Self

Psique: Pessoas inseguras geralmente se armam de argumentos agressivos

crédito: Metrópoles/iStock

Na semana passada, publiquei um texto sobre a esquiva como estratégia de defesa. Hoje, falo sobre o extremo oposto: o ataque, a postura violenta – seja nas palavras, nos gestos ou na atitude.

Para começar, é necessário discriminar agressividade de violência. A primeira é um valor inato e comum a todos os seres, em maior ou menor grau. A agressividade é imprescindível para o desenvolvimento. Ela é a energia básica de transformação, o veículo que nos leva a superar limites, a combater aquilo que nos gera mal-estar.

Um sujeito sem agressividade estaria rendido, de forma passiva, aos dissabores impostos pela vida. Ela é a força do desejo, da criatividade.

Por exemplo: uma criança pobre, que, apesar das dificuldades, estuda e conquista uma realidade melhor que a de seus pais precisou valer-se desse instinto. O mesmo vale para alguém que é injustiçado e resolve denunciar quem o prejudica.

Nem sempre a interpretamos de forma tão positiva. Ela pode se deslocar para dentro (e passamos a nos autoagredir, a partir de críticas depreciativas, de uma descrença frente a nossas capacidades etc.). Ou pode se transformar no nosso cartão de visitas: agredimos antes de sermos agredidos.

Uma pessoa violenta é aquela que não consegue reconhecer e preservar o território do outro, literal e metaforicamente: seu espaço, seu corpo, suas crenças e seus sentimentos. A postura invasiva, anuladora, é a agressividade mal empregada.

Esse comportamento também não é uma eleição simples. Muitas vezes, é a linguagem aprendida com referenciais afetivos. Exemplo: pais e mães que conduzem a educação com violência física e psicológica geram filhos estúpidos. Ou então o vocabulário do meio ao qual pertencem (comunidades marginalizadas e de risco, na qual o ataque é estratégia à sobrevivência).

Argumentos agressivos geralmente partem de pessoas inseguras, que não conseguem se sentir confortáveis e contempladas com a própria situação de vida. Que se sentem indefesos para adotar novas posturas, enfrentar novos desafios e desbravar novas possibilidades. Temem, no fundo, perder o único alicerce que lhes parece seguro.

Reagir com violência não pode ser confundido com uma atitude de enfrentamento. Novamente, falo aqui de contexto e de proporção, pois é neles que encontramos o caminho sábio que nos leva à boa agressividade.

Saber quem e o que combater é, antes de tudo, saber distanciar-se da violência em si. É refletir para saber que muito da nossa história não será reparado, infelizmente. Mas que também não precisa ser uma condenação.

Carregamos nossas marcas, precisamos nos contatar com elas. Contudo, não devemos transformar-las no molde para as demais relações que construiremos no percurso da vida.

Psique: Defender-se é normal, mas não devemos nos isolar ao nos proteger

crédito: Metrópoles / iStock

Defender-se é uma atitude primordial a qualquer ser. Cada um, a seu modo, busca uma forma de continuidade frente aos predadores, visa encontrar uma forma mais confortável de vida, protegidos daquilo que pode gerar danos ou mal-estar.

Nós, humanos, também experimentamos esse instinto. Quer uma prova? Veja como um bebê reage quando nos aproximamos de seus olhos. Ainda inconsciente dos riscos, ele trata de proteger a visão – um dos principais campos de interação e absorção do meio ambiente no qual está inserido.

À medida em que desenvolvemos alguma consciência sobre nós e sobre esse entorno que nos compreende, percebemos que os possíveis agressores vão além daquilo compreendido pela percepção instintiva. Reconhecemos nossos opositores, sejam eles indivíduos ou situações. E buscamos recursos para que consigamos sobreviver a eles.

Nem sempre, no entanto, conseguimos balizar esses mecanismos de defesa de forma justa. Podemos nos armar de forma desproporcional. O motivo é básico: superestimamos as adversidades, ou simplesmente ignoramos nossas capacidades de embate. Explico.

