Self

Psique: Diga-me quem sou – por que buscamos reconhecimento

reconhecimento

Caminho pela rua e sou surpreendido por alguém que chama meu nome – por ser João, nem sempre é comigo, mas dessa vez era. E foi ótimo ter ouvido. Era um amigo das antigas, não nos víamos há tempos. Quis saber dos meus projetos de trabalho. Daí o papo se encaminha para os assuntos do coração. Família, saúde, religião… Devolvo as perguntas para saber dele. Passados alguns minutos, seguimos nossos percursos com uma sensação de satisfação.

A cena parece banal. Porém, o bem-estar por ela proporcionado vai além da saudade ou da curiosidade. Ao questionar minha vida, ele validou em mim, detalhes que me definem: nome, profissão, relacionamentos, hobbies, escolhas… Características que me fazem único, individual. Fiz o mesmo com ele. E, assim, exercemos uma função importante, um para o outro: o reconhecimento.

A percepção que temos de nós mesmos depende basicamente das relações que estabelecemos com o mundo. Não é à toa que Carl Jung disse que o casamento é o canal mais eficaz para o autoconhecimento. Em qualquer relação, experimentamos as mais diferentes emoções e percebemos como reagimos a cada uma delas. Quanto mais intimidade, maior a capacidade que temos de nos confrontarmos com nossas características mais profundas.

Talentos e defeitos
Sendo assim, desejamos tanto o reconhecimento do outro para entendermos mais de nós mesmos, e também para lembrarmos quem somos. Cada vez que alguém destaca algo do meu temperamento ou talento, aprendo mais sobre minhas potências. Nem sempre temos a dimensão do nosso tamanho, e é o outro que poderá nos lembrar que podemos ir além do que imaginávamos.

Da mesma forma, a irritação que brota quando somos criticados é sinal da veracidade do que está em julgamento. Aquilo que falta ou excede em nossa alma (o que chamamos de defeitos) também merece reconhecimento. Caso contrário, nunca encontrará uma expressão mais viável, menos danosa.

No mundo contemporâneo, todos gritam pela necessidade de reconhecimento. As redes sociais são a prova cabal dessa carência. Precisamos criar perfis para demonstrar o que somos, ou o que desejamos ser. Submetemo-nos a testes sem nenhum fundamento, para saber em qual nicho nos encaixamos. E publicamos os resultados em seguida, buscando, nessa partilha, que o outro nos legitime. Buscamos reconhecer semelhantes pela superficialidade, e não pelo toque, pelo olhar, pelo hálito.

Reconhecer-se é refletir
Essa desmedida é sinal de uma desconexão com o si-mesmo. É reconfortante sentir-se especial para o outro, ser lembrado com respeito, admiração e carinho. Mas isso só acontece quando somos fiéis à nossa natureza, seja ela qual for.

O ato de refletir traduz fielmente a capacidade de reconhecer-se. Quando nos voltamos para dentro e indagamos sobre quem somos, olhamos para o espelho da alma e vemos as imagens que ele nos revela. Se estivermos bem familiarizados com esse exercício, os apontamentos do outro formarão um complemento bem-vindo, saudável. Mas não dependerei deles para saber quem sou.

Palestra: “Viver é um processo”

2015-09-16 09.37.49

Aqui está o registro da minha participação no workshop “Vivenciando a gestão por processos”, promovido pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), realizado no dia 16 de setembro. O evento foi focado na presidência, diretorias e gerências da empresa. Abri a conferência com a palestra “Viver é um processo”, sobre o funcionamento da psique nas tomadas de decisão e na constituição das relações, dentro e fora do ambiente corporativo. Foi uma experiência legal, pois fomentou novos projetos que, logo, estarão em execução.

 

Psique: Não foi isso que eu quis dizer

Crédito: Metrópoles

desentendimento

Temos 26 letras para compor palavras. A última versão do mais popular dicionário brasileiro lista cerca de 500 mil palavras em língua portuguesa. Hoje, estima-se que esse número passe de 600 mil. Temos emoticons, que sintetizam em imagens simples um bocado das coisas que queremos dizer. Tudo isso fora o olhar, a entonação, a pausa, os sinais de pontuação. Não faltam recursos de expressão, e ainda optamos pela saída mais perigosa: o subentendido.

Em geral, a boca se cala para não magoar. Acha que, ao falar, gerará no outro a resposta do afastamento, da tristeza, do sofrimento. Teme perder o bem-estar que, muitas vezes, já não tem. Ou então não diz para não se expor. Não quer comprometer-se com a realidade que se apresenta. Não quer ter de responder pelas repercussões que ressoarão a partir daí.

