Self

Outras Ondas: Um ser de luz

Hoje escrevo diferente, mais em tom de homenagem do que de reflexão. Teve uma mulher na minha infância que me ensinou a amar sereias e seus contos de areia. Uma tal que me ensinou da doçura e da força, do drama e da alegria. Mulher exuberante, de rendas alvas e flores coloridas nos cabelos cor-de-fogo. Batom vermelho para emoldurar o sorriso franco, que abraça a quem vê. No próximo domingo, ela faria 70 anos – coincidentemente, a idade de minha mãe hoje. Essa mulher é Clara Nunes.

Minhas motivações para escrever sobre a guerreira vão além da admiração de fã. Clara foi uma mulher que muito conquistou para o Brasil, especialmente para as brasileiras. Clara era a imagem da beleza cabocla, nativa, destacada na mídia nacional. Sendo a primeira a vender mais de 1 milhão de discos de um mesmo álbum, atingiu o auge econômico e profissional num período onde a mulher ainda era sombreada pelo masculino. Era cantora-povão de voz requintada, e se orgulhava disso. Bateu Japão, europas e américas com sua arte. E se mantinha aos pés dos morros da Portela, da Serrinha, embebida em rodas-de-samba.

Apesar da pele alva, abraçou com fervor as tradições afrobrasileiras: o jongo, as cores, a religiosidade. Sem nenhuma vergonha de cantar seus orixás, sem nenhum pudor para a inclusão – a luta por um olhar igualitário, numa realidade ainda segregacionista. Depois de Clara, patroas se interessaram pelas macumbas das empregadas domésticas. Foi a partir dela que a fé popular dos pretos passou a ser motivo de orgulho, e não de vergonha ou repressão. Caymmi cantou para Mãe Menininha e ficou cult. Mas foi Clara quem colocou Ogum, Iansã, caboclos e pretos-velhos nas paradas de sucesso, no verdadeiro domínio popular.

Fora da claridade dos holofotes, Clara era uma pessoa atribulada. Na biografia escrita por Vagner Fernandes, entendemos o grande drama que a fez ser alguém tão dedicado à fé. Clara achava que tinha mais a dar ao mundo, queria ser mãe. Flertava com o destino para que ele lhe retirasse a desgraça da infertilidade. Não conseguiu, apesar de apelar para os recursos deste e do outro mundo. Manteve-se obstinada e calada diante de tamanha dor. Dela, certamente, tirou subsídio para interpretações viscerais, para cantar o amor sofrido pela falta.

E na dor do amor, naquelas músicas de AM, é que os nossos sentimentos mais profundos se descortinam. Cantando, revelamos as paixões que nos dominam, os desenganos mais incompreensíveis, a esperança dos amores tranquilos. A alegria dos reencontros, a força das palavras. A música popular brasileira é eficientíssima nessa função de nos traduzir. E Clara foi médium para muitos dos nossos afetos.

Quando criança, aprendi a chantagear com Clara: a cada troca dos dentes de leite, tinha como prêmio de consolação a oportunidade de ouvir um LP de seus maiores sucessos, guardado por minha mãe para momentos oportunos. Sinto saudade de uma pessoa que mal conheci: ela foi cantar em outras bandas cedo demais – me permito ser egoísta, acho que ela poderia ter me esperado crescer para assisti-la pessoalmente.

Clara era mulher de pé no chão, ligada à terra. Sem deslumbres de internacionalismos, despretenciosa e sólida. Lembrada pelo refino de sua simplicidade, coisa que faz falta nos dias de hoje. Sua imagem reproduzia o arquétipo do Brasil: plural, eclético, misturado, livre, improvisador, doce, enfático.

***

Dedico esse post à amiga Mariene de Castro, orgulho de irmã. Força e encanto, como Clara. Em seu mais recente álbum, a baiana homenageou a mineira, regravando Um ser de luz, a canção que embalou o adeus da guerreira.

O orixá de 2012 – por iyá Stella Azevedo Ode Kayodê

Esse blog é autoral. Mas, por concordar com os ensinamentos de iyá Stella de Oxóssi, iyalorixá do ilustre Ile Ase Opo Afonjá, dedici reproduzir o artigo produzido por ela para o jornal A Tarde, de Salvador (BA). No começo do ano a polêmica é sempre a mesma: qual orixá regente para o período que se inicia? 

