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Psique: Sincericídios e verdades que precisam ser ditas

Crédito: Metrópoles

Venetian carnival mask with golden and white hues on a brown wooden background with copy space

Às vezes eu queria ser como Tia Má. Para quem ainda não conhece, ela é uma dessas figuras em ascensão na internet. Personifica a sinceridade plena, cortante, debochada. Os conselhos de Tia Má se endereçam a sobrinhas e sobrinhos que saíram da linha. Dá bronca em quem discrimina o diferente, seja pela religião, orientação sexual ou divergência política. Diversidade, para ela, é lei.

Também não falta aquele incentivo para incrementar a autoestima. Tia Má não gosta de ver ninguém choramingando pelas paredes por causa de traição. Nem apoia vitimização, manipulação ou qualquer ato de subserviência. O sorrisão e a delícia do sotaque soteropolitano temperam os chamados para que o povo “se situe”, “se saia”, “se oriente”, “se respeite” – termos familiares aos baianos (de nascença ou por adesão).

De Maíra Azevedo, a criadora do personagem, sei quase nada. Mulher, 35 anos, negra, baiana, jornalista, candomblecista, apontada como uma das 25 mulheres negras mais influentes na internet em 2015.

“Se eu fosse você…”
Confesso: às vezes sou meio Tia Má. Quando vi, já coloquei amizade na corda bamba por conta da minha língua feroz. Uma espécie de sincericídio, especialmente se falamos com quem amamos, consideramos, admiramos. É aquela tendência besta de achar que temos o direito de evitar o sofrimento do outro. Como disse dias atrás, uma atitude egoísta de quem quer permitir que o outro cresça. Ou de quem acha justo avaliar o outro usando a própria história. Difícil reconhecer que o bem que te desejo pode não ser o melhor para você.

Dar conselhos é bem arriscado, até mesmo solicitados a isto. Nem sempre que recorremos às “Tias Más” da nossa vida estamos, de fato, dispostos a ouvir o que o outro tem a dizer. Quase nunca. Buscamos aquilo que ecoa nossos pensamentos. Quase sempre conversamos conosco, e não com o outro. E, se o que vem de lá não interessa, optamos por não qualificar a informação. Na melhor das hipóteses, pois quando o dito atinge em cheio nossos calos, muitas vezes optamos por dar as costas.

Quem me ensinou isso foi o ofício da psicoterapia, ao estar dos dois lados do balcão – como analista e como analisando. Ser verdadeiramente sincero não pode ser confundido com falar tudo que queremos, da forma que queremos, na hora que queremos e a quem queremos. O silêncio é o grande mediador no processo: é nele que germina a reflexão, a chance de transformarmos o que somos, na medida em que ouvimos nossa própria voz.

Rir para amenizar
Tia Má está certíssima. A comédia é a arte que explicita misérias e delitos sem apelar para a lástima. O bom humor é a forma mais palatável que o homem encontrou para retratar os erros que carrega em si. E de, a partir dessa exposição, promover a crítica.

Fazer rir das próprias desgraças não é apelar para um escárnio. É uma forma de acolchoar a dureza da vida e, simultaneamente, questioná-la: “Não haveria outra forma para lidar com esse problema?” Basta lembrarmos que o bobo é uma das principais figuras da corte. É o conselheiro fiel, o único capaz de falar o que o rei precisa ouvir sem correr risco da morte.

Não devemos esquecer que Tia Má é um personagem de humor, e que essa prerrogativa a defende. Na vida real, cabe repensar essa tal sinceridade como uma virtude sublime. Afinal, nem todas as verdades precisam ser ditas. Elas vão aparecer, mais cedo ou mais tarde, por mais esforço que se faça para o contrário. Até lá, se ele assim preferir, assegure ao outro o direito da ilusão.

Psique: Evitar emoções é comprar problemas

Crédito: Metrópoles

afetos

O beijo perdido, a hesitação diante do passo, a palavra calada, a mão que não alcança o almejado. Depois da consciência da morte, a segunda maior frustração humana é perceber a impossibilidade de realizar tudo de bom que a vida nos inspira a querer viver.

Dessa limitação derivam todas as emoções ruins de sentir: a raiva, o medo, a angústia, a melancolia, a inveja, a impaciência. Tudo aquilo que, se pudéssemos evitar, manteríamos fora do nosso repertório. No entanto, é justamente a partir dessa incapacidade, e das emoções por ela inspiradas, que descobrimos quem verdadeiramente somos.

Dar espaço a essas emoções se torna indesejável porque, em geral, elas costumam se apresentar da sua forma mais bruta e contundente: como afetos. Eles chegam audaciosos, sem avisar nem pedir licença, desafiam até mesmo a fronteira dos bons costumes e das convenções sociais. Não se contentam apenas com essa intromissão na psique, mas também atravessam o corpo, onde imprimem um novo compasso, uma nova fisiologia. Transtornam a ilusão de controle do “eu”, que fantasia de autodeterminação.

