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Jornal Santuário: Vigorexia afeta saúde e é vilã nas academias

Fui convidado pelo Jornal Santuário, de São Paulo, para colaborar com uma reportagem sobre vigorexia – a prática compulsiva de exercícios físicos em nome de um corpo musculoso. O papo rendeu e eles publicaram uma parte da entrevista que concedi.

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Vigorexia afeta saúde e é vilã nas academias

Leonardo Meira

Levantar cargas pesadas, passar horas a fio na academia e olhar-se no espelho a toda a hora não é garantia de bem-estar físico e mental. Na verdade, esse quadro pode indicar uma situação exatamente oposta, especialmente entre os homens. Quando o tempo dedicado à musculação passa da conta, é bom abrir o olho: é possível que a pessoa esteja acometida por um transtorno conhecido como vigorexia.

Em resumo, é quando a pessoa, por mais massa muscular e força que possua, sempre pensa que continua magra e fraca. “Além disso, faz exercícios exageradamente, muito além do volume e intensidade ideais, procura usar suplementos sem orientação e recorre até a anabolizantes para atingir o resultado esperado, que nunca vem segundo a sua expectativa”, indica o especialista em Treinamento de Força e Musculação, Carlos Henrique Fernandes dos Santos Júnior.

Aí entra também a questão do culto ao corpo e dos padrões estéticos tidos como “ideais”. “A busca pelo ‘corpo sarado’ ganha destaque, levando os jovens à busca incessante por esse padrão de beleza. Mas nem sempre o ‘corpo escultural’ é sinônimo de corpo saudável”, adverte o mestre em Promoção de Saúde e pesquisador na área de Fisiologia do Exercício, Daniel dos Santos.

Já a doutora em psicologia clínica Dirce de Sá Freire é enfática: “Nossa cultura lipofóbica tem muita dificuldade de conviver com as diferentes formas de se estar no mundo. A tendência é que todos queiram ser iguais em tudo, sobretudo na força e na beleza que se acredita estar presente nos músculos. Como sempre, o problema reside no excesso”.

A receita é simples: querer ficar mais forte e bonito não faz mal, mas pode se tornar um problema quando a preocupação com a saúde fica em segundo plano. O corpo com mais músculos e menos gordura é o que a sociedade atual considera “bonito” e “ideal”. Aí não é difícil entender o porquê de os jovens, que vivem imersos em expectativas de aceitação, não queiram ficar para trás de seus pares. “Isso gera uma busca pela mesma aceitação, independentemente de comprometerem a sua saúde, seguindo uma alimentação e rotina de exercícios físicos excessivas, sem orientação e acompanhamento profissional”, alerta o professor Carlos Fernandes.

A literatura científica sugere que a prática de exercícios seja em torno de 30 a 60 minutos diários. Na academia, o instrutor/professor deve sempre orientar em relação ao treino, principalmente quando perceber que o aluno está fazendo exercícios extras, ficando mais tempo do que o orientado e tendo um crescimento muscular muito rápido em um curto período de tempo. “Nesses casos, se a orientação não adiantar, um acompanhamento psicológico será fundamental para reverter o processo”, esclarece Carlos.

Perfeccionismo e apoio

Sempre que a meta é a perfeição em alguma área, é preciso atenção. De acordo com o psicanalista junguiano e especialista em Dependências, Abusos e Compulsões, João Rafael Torres, a sociedade contemporânea está bem focada na busca pela saúde perfeita, e isso pode ser a “desculpa ideal” para confundir a obsessão com a dedicação pertinente ao bem-estar.

“A estética tem forte apelo numa sociedade pobre em valores humanitários. Isso está aliado a um imediatismo que pode levar jovens a uma suplementação que propicie um resultado mais rápido. O corpo é instrumento de expressão simbólica; assim, os jovens podem querer aparentar uma ideia de força, maturidade e beleza. Compensam assim a insegurança que habita o interior: a massa muscular dura e forte compensa e dissimula a instabilidade, fraquezas, inconsistência diante da busca por um sentido maior à existência”, avalia.

