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Acho lindo o conceito de sorte. O acaso, o destino, o azar… A vida que simplesmente acontece, espontânea, alheia aos determinismos e controles. Vejo tanta lindeza justamente por não perceber que isso seja algo banal, vulgar, que ocorra com a facilidade que a maioria acredita.
Na maioria dos casos em que a sorte é responsabilizada, o que se vê é um tipo de terceirização de responsabilidades. Tanto nas situações positivas, quanto nas negativas. Nos casos de boa sorte, vemos ser atribuído a um ente mágico o fruto do esforço do sujeito.
É como se transferisse créditos a algo que está além de si – deuses, conjunções astrais, forças e energias. Injusto, a meu ver. Pois, em grande parte das situações, os sortudos são dignos dos benefícios alcançados. Merecedores mesmo, devido aos serviços prestados, àquilo que aplicaram. Tudo se deu longe de qualquer graça divinal.
Quando a sorte falta, o que se vê é uma engrenagem semelhante, só que funcionando ao contrário. Letargia, ingerência, descrença, incompetência, intolerância, teimosia. Tudo isso se encobre facilmente sob o manto do azar. Ele é o curinga para os déficts de envolvimento com nossos empreendimentos.
Balcão de recall
No meu ofício de terapeuta, ouvi tais discursos inúmeras vezes. Também lido constantemente com a ânsia de encontrarem, em alguma terapia, uma espécie de balcão de recall instantâneo da sorte. Como se fosse possível alterar uma sina com a palavra certa, a pergunta certa, a reza certa. Não é.
Muito disso se dá por causa do excesso de expectativas. As pessoas traçam um destino fantástico, distante demais da contrapartida necessária para a realização do mesmo. Aquela “vida boa”, que você tanto admira, exige para ser mantida. Em qualquer área, os bem-sucedidos não são pessoas “agraciadas”, e sim dedicadas àquilo que creem e fazem.
Assim sendo, a conclusão é meio frustrante para quem aposta no invisível: dá muito trabalho, custa muito ter sorte. Ela mora no alto da montanha, e não na próxima esquina. É melhor contar com você, e não com o acaso.
Sangue, suor e lágrimas
Essa busca por uma solução mágica, imediata e novamente terceirizada, é uma simples maquiagem – a mudança rasa que não altera a essência. E que, invariavelmente, levará à repetição dos mesmos erros. É óbvio que creio numa transformação, meu trabalho é estimula-la. Mas sei que ela é resultado de esforço, de tempo e, principalmente, de muita entrega.
Inclusive, se quisermos ser tocados de fato pelo inesperado, temos de apostar no empenho. Esse foco é o sinal que oferecemos à alma, para que ela encontre as soluções que o “eu” não consegue enxergar.
Ou seja, essa transformação exige de nós a submissão a algo maior. Quando nos submetemos à sorte, não conseguiremos manipular o sabor dos acontecimentos. Mas precisamos ser confiantes naquilo que nos surge, como o melhor para o nosso progresso individual. Enquanto esse dia não chega, vai fazendo. Uma hora acontece.