adaptação. Não estou aqui para definir quem está com a razão. Mas uma coisa é fato: o povo anda meio perdido, um tanto equivocado, quando o assunto é relação a dois.

A impressão que dá é que, de uma hora para outra, ganhamos uma caixa enorme, lotada de ferramentas. Mas não temos habilidades para operá-las. E não há quem nos ensine, pois, até mesmo seus inventores se esqueceram de criar um manual de instrução.

Assim surgem inúmeras redes sociais. Hipoteticamente, instrumentos para unir pessoas com interesses comuns. Na prática, espaço para exposição de valores que nem sabemos direito se temos. É como se a pracinha da cidade do interior, onde os encontros se davam, tivesse crescido. Todos quisessem disputar momentos no coreto central. Para que? Na maioria das vezes, nem eles mesmos sabem.

Pornografia doméstica
Os primeiros aplicativos de relacionamentos eram bem estratificados. Os gays, por exemplo, foram pioneiros nessa linguagem. E encontraram um território para criar novos vínculos e, principalmente, liberar fantasias. Na maioria das vezes, vivenciadas no anonimato.

Agora, a coisa está democratizada e na sala de estar. Solteiros (e também os não tão solteiros assim) mantêm aplicativos similares instalados em seus smartphones. Desses, com câmera frontal e traseira, de resolução cirúrgica. E daí brota a tentação. “Manda nudes!” A frase ficou popular. A frase, não. O gesto.

São desesperadoras as histórias de pessoas que confiam a privacidade de seu corpo a quem parece ser uma boa opção de par. E, o mais incrível: quase sempre, as vítimas de exposição de intimidade visavam encontros meramente sexuais. Elas buscavam relacionamentos duráveis. Namorar, casar, constituir família.

Templo profanado
Não é uma questão de puritanismo e sim um alerta quanto ao despreparo. Poucos têm estrutura para lidar com as consequências de terem sua sexualidade devassada, comentada, escrachada. Esse é o grande risco quando se cede ao pedido de uma foto de nu.

Além disso, esquece-se que o corpo é a principal referência de quem somos. Antes de qualquer outro juízo de valor ou intenção, o mundo nos interpreta a partir da imagem que temos. É tacanho, mas funciona assim. Somos todos preconceituosos – a questão é intrínseca à natureza da psique, que se orienta com base em experiências anteriores, organizadas em complexos.

Bote nessa conta o véu de hipocrisia que nos envolve. O nudes da artista é assunto de bar, o nosso é segredo profundo. O recato que temos nos contextos sociais não corresponde aos desejos que guardamos nos porões da alma. A sexualidade ainda é um tabu, e esse paradigma parece estar longe de ser superado. Temos de lembrar que a curiosidade é contagiosa e geralmente nos envenena.

Falsa intimidade
Deter o registro da imagem desnuda do outro nos confere uma espécie de poder sobre ele. Inconscientemente, é justamente esse acordo tácito que se firma ao mandar um nudes. “Confio a você o meu segredo, meu bem mais precioso” – mal sabendo a quem entrega algo tão sensível. Querem, com isso, forçar uma intimidade que, na verdade, não está ligada ao corpo e sim à convivência.

Obviamente, há também quem não veja problema nenhum nisso. Nesses, poucos são os ditos bem-resolvidos (aqueles que naturalizam a sexualidade a ponto de não se deixarem levar pelo tabu coletivo). A maior parte é de quem perdeu as referências do que é sagrado em si, do autorrespeito. Despem-se de roupas, assim como de qualquer outro valor. Mas vale lembrar: na pracinha do interior, poucos ousavam tirar a roupa em público. Só os loucos.