Nesse contexto, a família, os amigos e outros círculos sociais próximos têm papel crucial em auxiliar no diagnóstico e tratamento. “Todos esses agentes devem ter atenção plena ao perceber que a preocupação com o corpo tomou proporções excessivas. Como medir? Basta analisar o quanto esse assunto domina o discurso, quantas outras atividades foram comprometidas pela dedicação aos exercícios. O mesmo vale para a alimentação”, sublinha João Rafael.

Como as cobranças sociais costumam estar na origem desses transtornos é muito importante que os pais acompanhem os filhos para poderem avaliar a qualidade e a quantidade de exercícios que eles fazem. Também é fundamental encaminhar a pessoa para um bom psicólogo que possa ajudá-lo a rever as questões relativas a uma eventual distorção da imagem corporal.

Entrevista

O psicanalista junguiano e especialista em Dependências, Abusos e Compulsões (DACs), João Rafael Torres, concede entrevista exclusiva ao Jornal Santuário de Aparecida. Ele fala sobre a problemática da vigorexia.

Jornal Santuário – Quais são os principais sintomas que permitem diferenciar a vigorexia de uma busca sadia pelo bem-estar?

João Rafael Torres – O comprometimento gerado pela prática dos exercícios físicos ou pela busca de uma forma perfeita. A vigorexia engloba-se na classe dos transtornos obsessivo-compulsivos e, a meu ver, fala não só da busca pela força física, mas principalmente por um corpo que ostente esse atributo. Ou seja, por uma perfeição, e sempre que a meta é a perfeição em alguma área, devemos ficar atentos.

No entanto, a sociedade contemporânea está bem focada na busca pela saúde (perfeita, talvez) e isso pode ser a “desculpa ideal” para confundir uma busca obsessiva com uma dedicação pertinente ao bem-estar. Outro transtorno ainda pouco comentado também se faz presente nesse pensamento: a ortorexia, a busca pelo “comer bem”, que restringe altamente a vida de algumas pessoas. Podem, inclusive, surgir como neuroses complementares.

JS – Especialmente entre os jovens, quais costumam ser as principais pressões que desembocam em transtornos como esses

João Rafael – Mais uma vez, falamos em perfeição. A estética tem forte apelo numa sociedade pobre em valores humanitários. Isso está aliado a um imediatismo que pode levar os jovens a uma suplementação (anabolizantes, alimentação performática, etc.) que propicie um resultado mais rápido. E aí reside o grande risco: além do comprometimento psíquico, que já é danoso por si, a saúde do corpo também é afetada.

O corpo é um instrumento de expressão simbólica. Assim, os jovens podem querer aparentar uma ideia de força, maturidade (crianças e adolescentes não têm músculos definidos) e beleza. Compensam, assim, a insegurança que lhes habita o interior: ao adquirir uma massa muscular dura e forte, compenso e dissimulo a minha instabilidade, minhas fraquezas, minha inconsistência diante da busca por um sentido maior à existência.

JS – Com relação ao diagnóstico e tratamento, de que forma a família, amigos e outros círculos sociais podem auxiliar no processo de reconhecimento do problema e busca de solução?

João Rafael – Todos esses agentes devem ter uma atenção plena ao perceber que a preocupação com o corpo tomou proporções excessivas na vida de um indivíduo. Como medir? Basta analisar o quanto esse assunto domina o discurso, quantas outras atividades e dinâmicas sociais foram comprometidas pela dedicação aos exercícios. O mesmo vale para a alimentação: dietas excessivamente rigorosas, que não permitem “folgas” ou que, quando burladas, geram uma culpa severa, são indicadores de um comprometimento patológico.

