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Psique: Nossa história é definida pelos passos tomados no caminho da vida

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Nenhum palácio chega à ruína de uma hora para outra. Assim como nenhuma relação, carreira ou instituição. A natureza não dá saltos, e nossa vida também não. São os passos que definem o caminho assumido durante a história.

No meu trabalho, lido basicamente com queixas. Daquilo que poderia ter sido, e não foi. Do outro como embargo à felicidade. Das obrigações que forçam a ser quem não se quer. Parte de quem chega a um consultório de psicoterapia vem em busca de aliados, e não de transformação.

Grande parte dessas queixas são antigas, já ganharam lugar cativo no colo de quem as traz. Resistem ao tempo, acreditando que ele (o tempo) trará soluções. Não percebem que uma ferrugem no casco de um barco nunca irá transformá-lo num navio.

A postergação dos nossos males não é a estratégia do preguiçoso, exclusivamente. Muitos dos que adiam decisões não o fazem somente por uma passividade frente os acontecimentos. Mas por descrença, insegurança. Acham que o esforço é válido, mas não suficiente para reverter situações.

Assumem, então, o lugar dos esperançosos: aqueles que creem mais nos acontecimentos que nas realizações. E, aos poucos, recebem por baixo da porta a fatura da negligência diante da vida. E é justamente ele, o tempo, quem aparece com as cobranças.

Daí pensam: é tarde demais, as condições não são mais favoráveis. A coragem para recomeçar, a disponibilidade para aprender, os créditos para estabelecer novos vínculos, o colágeno da pele… Tudo parece ter diminuído, deixando escassas também as chances de novos empreendimentos bem-sucedidos.

Assim, sucumbem até o fim dos dias – quando a fisiologia do corpo ou a decisão do outro será capaz de resolver por si. Arrependem-se muito da primeira fumaça, do primeiro indício, da sinalização inicial. As coisas não estavam indo bem e algo precisava ser feito. “E eu não fiz”. Culpar-se não é a saída.

Você conhece a teoria da vidraça quebrada? Ela foi desenvolvida por dois pesquisadores americanos, J. Wilson e G. Kelling, e fala basicamente que desordem gera desordem.

Se deixarmos uma casa fechada, porém intacta, ela assim se manterá por bastante tempo. Quando a primeira vidraça for quebrada, o vandalismo rapidamente se instalará e, logo, a casa estará destruída.

Podemos pensar metaforicamente na teoria e na administração dos nossos problemas. É necessário repor as vidraças logo que se quebrem, para que a energia de abandono não se instale. Caso ocorra, a reparação dos danos será mais dispendiosa e desgastante.

Encarregar-se daquilo que nos inspira mal-estar é cuidar da vida. Cuidado é a palavra mais apropriada para designar a coragem para resolver um problema, encerrar uma fase – e dar início a outra. Só quem cuida de si é capaz de perceber a graça no trajeto, o significado de existir.

Psique: Preocupe-se menos em ser admirado e mais com ser bem resolvido

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“Não há melhor resposta que o espetáculo da vida”. Sou um enfático defensor dessa frase de João Cabral de Melo Neto. Sim, é ela – a vida – quem nos golpeia nas esquinas escuras. Mas é nela que também encontramos o triunfo, a recompensa pela dedicação que temos.

Não contesto aqui quem acredita no reino dos céus, na felicidade além-túmulo. Feliz de quem pensa nessa continuidade. Até porque quem tem isso como parâmetro também costuma manter vigilância aos atos maléficos que comete (e que podem comprometer essa espécie de plano de carreira).

Para mim, são vários os ingredientes que compõem o bem-estar. O mar, um amor, amigos, uma música alegre, fé, a palavra certa, arte, acarajé… Nem todo dia dá para ter essas coisas. E isso é bom: até para que eu possa valorizá-las, como deve ser.

Ruim mesmo é lidar com a injustiça, em qualquer sentido, com o desamor, com a insegurança, com a miséria. Isso mina a saúde de qualquer ser e, invariavelmente, irá nos atingir em maior ou menor grau.