Enquanto a boca se fecha, uma porta nefasta se abre. Dela, escapam três males. O primeiro é a maledicência. Quando o outro não se pronuncia, muitas vezes nos vemos no direito de definir por ele. E daí damos a nossa versão da história. Sustentamos como se fosse absoluta – por mais que me atenda, não temos esse direito. E, com isso, propagamos uma onda negativa, errada, que não esclarece. Justamente o contrário: turva ainda mais o conflito, dificulta a solução.

Omissão e abuso
Quando o silêncio é nosso, a porta se abre novamente. Damos espaço para a malícia, municiamos o outro com a capacidade de intervir, maleficamente, sobre nós. Omitir é viabilizar o abuso, a intromissão, a permissividade. Fazer isso é mostrar que não gostamos de quem somos, ou que não estamos convictos das nossas escolhas.

Por último, o mais comum e mais perturbador dos males: o mal-entendido. Um berra em grego, e ignora que o outro só fala latim. O desentendimento aparece quando não se sabe conciliar as linguagens individuais, mesmo que se concorde com o teor do que é discutido. “Não era isso que eu queria dizer.” Só falamos isso quando, na verdade, fomos econômicos demais na nossa tentativa de transmitir ao outro o que se passa na mente e no coração.

Daí cada um interpreta o silêncio a partir do seu repertório de vida. E, geralmente, nessas horas são as cicatrizes que conduzem as sinapses: as memórias das dores, as decepções sofridas, as ausências com as quais se conviveu. Não usamos a venda da justiça para a situação. Olhamos com os velhos olhos, que estão viciados em enxergar de uma determinada forma.

Silêncio de ouro
Por essa razão, devemos lembrar sempre que somos parcialmente responsáveis pelo que dizemos, mas jamais teremos certeza sobre o que o outro entenderá. Falo em responsabilidade parcial pois, na dinâmica psíquica, a consciência é sempre menor diante das forças que emanam do inconsciente. Mas não vale usar esse argumento para tentar desdizer, ou justificar o silêncio: é nosso dever manter a gerência dos nossos atos.

Toda comunicação depende de argumentos, e argumentar é uma arte que se inicia com a escuta. Não adianta querer impor a sua verdade se não souber cerrar os lábios enquanto a do outro se apresenta. Esse, sim, é o silêncio de ouro. Escutar é o que nos pluraliza os idiomas emocionais, que serão úteis conversas mais difíceis. Aí fica fácil entender o provérbio que diz que a verdade cabe em qualquer lugar. E cabe mesmo. Por mais dura que seja, ela envenena menos que qualquer ilusão.

Psique: As maldições do futuro

Crédito: Metrópoles

Abstract interplay of clock symbols and graphic elements on the subject of time, technology, past, present and future.

O mundo se organiza de forma horizontal, invariavelmente estamos submetidos a escalas e hierarquias. Mas se tem algo justo de verdade, que nos iguala a todos, essa coisa é o tempo. Não há queixa que o acelere, nem desejo que o faça passar mais devagar. Estamos todos submetidos à implacável lei dos ponteiros.

A vida ocorre a partir de um ritmo próprio. Assim como na natureza, tudo segue um fluxo contínuo – não há saltos para marcar a transposição do tempo, tudo se dá em processo. No entanto, para dar conta do ordenamento dos acontecimentos, o homem convencionou uma divisão entre passado, presente e futuro. E é justamente a consciência de um futuro que complica as coisas.

Sempre que olhamos para frente, chamamos para perto duas companhias malditas: medo e ansiedade. O primeiro é um mal necessário à sobrevivência. Quando tememos algo que se aproxima, o que fazemos internamente é uma avaliação dos nossos recursos, para sabermos se estamos aptos para enfrentar ou fugir. Isso é instintivo, nos acompanha desde os nossos ancestrais mais remotos.

No entanto, a maior parte dos nossos medos vai além da proteção natural do instinto. Fala dos fantasmas que criamos para nos atormentar: tendemos a enxergar a vida mais complicada do que de fato é, pois nos acostumamos a medir nossa capacidade por baixo. Sempre que subestimo minha capacidade de transpor problemas, construo pontes longas e sinuosas para percorrer curtas distâncias. Medo paralisa, faz hesitar, adia decisões.

Outros, ao fantasiar sobre os fatos que se aproximam, acabam dominados por uma mescla de emoções, que compõem a ansiedade: impaciência, aflição, insegurança, precipitação. Assumem um estado de predisposição para reagir, mesmo que o momento não permita nenhum tipo de atitude.