Resistir faz persistir
Quando tentamos barrar-lhes a entrada, os afetos mostram ainda mais o seu poder. Camuflam-se de outras emoções, aparentemente mais bem aceitas. Porém, com elas se irmanam, ganham força e, no momento mais inoportuno, denunciam o que tentamos evitar.

Às vezes, um simples gesto provocado pelo outro é o gatilho suficiente para fazer desaguar uma foz caudalosa. Surpreendemo-nos tanto com sua intensidade, a ponto de desconhecermos as atitudes cometidas enquanto estávamos sob seus domínios. “Nem parecia ser eu”, dizemos. E, de fato, a avaliação é correta: estar “afetado” é como estar possuído por um ente estranho, por um outro ser que desconheço.

Crescer é saber sentir
Amadurecer depende, entre outros fatores, da capacidade que temos de vivenciar as emoções de forma produtiva. Isso se dá quando conseguimos atribuir-lhes um significado, uma função para participarem do momento em questão. Por essa razão, refletir sobre as nossas experiências, e principalmente sobre como somos atingidos por elas, é importante para o desenvolvimento da consciência.

Inclusive, esse é o grande exercício do autoconhecimento: compreender como reagimos à manifestação de cada afeto é aprender sobre os valores latentes de nossa alma. É ela quem determinará como conseguimos explorar o que é agradável, e também sobre a forma como toleramos o que nos descontenta.

Emoções viram doenças
Quando a situação invoca afetos negativos, ou intensos demais à compreensão da consciência, a psique elabora uma espécie de mecanismo de defesa para que possamos suportar a experiência. As emoções relativas ao fato são fragmentadas e o que “transborda” é acondicionado no inconsciente. O problema é que, dessa forma dissociada, a memória do afeto assumirá um caráter nocivo.

Uma vez que o indivíduo se depare novamente com alguma situação que remeta à emoção original, ela tenderá a se expressar de forma tortuosa. Ao interferir, o afeto dialoga com o corpo e com a psique. Essa manifestação poderá se dar a partir de desconfortos emocionais, mas também de sintomas físicos. Essa é a base para a compreensão dos fenômenos psicossomáticos, a causa dos adoecimentos.

Aceitar para se libertar
Compreender esse mecanismo não nos faz imunes da ação dos afetos. Mas nos oferece uma fórmula para lidar melhor com eles: a aceitação. Encare aqueles desconfortáveis como uma visita indesejada que, por pior que seja, tem sempre uma função de estar ali. Escute o que ela tem a dizer, antes de querer manda-la embora, pois certamente será útil e benéfico, além de causar menores desgostos.

Jung ensina que nossas emoções são como deuses, capazes de abençoar ou amaldiçoar, a depender do nosso grau de reverência. Reconhecer nossas limitações, enquanto humanos, é como saber se portar diante de um deus. Só assim podemos ser dignos de graça.

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Psique: “O bonzinho se dá mal” – generosidade e manipulação

Fonte: Metrópoles

Three red hearts, one broken and stitched, on blue

Você tenta levar sua vida direitinho. Busca ser cordial e ter empatia com o semelhante. Trata o outro bem, pois acha que é assim que qualquer criatura merece ser tratada. Com quem gosta mais, vai além. Se lhe sobra, compartilha. Quando vê o erro, o instinto de proteção passa na frente e você tenta alertar. Se cabem dois, por que ir sozinho? Isso te alegra, então eu fico contente.

A você, tudo isso parece ser natural, orgânico. E daí você se engana. De forma egoísta, acha que tem o direito de retirar do outro o direito de ser quem ele é. Quer recíproca, similaridade, espelhamento de atitudes. Vê injustiça na troca, acha que faz mais e recebe menos. “Trouxa, agora está aí cultivando mágoas. Da próxima vez, farei diferente”. E não reflete sobre tudo o que se passou.

Ser verdadeiramente generoso é uma virtude que contempla um pequeno punhado de pessoas. Em geral, emprestamos em vez de doar. E não fazemos isso por uma debilidade de caráter: a vida se mantém a partir de trocas, tudo só existe em relação.

Pague o que me deve
Quando tentamos oferecer algo gratuitamente, inconscientemente esperamos alguma contrapartida: reconhecimento, carinho, atenção, prestígio, escuta, aprovação. Às vezes, buscamos apenas sermos percebidos e validados naquilo que somos, mas não cremos ser. É bem comum.

Nisso, tornam-se admiráveis os que ajudam desconhecidos, sem se importarem com os problemas dos que estão próximos – a quem poderão cobrar pela generosidade? O mesmo vale para os mercenários: aqueles que sabem dar preço às coisas mais impalpáveis, que encontram equivalência entre dois valores tão díspares, mas deixam as intenções às claras. Só nos sentimos enganados quando não deixamos às claras o preço das nossas atitudes.