Quando algo é marcado em nós como uma referência de perigo, registramos todo o conjunto de emoções experimentadas no momento em que fomos apresentados àquele risco e as associamos com as imagens da cena. Daí, quando nos deparamos novamente com uma situação semelhante, é acionado o gatilho de alerta.

Certos medos apreendidos na infância ajudam a exemplificar essa situação. Quando um pinscher rosna e avança em uma criança de três anos, ela paralisa com pânico. Proporcionalmente, é como se estivesse diante de um rottweiler feroz.

Já adulta, tal pessoa pode reagir de forma semelhante ao encontrar algum cachorrinho na rua. Ou seja, toda a carga afetiva mobilizada pela vivência anterior tira-lhe o senso da realidade (agora, teria plenas condições de conter o bicho em caso de ataque, sem danos).

Da mesma forma, usamos parâmetros adquiridos anteriormente para evitar situações novas que julgamos ameaçadoras: relações, conversas, rotas, inovações. Ficamos fixados na dor e sofrimento vivenciados e, referenciados nisso, associamos o novo ao perigo.

Como se não bastasse a nossa própria história, tendemos a uma apropriação dos medos alheios. Um erro crasso, uma vez que cada indivíduo assimila um fato de uma determinada forma, usando para isso as próprias referências.

Aos poucos, a vontade de evitar o sofrimento nos isola do mundo. Assim, perdemos não só a proporção das coisas, mas também a capacidade de contextualizá-las. O medo ganha proporções patológicas, e a vida acontece por detrás das muralhas por ele impostas.

Psique: O talento é uma gema que precisa ser lapidada

crédito: Metrópoles/iStock

O talento é um ótimo ponto de partida para que alguém se sinta realizado. Nele, encontramos os traços que fazem de uma atuação algo único – especialmente quando aquilo que é feito corresponde, auxilia a traduzir o indivíduo em questão. Mas isso é só o início.

Qualquer história de sucesso carece de outros elementos para se realizar. Dedicação, empenho, observação, oportunidade, coragem. Assertividade diante daquilo que precisa ser feito, resignação àquilo que foge de nosso controle. E, especialmente, relações construtivas.

Talento não é dom – um presente, um privilégio gratuito. Ele mais se assemelha a uma gema, à qual só se agrega valor na medida em que é lapidada. Mas nos iludimos, confundimos esses conceitos. Honrar um talento dá muito trabalho. Nem sempre a recompensa vem quando e da forma como esperamos.

Há pessoas que, apesar de extremamente talentosas, não conseguem alcançar o estado de prosperidade. Ou seja, serem capazes de gerar além do que carecem, afastando o fantasma da escassez. Não por falta de avidez, mas por indisponibilidade.

Erramos quando invertemos papéis, acreditando que nossos talentos estão a nosso serviço. Nós, de fato, que servimos de instrumentos a eles. Só servimos para servir. Para muitos, isso pode parecer pouco.

Imagine um artista sem plateia, sem alguém para elogiar sua atuação ou para tecer-lhe críticas. Ele terá dificuldades para estabelecer parâmetros razoáveis. E isso poderá fazer com que ele cobre um cachê alto demais para aquilo que é capaz de produzir, ou jamais chegue a estrear seu espetáculo, por não crer que alguém se interessaria por aquilo que tem a oferecer.

Todo suor que envolve o trabalho sinaliza a subordinação que temos a esse talento, o quanto estamos dispostos a fazê-lo valer, a importância a ele conotada. E, é claro, a subordinação que temos ao outro – ao agente fora de nós que não só testemunhará, mas também saberá usufruir daquilo que só nós podemos oferecer.

A insubordinação pode se apresentar na indisciplina, na arrogância, no descompromisso, na irresponsabilidade. Num primeiro momento, pode até ser disfarçada (um ótimo exemplo: usar outros compromissos para procrastinar o que deve ser feito).

Como tudo, aos poucos se transforma numa marca daquilo que somos – e, assim, deixamos de ser reconhecidos pelo melhor de nós, e ganhamos notoriedade por nossas falhas. Nesse caminho de prepotência, esquecemo-nos dos caminhos que conduzem à alma.