Área H: Sexo nunca mais

O portal Área H me consultou para uma reportagem sobre assexuados. O resultado está aí:

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Sexo nunca mais

Gênero ou desvio? Saiba por que algumas pessoas abdicam do sexo e veja o que especialistas têm a dizer sobre a assexualidade

Por Danilo Barba

Num universo recheado de publicidade sensual, baladas liberais e periguetes, você já imaginou a vida sem sexo? Enquanto isso pode soar um desperdício para muitos, também não são poucos os que decidem eliminar completamente a relação sexual com parceiras. Se a assexualidade antes era apenas um termo usado nas aulas de biologia para falar da reprodução de amebas, hoje a palavra ganhou bandeira e até identidade.

Representada pela Aven (Asexual Visibility and Education Network), rede que luta pela visibilidade dos assexuados no mundo, abdicar da transa com outras pessoas agora é visto como uma nova orientação sexual. Segundo Breno Rosostolato, professor de psicologia da Faculdade Santa Marcelina, ela deve ser compreendida desta forma porque o assexuado não reprime seus desejos sexuais como os celibatários. “A masturbação, por exemplo, é uma alternativa para a excitação, cuja ejaculação possui efeito aliviador e diminui o estresse. O autoerotismo dispensa a relação com o outro e a atuação da libido é presente, satisfazendo a excitação”, explica ele.

Apesar do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), catálogo de doenças mentais da associação americana de psiquiatria, classificar este comportamento como Desordem do Desejo Sexual Hipoativo — considerada um desvio — Rosostolato é categórico: “assexualidade não é uma doença, mas uma escolha”.

Mas, afinal de contas, o que leva alguém a erradicar de sua rotina algo que promove tantos benefícios para a mente e o corpo? Bem, de acordo com o professor, a coisa é mais complexa do que parece. Ele esclarece que existem grupos na assexualidade, como os românticos ou libidinosos, que se permitem a atração romântica e conseguem se envolver com outras pessoas, namorar e até casar. O envolvimento é puramente afetivo e o sexo apenas com o intuito de procriar. Já os não-românticos não possuem intimidade física ou troca de carícias — se caracterizam pela ausência de desejo, onde o envolvimento amoroso não é permitido.

“De um modo geral, os assexuados sofrem muito preconceito e são discriminados por suas escolhas. O sentimento de culpa é atormentador e angustiante, imputado por uma sociedade carente de afeto. Nos dias de hoje, fazer sexo e ser libidinoso são obrigações e, por isso, sofrem distorções. O prazer pode ser destinado a outros setores da vida como o trabalho, exercícios físicos ou aos cuidados dos filhos, isso para ficar em alguns exemplos. É um erro restringir a libido ao sexo”, defende Rosostolato.

Por outro lado, embora o psicoterapeuta junguiano João Rafael Torres concorde em parte com o professor de psicologia, ele não descarta as experiências traumáticas, visões distorcidas da sexualidade e dogmas religiosos que “participam bastante desse comportamento”, afirma. Segundo Torres, o fato dos assexuados se unirem sob uma bandeira não altera em nada as motivações que os levaram a esta opção de comportamento. Para ele, na maioria dos casos, experiências traumáticas são responsáveis pela suspensão da vida sexual em algum momento da vida — o que é comprovado pelo retorno do desejo após a superação.

“No entanto, é interessante porque eles não praticam sexo mas gastam um bom tempo com a temática sexual — alimentando fóruns, buscando iguais etc. Não seria isso uma forma compensatória para uma vivência sexual insatisfatória ou inexistente?”, desafia o terapeuta. Para ele o sexo não deve ser uma obrigação, e o que importa é se a prática (ou a não-prática) respalda o indivíduo com segurança, sentido existencial, bem estar e integração de valores.

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Clique aqui para ler a reportagem no site Área H.

Outras ondas – Os abusos contra Xuxa

Acabei de assistir uma longa e oportuna reportagem, veiculada pelo Jornal Nacional, sobre a declaração de Xuxa sobre o abuso sexual que sofreu. E vi, logo em seguida, uma série de críticas nas redes sociais por causa do espaço privilegiado, dado à apresentadora, pelo noticiário. Uma enxurrada semelhante à que lotou a internet desde a divulgação do depoimento: pessoas criticando a exposição, as associações com outros artistas e até mesmo o choro desaguado durante os relatos. A violência que a vitimizou, no entanto, ficou em segundo plano diante da imagem da artista.