A generosidade é uma das formas mais primitivas de manipulação desenvolvidas pelo ser humano. Vem do berço. Mais precisamente, do colo. A nossa primeira referência de doação vem da mãe, ou de quem exerceu esse papel. O bebê, indefeso e incapaz, estará submetido à oferta que provém dessa fonte.

E aí aprendemos o que é chantagem emocional, que mais tarde se traduzirá no duelo entre o “só eu sei o que fiz por você” versus “você poderia ser melhor para mim”. Quem sai vencedor? A culpa. Justo ela, uma das emoções mais tóxicas que povoam nossa alma.

Abusadores e abusados
O comportamento de abuso é fruto desse eixo desestrutural, seja para o abusador ou para o abusado. Há, inclusive, uma espécie de alternância entre esses papeis. Quando o dito generoso se vê menosprezado pelo outro, diz: isso é um absurdo, depois de tudo que eu fiz. Mas não percebe o quanto esse fazer é, em si, uma atitude abusiva. Afinal, quem é você para determinar que o outro não tem condições de se expor a erros e riscos, se é a partir deles que nos desenvolvemos?

Isso não é uma ode ao egoísmo ou à ganância. Mas a partilha saudável é aquela que se dá em acordo, de forma pura. Se não consegue, melhor não ser generoso, para também não ser hipócrita. Ou, pior: emitir faturas para guarda-las na gaveta, à espera da melhor oportunidade de apresentá-la aquele que julgar devedor. Não esqueçamos: são as boas intenções que lotam o inferno.

Psique: Está na hora da arrumação – a moda da faxina

Crédito: Metrópoles

Colorful buttons in the white wooden box

Quando um livro encabeça a lista dos mais vendidos, com certeza ele revela um traço da sociedade naquele determinado momento. É o que acontece agora com “A mágica da arrumação”, de Marie Kondo. Aparece por todos os lados: mãos, prateleiras, reportagens, conversas, prescrições. A tradução: estamos bastante desorganizados.

Basicamente, o método KonMari se fundamenta em dois pilares: descarte e organização. Temas que vão além da bagunça de armários e gavetas, convenhamos. A vida está repleta de coisas e relações empoeiradas, esquecidas em algum lugar, sem nenhuma função. Mas que, juramos de pés juntos, que precisaremos um dia. E, quanto mais acumulamos, maior a chance de nos perdermos diante daquilo que é verdadeiramente necessário.

O nível de dificuldade de viver está diretamente proporcional ao número de compromissos que eu contrair para o meu dia. Essa é uma conclusão óbvia, não precisamos de nenhuma japonesa para nos ensinar isso. No entanto, estamos inseridos num modelo existencial que nos cobra agendas lotadas (a de compromisso, a de relações).

Prateleiras cheias
Curiosamente, a queixa mais comum que escuto se resume em dois termos: “cansaço” e “falta de tempo”. E não duvido disso. Afinal, nossas prateleiras psíquicas estão entulhadas de eventos pouco gratificantes, que mais nos lembram das nossas faltas do que das nossas glórias. É como se comprássemos um brinquedo novo. Mas que, para funcionar, precisa de um determinado acessório. Mas que o encaixe dependesse de outro acessório. E outro. E assim sucessivamente, numa exigência sem fim.

Uma vida saudável depende de pluralidade. Na nutrição, na natureza das relações, na função das atividades. Mas isso não significa apenas em preencher espaços vazios com o que estiver na moda, ou com “itens de promoção”. A vastidão do mundo nos proporciona a possibilidade de nos ocuparmos com coisas que nos traduzam e contemplem enquanto seres únicos. Ou seja, que traduzam aquilo que verdadeiramente somos, em predileções, crenças e tendências.

Nisso, Marie Kondo acerta em cheio. Segundo ela, a triagem dos objetos que nos cercam deverá se dar usando um critério único: fique apenas com aquilo que te traz alegria. Seja imediata, seja secundária. Descarte tudo que não trouxer contentamento. O mesmo vale para aquilo que “um dia pode ser útil” ou que “parece que é bom ter”. Se, até agora, isso não transformou o seu caminho, não o fará no futuro. O que já cumpriu a missão original, pode seguir adiante.

A casa simbólica
Administramos duas casas, nas quais moramos – uma externa, de concreto e pertences, outra interna, de imagens e sentimentos. Ambas se refletem, mutuamente. Por esse motivo, em alguns momentos, o processo de organização torna-se um exercício difícil, e não somente trabalhoso. Envolve questões profundas, das quais nem sempre nos damos conta.

Organizar, arrumar, faxinar, descartar. Fazer um inventário do que guardamos, agruparmos por afinidades. Percebermos o que carece de manutenção. O que poderá ser ajeitado para facilitar. Tudo isso expande os ensinamentos de Marie Kondo para o território simbólico, onde residem nossas emoções. E assim tudo ganha seu lugar. A vida fica mais arejada, clara, prática.

 

nivas gallo