E, quando atinge, abala primeiro a confiança. Principalmente quando assimilamos o outro como origem para nosso desconforto. Daí brotam vínculos venenosos. Começamos a creditar ao outro o nosso mal, o nosso desequilíbrio. E assim ficamos ainda mais contaminados.

Nesse processo, nossa energia vital se dispersa: uma parte segue para cumprir nossos objetivos, a outra se destina a nutrir ressentimentos, ímpetos de vingança, vultos de perseguição. Um desperdício, por não corrigir os danos que foram causados. Mais que isso: uma estratégia de defesa autodestrutiva, degenera mais que serve.

Muitos encontram em tais argumentos uma trincheira, uma justificativa para insucessos e incapacidades. Erram, por destinar os recursos que têm para combater o inimigo errado. Em vez de batalhar pelo próprio desenvolvimento, abrem novos drenos, por onde escoam oportunidades.

Com elas, temos a chance de mostrar quem verdadeiramente somos. Quando conhecemos nossas potências, não sucumbimos por pouco. Aportamos nossa capacidade naquilo que temos, e não no que nos falta. E assim reconstruímos realidades até melhores do que as que foram subtraídas.

Essa reconstrução é um exercício grato, por nos ensinar sobre a resiliência. Envergamos, sem quebrar – e isso nos faz mais fortes, menos frágeis do que o pensamento inicial nos fazia acreditar.
Viver bem deixa de ser um exercício para contemplar a expectativa alheia, ou até mesmo para mostrar ao outro o quão capazes somos. Preocupamo-nos menos em sermos admiráveis, exuberantes, invejáveis. E dedicamos nossa atenção a sermos bem resolvidos. Passamos, assim, a desfrutar daquilo que a alma nos presenteia, simplesmente por merecermos.

Psique: Se você exclui quem não curte o seu Facebook, sua carência é perigosa

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“Eu não autorizo que nenhuma rede social se aproprie das minhas imagens, textos e comentários, pois não quero que minha privacidade seja violada”. Copie e cole isso no seu mural caso queira propagar a incoerência.

Já virou lugar comum dizer que vivemos uma realidade de exposições, uma vida de avatares felizes e realizados… Mas o mais estranho de tudo isso é ver quem já tem este comportamento incrustado como hábito querer requisitar a preservação da própria imagem.

O tom e a responsabilidade sobre a privacidade sempre esteve mais em quem se expõe, e menos em quem observa. Isso por uma questão muito simples, e que atravessa a todos, em maior ou menor grau: a curiosidade. Ela não será barrada por uma indireta ou ameaça de Facebook: “Vou excluir quem vê e não comenta” – a carência extrapolada em níveis perigosos.

É quase instintivo. Temos o ímpeto de querer descobrir segredos, de conhecer o desconhecido, de investigar mistérios. Isso é muito importante, pois garante a perpetuidade e o desenvolvimento da espécie humana. Imagine o que seria da ciência se não estivéssemos atentos aos movimentos estranhos de nosso entorno.

Nas relações humanas, isso também é imprescindível. A história de uma criança se constrói a partir das descobertas que faz, daquilo que vai além das referências que lhes são transmitidas. Uma criança curiosa será um adulto esperto e com mais capacidade de reagir diante do inesperado – apesar de isso se configurar como uma chateação aos adultos que a cercam.

Amadurecer é, também, mudar o objeto da nossa curiosidade. Desloca-se daquilo que está fora de mim para o mundo interior. O outro ganha nova importância quando nos tornamos mais interessados naquilo que somos, nos recursos que angariamos no percurso.

 

Nesse aspecto, a tara por redes sociais reflete uma sociedade regredida, pueril. Pouco interessada nos valores existenciais, mas bastante atenta à forma e aos valores compartilhados pelos demais. A função continua a mesma da infância: a ausência de referências satisfatórias, a vontade de querer desenvolver-se.

O problema é que, na maioria das vezes, as referências encontradas são ilusórias, por se tratarem de recortes vaidosos da realidade. O que faz com que nossa curiosidade se aguce ainda mais: “Como é possível viver tão bem, o que me falta para experimentar esse contentamento?” Uma pergunta sem respostas.