Não foi a primeira vez que vimos o pouco caso com história semelhante. Há meses, a modelo e apresentadora Monique Evans narrou consequências danosas geradas pelo trauma do abuso. Igualmente, virou motivo de desdém. Por ter posado nua diversas vezes, e ter apresentado programas com temáticas sexuais, a história de Monique pouco chocou, quase nada mobilizou. Bem diferente de Oprah Winfrey, de Whitney Houston e outros nomes internacionais, que comoveram brasileiros com narrativas parecidas. Parece que, quando a história é brasileira, tais declarações soam mais como estratégia de marketing. E não como desabafo, como sinal de alerta aos demais.

A violência vivida por Xuxa não a difere de ninguém que tenha sofrido o abuso sexual. O dano provocado pela vivência é tão complexo e abrangente que, nos tratados internacionais de psiquiatria, os sintomas desencadeados são comparados aos quadros de distúrbio de estresse pós-traumático – sim, o mesmo vivido por sobreviventes de guerras. O dano é inquestionável e inevitável: marcará para sempre a relação que a vítima terá com a autoimagem e com os relacionamentos que estabelece com o mundo. A iniciação precoce e violenta poderá levar o indivíduo a repetir a dinâmica do abuso em diferentes instâncias: não só no campo sexual, tornando-se presa fácil para outros abusadores, mas também em outros campos da vida, nos quais será vulnerável a atitudes abusivas – seja por chefes, parentes, filhos… A vítima poderá ter dificuldade para criar vínculos de confiança, além de uma relação conturbada com o poder.

Mantendo-se nessa mesma dinâmica psicoafetiva do abuso, a vítima poderá também associar-se ao papel do abusador, buscando, ao se impor sobre alguém mais vulnerável que si, uma tentativa de reparação do dano que lhe foi provocado. É uma transferência de valores distorcidos, muitas vezes praticado de forma compulsiva. No caso de Xuxa, uma das associações perversas feitas por algumas pessoas é a da história do filme Amor, estranho amor, ainda antes de adquirir a fama. Na obra, ela, já adulta, se envolve sexualmente com um pré-adolescente. Houve quem associasse o personagem, de forma torpe, ao depoimento de Xuxa – como se tratasse de uma desforra.

É triste perceber que, na nossa mentalidade retrógrada, a vítima de crimes sexuais (seja o abuso infantojuvenil, seja o estupro) ainda é muitas vezes associada a uma certa participação no ato. É como se tivesse provocado a violência. Xuxa, ou qualquer outra pessoa abusada, teria de receber o respeito dos demais ao decidir por tal declaração. O mais interessante de todo esse processo é que, do que percebi, a maioria das críticas partiu de pessoas que invariavelmente foram influenciadas na infância pela nave rosa, pelo ilariê, que desejavam o momento mágico do “pra minha mãe, pro meu pai, pra você”.

O silêncio de Xuxa precisava ter um fim, no mínimo em gratidão à notoriedade e riqueza que lhe foi proporcionado pelas crianças. Xuxa prestou o seu maior serviço ao dizer o que sofreu, como se sentiu, como agiam os abusadores. Tentou, assim, encorajar diversas outras mães, algumas também vitimizadas na infância e adolescência, a romper com o pacto perverso da conivência. Não bastou apoiar campanhas educativas sobre o tema. Precisou mostrar-se como alguém que, apesar dos danos que certamente sofreu, conseguiu se tornar em um ícone nacional de sucesso. Obviamente, nada vai superar a dor e a frustração de quem não pôde iniciar uma vivência sexual de forma saudável. Mas só a partir da voz encorajada de pessoas como Xuxa que diversas outras potenciais vítimas poderão se livrar de uma sina tão triste.

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