E é justamente por isso que o quadro é tão sofrido: enquanto o objeto que deflagra o medo é delimitado, pontual, a ansiedade é difusa. Ela é como um carro de corrida com o acelerador pressionado, em frente ao ponto de partida, só que sem saber qual trajeto deve percorrer. A energia desprendida afeta intensamente a psique e o corpo. Essa é a porta para o estresse e, consequentemente, para o adoecimento.

Só sofremos tanto por esses fatores porque insistimos em querer manter um controle da situação. Não nos conformamos com a inevitável realidade: por mais que eu queira intervir no futuro, ele ocorrerá em decorrência de uma série de fatores. E grande parte deles não está sob nossa batuta.

Além disso, nos esquecemos de algo elementar: nosso amanhã será consequência do nosso hoje. Mais importante que uma prospecção bem feita é uma avaliação criteriosa do que somos agora. Confiar também faz um bem danado. Em si, nos outros, em Deus. Ter fé não é alimentar uma esperança vã de resolução instantânea dos problemas, livre de esforços. É apostar na nossa capacidade de transformação, e estar disposto a servi-la. Quando alcançamos esse estágio, tudo flui para um futuro bendito.

***

Clique aqui para ler Psique em Metrópoles

Psique: Nutrição emocional para a boa saúde

Crédito: Metrópoles

nutrição

 

Uma vida saudável depende de bons hábitos alimentares: avaliar o que se ingere para saber como o corpo assimilará cada nutriente. Tem coisa que não cai bem, e precisa ser evitado. Outras, mesmo que não estejam na lista dos sabores favoritos, são necessárias para que o funcionamento se mantenha harmônico. Saiba o que comer para viver bem. Literal e metaforicamente.

Atenção para as fontes: a procedência faz diferença. Nem sempre podemos escolher os conteúdos que vamos consumir. Às vezes, as circunstâncias nos empurram coisas goela abaixo. Mas, quando estamos bem alimentados, essa perturbação não durará muito tempo. Logo saberemos ingerir algo que neutralize os efeitos prejudiciais da intoxicação. Para esses casos, um bom amigo pode ser o antídoto. Ele ajudará a metabolizar o veneno alheio, e até sustentará se tivermos de botar para fora o veneno que invade.

Perca as gorduras que limitam a vida. Ter um olhar providente é imprescindível para que não fiquemos rendidos. Mas não adianta querer fazer do acúmulo de recursos uma saída para a vida. Isso denuncia a falta de confiança no futuro: você não precisa de estoque de energia, você não ficará sem. Tudo aquilo que excede compromete tanto quanto a falta. Avalie, de forma leal, do que precisa para viver.

Mantenha atenção na firmeza dos ossos, para que tudo possa se sustentar bem. O esqueleto é a base mais firme, menos mutável, o radical da nossa existência. Representa nosso limite natural, nossa ancestralidade. Molda nossa estrutura, o formato que temos. Tudo aquilo que calcificamos na vida é osso: as heranças, os conceitos que cultivamos, nossas convicções. O mundo pode tentar entortar certas formas, mas temos de aprender a resistir para fortalecer.

Mas não se pode descuidar das articulações. A capacidade de flexibilizar é imprescindível para manter o movimento, a fluidez. Nisso, recomendo dois alimentos fantásticos: a dúvida e o argumento. Eles impedem a artrite da tirania. A escuta também ajuda muito, sem ela não conseguimos articular nada: um bom pensamento, uma boa relação, tudo depende da capacidade de troca. Isso revigora a gelatina que une nossos valores mais profundos.

Invista no desenvolvimento muscular, para ganhar a força necessária para os desafios. Fazer corpo mole diante das dificuldades atrapalha o organismo todo. A capacidade de enfrentamento tende a nos levar a desafios ainda maiores. Mas também às melhores recompensas. A primeira delas é de não sofrer tanto quando estamos diante dos pesos que precisamos carregar. Um bom suplemento: a coragem.

Para finalizar, ouça o que suas vísceras falam para você. Elas saberão falar das suas necessidades mais profundas, sinalizam de cara sobre aquilo que lhe fará mal e deve ser evitado. Confie. Também é das vísceras que virão aquelas salivações estranhas, que remetem a coisas bem específicas.

Um prato de mingau, com terno sabor de infância. Um acarajé apimentado, que transborda lascívia e paixão. Experimente o prato exótico, que você arrisca sem saber se o sabor agradará. Coma a fruta azeda, que te fecha o semblante, mas que evitará a contaminação de um agente nocivo. Em excesso, tudo isso pode fazer mal. Mas, às vezes, está neles o nutriente nos falta.

***

Clique aqui para ler Psique no portal Metrópoles.

nivas gallo