Quando falamos em processos de Dependência, Abuso e Compulsão (DAC) pensamos que, na maioria das vezes, o problema é retroalimentado e/ou compartilhado por quem cerca o indivíduo que apresenta a patologia. Muitas dessas relações são inconscientes, mas altamente comprometedoras. Por esse motivo, se achar necessário, uma recomendação é que os demais envolvidos (que se sintam afetados pelo problema) também busquem ajuda especializada. Caso contrário, a dedicação do agente ativo da patologia pode ser boicotada ou afrouxada pelos demais – dificultando a recuperação. Infelizmente, a intervenção sobre os processos neuróticos ou psicopatológicos só se dá quando o comprometimento gerado por eles excede a fantasia inicial de controle. Ou, pior, quando o corpo é penalizado com sintomas físicos mais severos.

JS – De que forma os padrões de beleza ditados pela sociedade refletem em alguém que tem predisposição a desenvolver posturas vigoréxicas?

João Rafael – Podemos pensar na vigorexia como uma patologia sociocultural, visto que a medida do corpo perfeito muda de acordo com os contextos históricos, de civilização, etc. Ou seja, a perfeição desejada é copiada a partir de parâmetros que são apontados como modelos. Moda dos seios grandes, coxas e glúteos hipertrofiados. Moda dos homens depilados com peitoral e musculatura abdominal definidos. A mídia, nesse aspecto, é massacrante.

A televisão e as revistas valorizam ao extremo os corpos sarados, e isso acaba sendo o referencial do que é o belo e o certo – sendo que, à exceção dos atletas, ninguém consegue um corpo escultural a partir das atividades corriqueiras. No entanto, todos creem ter o potencial para adquirir esse corpo, custe o que custar. É importante perceber que o corpo dissolve qualquer tipo de critério socioeconômico. Assim, a suburbana sarada pode equiparar-se (ou até mesmo ultrapassar) a bem-nascida da zona sul. O jovem da periferia pode ganhar notoriedade ao mostrar uma barriga trincada e bíceps desenhados. E como muitas celebridades ascendem a esse posto somente por atender a esses critérios, todos (da classe A a E) veem na estética corporal a chance de notoriedade, de aceitação e promoção. Perdem, no entanto, a oportunidade de nutrir outros valores, que farão falta com o passar dos anos, quando o corpo não responder à altura a tais expectativas.

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Clique aqui e veja a reportagem no site do Jornal Santuário.

Outras Ondas – Amores Brutos


As dores do amor são queixa recorrente a todos que exercem uma função de cuidador. Queixas pela incompreensão, pela falta de comprometimento, pela dedicação não correspondida, por comparações entre o gostar… Em muitas histórias, o amor dá lugar com facilidade à dominação: uma vítima, um algoz. Ambos, sem perceber, apreendidos por uma dinâmica perversa, na qual o poder prevalece.

Podemos classificar um relacionamento como algo destrutivo quando compromete o bem estar de, ao menos, um dos integrantes. Esse dano pode ser físico, psíquico ou moral. Como a dor e a humilhação são valores subjetivos, é a medida de cada um que dirá se a relação se transformou em algo danoso ou não. Uma palavra, ou até mesmo uma negligência, pode levar a um comprometimento semelhante a uma agressão física, a depender da fragilidade de quem a recebe. O respeito é o balizador: quando as crenças, o espaço ou a integridade do(a) parceiro(a) é violado, podemos pensar que a relação está onerando mais que acrescentando. É preciso questionar se deve ou não seguir em frente.

Nessas questões, a mulher parece ser sim o sexo (mais) frágil. Elas são, cultural e historicamente, mais vulneráveis a relacionamentos destrutivos. Diversos fatores podem participar dessa realidade. A entrega desprendida aos relacionamentos é mais comum às mulheres. Além disso, elas geralmente nutrem mais expectativa para uma felicidade conjugal. No entanto, o sofrimento feminino é mais perceptível já que elas tendem a assumir com mais facilidade as dores provocadas por uma relação distorcida.

Homens, culturalmente, são estimulados a sofrer solitariamente, dissimulando a dor numa imagem de inatingibilidade. Felizmente, esse quadro tem se transformado. A dor sufocada tem dado lugar a homens que reconhecem a profundidade da ausência feminina e buscam auxílio especializado para curar o dano de amores adoecidos. Em geral, a queixa masculina está focada no ciúme excessivo das companheiras e na traição. Eles também se ressentem da dificuldade no diálogo: sentem-se incompreendidos e desacreditados pelas mulheres.