Teatralizamos a vivência do outro como um manual. E vivemos assim, inconscientemente, sem mensurar a falha de tal concepção. Afinal, qualquer experiência compartilhada será, ao máximo, semelhante à minha. Inspiração não é cópia. Daí a gente finge que não percebeu isso, e sai copiando. Ou, quando destoa do que julgamos bom, combatemos veemente. Grave.

Até que “o tema” somos nós. Daí armamos defesas, reclamamos privacidade. Esquecendo-nos que a vidraça transparente faz com que eu veja o outro à medida em que ele me vê – e aí mora a justiça da coisa. É muito simples: não quer ser assunto? Não dê assunto.

Psique: Quando olho para o outro, vejo minha alma refletida

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500px Photo ID: 89209135 - 1/3 photos for the 4th week of self-portraits -  This week's theme is "Reserved." This has been quite a journey of self discovery, for Reserved I wanted to express a faceless man, the lack of identity and the camouflage with the

Costumamos ter um discurso pronto sobre nós mesmos. Somos capazes de elencar características, limites, opções. Fazemos isso como se tivéssemos plena ciência daquilo que somos, daquilo que expressamos pelo nosso fazer.

Daí vem um comentário de alguém e nos atravessa como uma flecha. Ficamos surpreendidos com algo que nos apontam. Isso nos perturba, incomoda. O tempo passa e percebemos que a fala era pertinente. O outro foi capaz de enxergar e nomear algo que sempre esteve aqui, mas que, sem ele, não teríamos clareza suficiente para fazê-lo.

A visão do ego é comprometida por uma perspectiva estreita. E é justamente por isso que necessitamos tanto da presença dos demais em nossas vidas: é a partir deles que podemos amplificar esse capacidade de visão. São eles que colocam em confronto as certezas do eu com a pluralidade da existência.

Casa de espelhos
Uma boa forma de entender esse mecanismo é compará-lo com uma casa de espelhos, daquelas de parques de diversões. Nelas, cada espelho tem distorções próprias. Uns alongam nossa imagem, fazendo-nos parecer maiores do que verdadeiramente somos. Outros pressionam: ganhamos quilos a mais. Há ainda os que destacam alguma área do nosso rosto. Enfim, cada um apresentará uma versão própria daquilo que somos.

Assim funciona nas relações. Nenhum interlocutor é capaz de nos apresentar uma imagem nítida, reta, fiel e proporcional daquilo que somos. Refletem nosso espectro a partir da forma que têm. Estão todos comprometidos com a própria composição, com o molde que seguem.

Quando compreendemos isso, percebemos que o outro não será eficaz para me mostrar aquilo que sou. Mas será uma importante referência: a partir dele, poderei conhecer mais sobre minha anatomia – algo que o posicionamento dos nossos olhos (literal e metaforicamente) nos impede. Os espelhos revelarão aspectos que, até então, são desconhecidos. Mesmo que isso nos seja mostrado sempre com distorções.

Localize-se no mundo
O trabalho da psique é de reunir tais referências, mesmo que distorcidas, e elaborá-las, para que cheguemos a uma autoimagem mais aproximada daquilo que somos. Nem se anime para a possibilidade de um autoconhecimento pleno: geralmente aquele que pensa saber tudo sobre si mesmo é quem está mais passível de decepção.

Ou então pensa isso por não se permitir olhar para os espelhos. Se não me exponho a outras referências, serei conduzido por aquelas poucas que guardo comigo. E isso costuma ser muito ruim: há quem acredite ser muito melhores do que verdadeiramente são (quando foram apontados como pessoas “muito especiais”), ou que desconheçam uma série de potências que possuem, pois não contou com ninguém para sinalizar tais talentos.

Ao fazer essa elaboração de forma saudável, somos gratos ao outro por tudo aquilo que nos apresentam sobre nós mesmos, até mesmo quando o tempo nos mostra que a imagem que ele refletia era tão distorcida, que pouco correspondia a minha alma. Isso também ensinará sobre quem sou, onde estou, quais são os meus valores.

Tudo isso moldará a superfície do espelho que somos. Quando nascemos, herdamos um mundo. Ao morrermos, deixaremos outros que nos sucederão. E, nesse hiato em que a vida se dá, também refletiremos imagens aos demais.

nivas gallo