***

Foto: Margarida Neide /Ag. A TARDE/ 08.11.2011

Este é um artigo que possui objetivo esclarecedor. Tentarei tornar compreensível um assunto que surge todo princípio de ano. A imprensa faz reportagens e as pessoas indagam uma das outras ou perguntam a si mesmas sobre o orixá que influenciará o novo ano que surge. Fazem isso na tentativa de adivinhar o que é preciso ser DIVINADO.

Adivinhar é fazer conjecturas sobre um tema usando a intuição, o que todo ser humano pode fazer. Divinar, todavia, é entrar em comunicação com o sagrado, através de rituais guiados por sacerdotes. É claro que todo ser vivo, por possuir uma parcela divina, é capaz de se conectar com os deuses. Mas a utilização de oráculos, os quais fornecem informações mais precisas sobre o destino da comunidade, requer uma preparação especial e um estilo de vida que propicia à intuição, inerente a todos, apresentar-se de maneira muita mais clara. A intuição se transforma aqui em revelação: quando os véus que encobrem os mistérios são retirados pelos deuses, a fim de que nossa jornada aconteça de uma maneira orientada e, assim, possamos cumprir a tarefa que nos foi legada com o mínimo de percalços possível, o que torna a vida bem mais leve.

Os leitores acostumados com os artigos que escrevo poderão estranhar a formalidade deste texto. É que “há tempo para tudo”: para contar anedotas, falar poesias, refletir sobre a vida… Esse tema pede seriedade! Faço isso porque creio ser a imprensa o meio ideal para esclarecer assuntos, que só não são melhor comentados por falta de oportunidade e conhecimento. Tendo agora essa oportunidade que me é dada pelo jornal A TARDE não quero desperdiçá-la. Mesmo tendo eu a consciência de que nada se modifica de um dia para o outro, aproveitarei o momento para tentar fazer com que a população melhor compreenda as respostas do oráculo trazido pelos africanos para o Brasil, esperando que as sementes aqui jogadas possam um dia florescer e dar bons frutos.

A pergunta correta não é qual o orixá que rege o ano, e sim qual o orixá que rege o ano para aquelas pessoas que cultuam estas divindades e estão vinculadas à comunidade em que o Jogo de Búzios foi utilizado. Se isso não for bem esclarecido e, consequentemente, bem compreendido, parece que todos os sacerdotes erram em suas respostas, uma vez que uma Iyalorixá diz que o orixá do ano é Iyemanjá, enquanto outra diz que é Oxum, ou um Babalorixá diz que é Oxossi. Mesmo correndo o risco de o texto ficar enfadonho, insistirei em alguns pontos, a fim de elucidá-los melhor. No nosso Terreiro, o Ilê Axé Opo Afonjá, o regente do ano 2012 é Xangô. A referida divindade, que se revelou no Jogo feito por mim, não está comandando o mundo inteiro, nem mesmo o Brasil ou a Bahia. Ela é o guia das pessoas que, de uma maneira ou outra (mais profunda – como é o caso dos iniciados; ou mais superficial – os devotos que freqüentam a “Casa”), estão vinculadas a mim enquanto Iyalorixá, ou ao Terreiro em questão.

O leitor, diante dessa explicação, poderá ficar confuso e sentir necessidade de perguntar: “E eu, que não cultuo orixá e não tenho relação com o Candomblé, não serei orientado nem protegido por nenhuma divindade?”. A resposta é: Claro que sim! Por aquela que você cultua ou acredita. Um católico, ou um protestante, será guiado pelos ensinamentos de Jesus; um budista, pelas sábias orientações de Buda… Outra pergunta ainda poderá surgir: “E quanto às pessoas que não são religiosas, elas ficarão a toa?”. Não, é claro que não. Essas serão guiadas e orientadas pela natureza, que é a presença concreta do Deus abstrato. Seus instintos, protegidos por suas cabeças e corações, conduzirão suas vidas de modo que seus passos sigam sempre na direção correta.

Que Xangô – divindade da eloqüência, da estratégia, do fogo que produz o movimento necessário a todo tipo de prosperidade – possa receber, de meus filhos espirituais, cultos suficientes para que fortalecido possa torná-los cada vez mais fortes para enfrentar as intempéries que todo ano traz consigo. Obrigado Ano Velho pelas experiências passadas para Ano Novo.