Ouvir esse chamado maior nos assemelha às ditas “pessoas de sorte”, invejadas pelo desempenho e resultado atingidos. Os afortunados são aqueles que foram além das adversidades exteriores e, principalmente, dos boicotes que poderiam fazer à própria trajetória. Nem tudo é uma questão de meritocracia, é verdade. Mas, em muitos casos, encarnamos nosso maior opositor.

Psique: Ser politicamente correto não é ser chato, é saber olhar o outro

Crédito: Metrópoles/iStock

Men balanced on seesaw over a single man

Uma mãe amamenta o filho em público, e isso é considerado um absurdo, pouca vergonha. Dois rapazes caminham de mãos dadas, e esse comportamento pode ser uma má influência às nossas famílias. Não sabemos exatamente como devemos nos referir ao deficiente físico, ou ao cabelo da amiga negra, para que não soe ofensivo.

Enquanto isso, crimes bárbaros, motivados pela violência gratuita, são questionados pela natureza de suas vítimas. “Fez por merecer” é a frase introdutória para julgamentos preconceituosos – gerando a revitimização. O mundo está estranho, bem estranho. O que acontece com nossos valores? Perdemos a espontaneidade para o bom senso?

De fato, bom senso é algo extremamente perigoso, por ser subjetivo. E, ao criarmos critérios para estabelecer o que é aceitável ou não, quase nunca levamos em consideração os parâmetros do outro. Esse é o berço da injustiça.

Politicamente correto
Vivemos um momento transitório, a chegada de um novo paradigma. Por um lado, vemos uma parcela da sociedade mais interessada na inserção e garantia dos direitos de minorias. Esse é o verdadeiro sentido da política, no conceito grego da coisa — ações à participação contextual dos diversos grupos da Pólis, da cidade.

No fluxo contrário, vemos reações cada vez mais duras e violentas brotarem de quem não concorda com a inclusão. Condena-se com muita facilidade o erro do outro. Afinal, neste pensamento, o erro está sempre lá, fora de mim.

Vemos brotar daí comentários atrozes sobre o menino de dez anos, completamente desvalido de amparo, morto pela polícia depois de roubar um carro e de cometer uma série de infrações. Ou da jovem de 16 anos, violentada em suas sexualidade, imagem e dignidade. Quando não comentam, respiram aliviados, invadidos por uma sensação de justiça cumprida. Absurdo.

O injusto é um inseguro
Quando levamos a uma análise mais criteriosa, vemos que tais indivíduos são dignos de compaixão. Sua ignorância nada mais é que fruto da insegurança. Sentem-se ameaçados pelo crescimento do outro, creem que isso acabará resvalando negativamente na vida que alcançaram. Não confiam minimamente em si, no que creem, no que tem. Muitas das coisas que apedrejam dizem respeito a feridas mal curadas, tendências reprimidas e referências distorcidas.

Acontecimentos restringem nossa visão, nos encarceram em nós mesmos. É o que chamamos de elementos sombrios da personalidade, fatores que nos incomodam quando os enxergamos no semelhante. Especialmente naqueles que realizam o que me foi tolhido.

O ignorante se agarra àquilo com o que se identifica, por não conseguir perceber o quanto essa crença é limitante. Perde muito com a própria estupidez. Isso não significa que devemos apoiá-lo em suas atrocidades. Isso seria como cortar fora as pernas de quem manca. Defender outros pontos de vista é a nossa melhor contribuição para que um dia, Deus queira, ele possa escapar da própria limitação.

Ser tolerante
O exercício da empatia é um desafio para qualquer ser humano. No entanto, olhar pela perspectiva do outro é a melhor maneira de sermos politicamente corretos. Ao trocarmos de lugar, aos poucos compreendemos o que é ofensa, onde está o limite. É um reaprender a pensar, a criticar, a avaliar.