Ao assumir um papel de dominação em um relacionamento, o indivíduo busca uma compensação inconsciente para falhas ou impotências existentes em si. Quer mostrar que, ao menos ali, é “forte” e capaz de dominar. Um chefe ostensivo, ou uma família opressora e demandante, podem despertar essa necessidade de “desforra”. E, ao se deparar com um alguém de personalidade frágil, poderá encontrar a oportunidade da autoafirmação.

Esse tipo de relação se fundamenta em projeções: o outro não é visto como é verdadeiramente, mas sim como o indivíduo quer (ou consegue) enxergá-lo. Um bom exemplo está nos casos de ciúme patológico: mesmo que não exista nenhum indício, o ciumento “verá” uma potencial traição em gestos corriqueiros, sem nenhuma carga afetiva ou sexual. Denuncia, assim, a insegurança que sente. A inteligência e a perspicácia poderão elevar o grau de violência psíquica estabelecida na relação: em vez da brutalidade física, o agressor buscará ataques mais refinados, que lesam o outro de dentro para fora.

Apesar de tanto dano, muitas “vítimas” não conseguem se desatrelar de histórias tão complicadas. Em geral, a baixa autoestima é o que leva a uma vinculação tão profunda a companheiros(as) dominadores(as). Falo aqui não só da questão da aparência, mas principalmente dos valores que cada um carrega sobre si. Um indivíduo que não consegue reconhecer as próprias potências e virtudes tende a querer encontrar tais valores em uma relação. Esse relacionamento tende a ser supervalorizado. No entanto, fatores inconscientes levarão tal indivíduo a se atrelar a alguém que corrobore esse défict na autoestima – busca-se alguém que faça com que a sina, as velhas crenças, se cumpram.

Nesse aspecto, o histórico familiar é imprescindível para entender essa distorção de valores, pois é nas relações parentais que aprendemos o “modelo” de relação a seguir, a forma de amar. Por exemplo: a filha de uma mulher que tenha se submetido excessivamente ao masculino tenderá a buscar homens que repitam esse mesmo padrão de comportamento; ou poderão caminhar ao outro extremo, assumindo o papel de “mulher forte”, que se impõe excessivamente sobre o masculino – ou seja, buscará homens vulneráveis. Assim, a dinâmica abusiva será mantida, mais uma vez, de forma compensatória. Essa é uma triste realidade: dinâmicas afetivossexuais marcadas pela relação de imposição tendem a se repetir. Por esse motivo, é comum encontrar pessoas que repetem o mesmo script afetivo com diferentes parceiros(as).

Fazem isso pois todo relacionamento, por mais doloroso e destrutivo que possa parecer ser, é mantido pela cumplicidade e por ganhos recíprocos. Mesmo que esse ganho seja o do papel de “vítima” – um reconhecimento que privilegia o indivíduo com a atenção dos demais. Além disso, a insistência do(a) parceiro(a) pode ser interpretada como sinal de extrema valorização – a grande realização para quem sofre com problemas de autoestima. Obviamente, uma gratificação torpe, pois pouco acrescenta em valores a cada um dos envolvidos. São sim relações simbióticas, de extrema dependência. Em geral, cheias de expectativas de um futuro melhor – mesmo que os fatos gritem o contrário. Entre elas, a fantasia de conseguir a regeneração do outro.

No entanto, temos de pensar que qualquer movimento psíquico tem por finalidade devolver um sentido maior à existência. Qual seria o aprendizado inerente a esse tipo de relação, fadada à decepção? Para algumas pessoas, essa é a oportunidade de ressignificar a autoimagem, a partir de um fortalecimento dos próprios valores. A estratégia mais eficaz para o desenvolvimento de uma relação saudável é reconhecer e transformar velhas crenças. Potenciais dominadores estarão sempre disponíveis para encontrar novas presas. Mas só será vulnerável a essa investida quem não cultiva o respeito por si.

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