***

Clique aqui para ler o conteúdo no site do jornal A Tarde.

Quero comer: Comida de santo

Concedi uma entrevista para o portal Quero Comer sobre a culinária dos terreiros de candomblé, numa reportagem especial sobre a contribuição dos negros para a gastronomia brasileira. No texto, divido explicações com a querida Yayá do Acarajé, Oyá nata. Reproduzo aqui parte do material.

 

 

Comida de santo

A comida preparada pelos negros sempre foi muito discriminada, uma vez que as receitas tinham forte ligação com o candomblé. “A religião africana era considerada pagã e praticada sempre à margem do catolicismo, como uma coisa das minorias. A isso se soma a escassez de comida, que já vinha desde a África e ao chegar ao Brasil não mudou nada. Esses fatores geraram uma relação entre a comida e o sagrado, motivando uma necessidade de oferecê-las em sacrifício aos orixás”, contextualiza o analista junguiano e pesquisador em símbolos das religiões afro-brasileiras, João Rafael Torres.

O candomblé é uma das heranças africanas que ainda permanecem por aqui. Na África, casa região cultuava uma entidade e ao chegar ao Brasil, vindos de diferentes lugares, todas essas crenças se fundiram. O mais comum por aqui é o ritual da nação Ketu (vindo da Nigéria), da qual o deus maior é Olorum, e que também conta com diversas divindades (orixás).

Como cada orixá é considerado uma face diferente de Olurum, fazer uma oferenda a ele significa cultuar o deus maior. Cada divindade tem o seu dia da semana e a sua comida. Antes de cada oferenda, o alimento tem de ser dedicado a Exu, uma espécie de porta-voz entre o mundo dos deuses e a terra. “Segunda é o dia de Omulu, para quem oferecemos o deburu (uma espécie de pipoca). Já na terça, é a vez de Ogun, a quem cultuamos com inhame assado”, ensina a baiana Lucia Maria Cerqueira Santos, que comanda o Acarajé da Yayá, na CNB 12, atrás do Top Mall.

Toda quarta-feira, a homenagem vai para Iansã, orixá dos ventos e das tempestades. A lenda conta que ela era casada com Xangô, possuidor do segredo do fogo. Procurando desvendar os mistérios do marido, Iansã encontrou uma panela e quando a destampou começou a cuspir bolas de fogo. Dessa história, surge o acarajé (acara = bola de fogo + jé = comer). Na oferenda, o bolinho colorido pelo dendê é oferecido sem o comum recheio. Já o preparo vendido no tabuleiro da Yayá é feito com feijão fradinho e frito no azeite de dendê, trazido direto de Salvador. Depois, a massa é recheada com vatapá de camarões secos, a R$ 8.

Na quinta e na sexta-feira, os venerados são Oxó e Oxalá, respectivamente. Ambos são contemplados com preparos à base de milho branco. O primeiro recebe uma mistura do grão cozido com coco por cima. Já o segundo, ganha o acaçá – um cozido de milho branco processado e assado na folha de bananeira. “Para o sábado, dia de Iemanjá, fazemos um cozido de milho branco com dendê e cebola. No domingo, geralmente, a oferenda é o amalá, feito com quiabo picadinho cozido e entregue a Xangô”, completa Yayá.

“As pessoas precisam entender que esse tipo de comida não é suja. São feitas com higiene e ingredientes selecionados. O preparo é sempre minucioso e, justamente por ser para um orixá, com cuidado redobrado. Os pratos vendidos nos restaurantes e tabuleiros por aí não têm nada a ver com os usados para as oferendas”, enfatiza João Rafael.

***

Para acessar o material completo, clique aqui.

Outras Ondas* – O banquete dos deuses

O candomblé é uma religião originária de gente sofrida. Pela fome, pela guerra, pela desigualdade. Nela, são cultuados energias da natureza personificadas, chamadas orixás. É como se o vento tivesse corpo e personalidade, com seus gostos e contragostos. As pedras, a água, a lama, as folhas… Tudo que é fruto da criação é orixá. A comida, elemento primordial para manutenção da vida, também é divina. Não podia ser diferente num povo assolado pela terra improdutiva e que aportou em terras brasileiras pela via macabra da escravidão. No candomblé, Deus come e se contenta quando comemos com Ele.