Para finalizar, não se frustre por não conseguir mudar alguém que não consegue ir além dos próprios preconceitos. Essa mudança se dará no tempo de cada um, e às vezes esse tempo é nunca. Nada disso é novo. Os chineses já pensavam sobre isso há mais de 5 mil anos. E sintetizaram num provérbio: quando o sábio aponta às estrelas, o idiota olha para o dedo.

Outras Ondas: Bem, obrigado

Para Daniela Luciana.

Tudo certo, tudo ótimo, tranquilo, sem problemas, nos conformes. Muitas vezes, essas são as respostas automatizadas que damos a quem se interessa por nós. Uns se sentirão aliviados – não virá a enxurrada de problemas. Outros inquirirão com o olhar, por desconfiança. Uma resposta positiva tão imediata não seria uma dissimulação das adversidades que atravessam a vida cotidiana?  Onde foram parar os grandes problemas a enfrentar? Como conceber uma existência sem grandes dramas? Estamos tão permeados pelos conceitos de “estresse”, “problema”, “crise” que o simples ato de viver bem parece se tornar um fator de alerta.

Se as redes sociais são o reduto de ostentação da felicidade e do prazer, é nos contatos pessoais que exploramos com mais vigor as nossas faltas e frustrações. O tempo está curto, o dinheiro também, estamos cercados por corruptos, a vida decepciona. Buscamos, no outro, um semelhante que corrobore nossas queixas. E, se não encontramos o espelho disposto a nos mimetizar as reclamações, tendemos a enxergá-lo como alguém frio, indiferente. Mas, de fato, a maior parte dos objetos de reclamação são grandes aliados, com quem escolhemos coabitar. Servem para validar a escolha por esse papel vitimário.

A felicidade muitas vezes é concebida como uma espécie de tesouro redentor, um estado que, uma vez alcançado, reverberará em nossa existência dando a ela cores nunca antes alcançadas. A questão é que esse é um tesouro perseguido às cegas, apontado em falsos enigmas e mapas. Quando consultados, todos sabem dar pitados para a direção onde encontrá-lo, mas quase sempre se veem distantes do que almejam.  Os bons momentos se constroem muito mais pela atenção que damos a eles do que por uma revelação mágica. A nostalgia do “era feliz e não sabia” faz muito sentido: não vivemos plenamente o que a vida nos oferece no agora, pois estamos desejando o futuro; quando perdemos os bens que nos cercam, vemos o quanto eles nos eram caros.

Não devemos confundir a felicidade com a ausência de problemas. Ela mais se aproxima de um estado de adequação, ou seja, de perceber-se ajustado diante da própria realidade. Dessa forma, ser feliz é mais entender que as nossas falhas, limitações e imperfeições nos caracterizam tanto quanto as virtudes que gostamos de cultivar – e ostentar. O que nos faz infelizes é o desejo torpe de querer ser o que não somos, ou ter o que não temos, enquanto perecem as potências que temos disponíveis. A vida bem realizada é aquela norteada por um sentido maior, um significado que valide a permanência no mundo. E isso não está necessariamente ligado ao acúmulo de ganhos materiais, relacionamentos, poder ou prazeres efêmeros.

Em alguns momentos de mais lucidez, percebemo-nos do tamanho certo que a vida deveria ter. E daí deriva o bem-estar. Ao alcançarmos esse estágio, a luta se intensifica: o mundo nos testa com falsas demandas, o olhar do outro nos reprova pela falta de ambições maiores. Agem como se sentissem traídos em seu projeto de valorizar mais o problema do que as delícias.  Somos tiranizados justamente por estarmos sendo o melhor do que poderíamos ser.

O exercício de resistência a se adotar pode parecer um movimento egoísta: manter-se íntegro e fiel àquilo que de fato traduz minha essência, e não me deixar subverter pelo que é imposto como o melhor. Às vezes, a melhor forma de evitar esse dissabor – em si e no outro – é manter uma distância cautelar daqueles que buscam nos contaminar. Estes o fazem por insuficiência de reger a própria vida. O doce demora horas no fogo para ficar pronto. Uma colher suja é capaz de azedar o tacho inteiro.

nivas gallo