A comunhão se dá de forma simbólica. Assim como o pão e o vinho se figuram no próprio corpo crístico de Jesus, as comidas preparadas e oferecidas aos orixás se transformam na energia das divindades. Depois de sacralizado, o alimento se transforma em axé, a força dinamizadora que conduz a vida.

As comidas de cada orixá ajudam a traduzi-lo, a partir de suas características e predileções. Assim, Oxóssi, o caçador, gosta de feijão torrado – comida prática, leve e forte, que garante a subsistência cada vez que ele se entoca na mata. Yemanjá, dona das cabeças e do equilíbrio psíquico, come do manjar de arroz, tão gelatinoso como o cérebro. Omolu prefere as pipocas, que florescem assim como a varíola e demais doenças infecciosas da pele, que remetem aos males que o dominaram na infância.

O amalá de Xangô, o orixá da justiça, é mais que uma receita a ser seguida, é aula de mitologia. O quiabo é cortado com cuidado em pedaços pequenos, preferencialmente sem que as sementes sejam afetadas pelo fio da faca. Temperado com camarão seco e cebola moídos, o legume vai cozinhar até que as sementes fiquem graúdas e rosadas. A comida é arrumada numa gamela de madeira – diferentemente dos outros orixás, que comem em louça ou barro. Xangô assim prefere como sinal de submissão, uma promessa que fez a Oxalá, seu pai. Conta o mito que, numa ocasião, guardas do reino de Xangô aprisionaram o velho num estábulo ao pensar que ele havia roubado o cavalo do rei. Ao descobrir a injustiça, o governante disse que comeria em gamelas, assim como os animais, para que ninguém esquecesse o peso da negligência. Na arrumação do amalá, são colocados 12 quiabos com a coroa para cima – para lembrar os 12 ministros de Xangô – e no centro vai um orogbô, o fruto africano que remete ao próprio rei.

Yansan, a esposa dileta de Xangô, é vista como a mais curiosa e desaforada dos orixás. Ela não se conformava com o fato de o marido ter o domínio sobre o fogo. Queria descobrir qual era o segredo para o domínio do elemento. Um dia, ao mexer nas coisas do marido, acabou sendo encantada por uma magia, que a levava a cuspir labaredas sempre que abria a boca. Desde então, ela ganhou o domínio dos acarajés. Os bolinhos de feijão, quando fritos no azeite corado do dendê, ganham a cor do fogo. Agora, Yansan não cospe fogo, e sim os coloca para dentro, como quem engole brasas. E vem daí a tradição da culinária baiana de vender o bolinho nas ruas: o ofício era, originalmente, um dever das noviças iniciadas para a orixá.

Dois orixás merecem destaque quando o tema é o banquete dos deuses. Em primeiro lugar, Exu. O mais controverso dos orixás, diretamente ligado ao funcionamento do corpo, tem fortes ligações com a alimentação. Ele é aquele que primeiro come nos rituais. Alimenta-se de tudo que há. Precisa comer primeiro para não perturbar o culto aos demais orixás. Quando nasceu, Exu tinha um apetite insaciável. Comeu todos os legumes e raízes, todos os animais terrestres e aquáticos, pedras e até a própria mãe. Foi detido pela espada do pai, que o dividiu em inúmeros pedaços – trama bem edipiano, vale ressaltar. Apesar de se saciar com qualquer comida, a sua favorita é a farinha misturada com dendê cru – comida de preparo simples e rápido, ágil para aplacar a fome voraz que pode se manifestar a qualquer instante.

O último orixá que come é Oxalá, o grande responsável pela criação do mundo e dos homens. A ele é destinado o acaçá, ou ekó, que consiste num mingau de milho branco moído e posteriormente embalado em folhas de bananeira. Quando esfria e descansa, ganha um formato piramidal. O branco imaculado, semitransparente, lembra o líquido seminal – a base da criação, origem da vida, fluido sagrado para os africanos.

A crença do candomblé se baseia numa premissa: Deus, em suas mais diversas faces, gosta tanto dos homens que quer vê-los sempre em festa, com muita alegria e dança! Diante desse ambiente, os orixás não se contentam em simplesmente assistir: tomam seus noviços por possessão e, ao serem vistos pelos demais, distribuem a sua força. Quando a cerimônia parece ter chegado ao fim, surgem dos fundos das cozinhas imensas panelas, ricas em cheiros e sabores. A primeira porção das comidas foi oferecida aos orixás, em agradecimento. E também com votos de que o restante da panela se transforme em energia, axé, que alimenta o corpo e cura a alma. A hora do ajeum, a refeição que é compartilhada aos convidados. Só então a festa se encerra.

Para os desavisados, oferecer comidas e sacrifícios aos deuses pode soar primitivo – ou até mesmo desperdício. No entanto, o que alimenta os orixás é a crença do homem na natureza, como instrumento de crescimento e socialização saudável. É essa fé que o santo come.

Outras Ondas* – A pureza da criação

Oxalá encerra a série sobre orixás, iniciada em dezembro passado. O senhor do branco, origem e síntese de todas as cores, se apresenta aqui de duas formas: Oxaguiã, o jovem que guerreia pela paz, e Oxalufã, o respeitado senhor da criação.

OXALUFÃ

O primeiro dos orixás a ser criado é, nos ritos do candomblé, o último a ser cultuado. Isso porque ele é o responsável por reestabelecer a paz, a aura de estabilidade e de controle sobre os homens, seus filhos e criaturas. É o retorno à harmonia primordial. Ser o primaz do panteão afro dá a Oxalá o absoluto respeito dos demais orixás: em sua homenagem, todos sem exceção carregam no branco a cor mais sagrada do culto, usada em todos os momentos especiais, do nascimento à morte. É também por Oxalá que os adeptos e simpatizantes vestem o branco nas sextas-feiras, seu dia de culto.

O ar que respiramos é domínio de Oxalá, ou seja, ele é imprescindível para a vida. É calmo e discreto, porém essencial. De caráter impecável e comportamento reservado, é ótimo confidente e conselheiro: encontram soluções improváveis depois de “matutarem” sobre o assunto que lhe é demandado. O silêncio denuncia sua maior virtude: a sabedoria. É defensor da causa dos excluídos, especialmente dos portadores de necessidades especiais.

Oxalufã é uma divindade cercada de tabus e restrições. Alguns remetem a mitos que evidenciam a teimosia e prepotência deste orixá. Em um deles, ele sofre com as artimanhas de Exu, o trapaceiro brincalhão, e acaba por macular a brancura de suas vestes com carvão, vinho e azeite de dendê. Muitas vezes, o “peso da idade” se manifesta a partir de um caráter rabugento ou detentor de uma verdade absoluta. No entanto, tudo se desfaz diante de uma necessidade real: os filhos de Oxalá são atenciosos e compassivos, buscando sanar as dificuldades alheias com os frutos de sua inteligência primaz e de sua solidariedade marcante.

OXAGUIÃ

No outro pólo de Oxalá encontramos um jovem intenso, obstinado na luta pela paz. Oxaguiã é agitado e, apesar do branco de suas vestes, apresenta pequenos detalhes em azul índigo: a cor belicosa que também é atribuída a Ogum, o deus das guerras. Tal qual, tem na coragem a sua marca prioritária: não se furta de enfrentar as dificuldades da vida, vivencia a superação diante dos problemas.

Oxaguiã representa, dessa forma, o enfrentamento necessário para o progresso da vida. É aquele que nos ensina sobre a importância de medirmos nossos limites como um exercício de ultrapassá-los. Gosta de desafios, torneios e competições. É líder nato e milita por aquilo que sente ser o melhor para o mundo: consegue assim ser um agente social para o progresso da humanidade. Tem uma grande relação com a alimentação do homem, tornando-se essa a sua principal preocupação. Mas vai além do pão: ele busca a qualidade de vida acima de tudo, alimentos para o corpo e para a alma. É um orixá sociável, alegre, divertido e vivaz.

Está sempre disposto e, em geral, de bom humor. Mas é um perigo desafiá-lo: ele é determinado para provar suas convicções e, nessa determinação contundente, pode exceder-se em palavras duras, em críticas severas e devastadoras. Magoado, faz o que for necessário para provar que não perdeu – quem perde é quem fica, acredita. Sua capacidade combativa e autoestima são lições diante das adversidades.

nivas gallo