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Psique: Dia das mulheres. Não é à toa que sabedoria é um substantivo feminino

Crédito: Metrópoles/iStock

Enganam-se aqueles que pensam que o dia de hoje é de comemoração. Ou quem acha que é uma tolice, uma deferência boba para agradá-las. Quem acha que uma rosinha ordinária, oferecida da boca para fora, encobre o violento silêncio, a cantada barata, a diferença salarial, o menosprezo, a sobrecarga.

São inúmeros os perigos que cercam as mulheres. O principal deles é a desconfiança sobre quem são, sobre a capacidade que têm. Negar-lhe a condição de paridade, fazê-las acreditar que são inferiores. E que, como tal, devem se submeter às condições mais espúrias.

Na condição de homem, falo aqui de atrevido. Muito provavelmente por repetir, ainda que munido da melhor intenção, a ideia de que elas precisam ser defendidas, acolhidas, por serem frágeis. Percebo, ao escrever, o quão impregnado estou pelo espírito machista, por esse traço perverso do inconsciente coletivo.

Eu deveria simplesmente calar, deixar que falem por si. Mas não dá, não consigo. Especialmente eu, que delas tanto dependo. São meu sustentáculo afetivo e espiritual. Profissionalmente, tenho mais pacientes mulheres que homens, mais leitoras que leitores. E, de onde estou, vejo o quanto são abusadas, desde cedo, incessantemente. Por homens e por outras mulheres que aderiram ao esquema de opressão.

Recebo em meu consultório mulheres envergonhadas, em contradição. Duvidosas da capacidade de conquistar benefícios. Submissas, dominadas pelo medo do que seriam se perdessem seus companheiros. Cumprindo o enfado de constituírem o tal sexo frágil.

Também chegam armadas até os dentes. Masculinizadas, competitivas, impositivas. Predadoras de homens débeis. Com grandes bandeiras empunhadas, e intimamente sofridas pela falta de identificação com aquilo que defendem. Desejosas por “coisas de mulherzinha” – confessam constrangidas, referindo-se à saudade da feminilidade perdida.

Muitas vezes, apenas repetem as referências transmitidas por suas semelhantes. Calar, gritar, falar grosso – sem saber exatamente por que agem assim.

O exercício de ampliação da consciência quase sempre parte de uma premissa: identificar os temas que estamos representando na vida para diferenciar-se dele. Ou seja, tirar o indivíduo do lugar comum e levá-lo a compreender sobre as potências que a vida lhes reserva. Fazer emergir da alma nossa natureza mais particular e profunda.

E nesse movimento elas levam vantagem. Não só pela sensibilidade inegável que têm, mas principalmente por terem coragem para enfrentar a dor em nome de um bem maior. Elas estão predispostas naturalmente a fecundar, gestar, parir, cuidar. Sejam pessoas, projetos, relações.

Isso predispõe a mulher a acreditar, a apostar no futuro. Não sucumbem facilmente à dor e ao sofrimento. Repousam sobre eles, ouvi-los, retirar-lhes um significado. Coisa que nós, homens, só fazemos com muito custo. Somos ávidos por soluções imediatas, mulheres compreendem o tempo das coisas. E assim ensinam por que sabedoria é um substantivo feminino.

Psique: Se você é bom, não precisa provar isso para ninguém

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Quando nós, analistas, começamos a receber no nosso consultório uma leva de clientes com queixas semelhantes, uma luz de alerta se acende. É sinal de que devemos olhar para a forma como lidamos com a questão. Escrever pode me ajudar a compreender, e pode ajudar você também.

Inclusive, a palavra em questão é ajuda. Contemplar o outro, fazer o bem.

Servir bem para servir sempre – a máxima do comércio – também se aplica à vida. Só que nem sempre estamos atentos de que isso não deve se aplicar de forma irrestrita. Há certos senhores que não precisam ou merecem ser servidos. Eles, logo adiante, serão algozes.

Parecer bom é, muitas vezes, uma tentativa de despertar o interesse do outro. Erramos, pois, ao agirmos assim, conquistamos pelo que podemos fazer, e não quem somos. E, quando nosso comportamento não mais condiz com as expectativas alheias, experimenta-se o descarte.

Esse comportamento retroalimenta a ideia de menos valia. A mesma que deu origem a esta engrenagem toda. Afinal, parecer ser bom somente para sermos desejados aponta para uma descrença nos valores genuínos, aqueles que provêm e traduzem nossa alma. Deixo de ser quem sou para ser o que pode ser mais agradável aos demais.

O personagem que criamos para sermos aceitos não durará eternamente. E, quanto maior for o esforço para mantê-lo vivo e atuante, mais se acentua a crença de que somos uma farsa. Tem algo de errado se escutamos que somos ótimos, mas, no íntimo, não acreditamos nas nossas capacidades.

Talvez essa seja a tal questão do “amor próprio”, que tanto ouvimos por aí. Amar é um verbo impreciso, de difícil definição, graças à subjetividade que o envolve. Mas, em geral, podemos pensar no amor como algo acolhedor, compreensivo, integrativo. Em todas as culturas, Deus traduz o amor justamente por conter, em sua imagem, o símbolo da totalidade.

A falta de amor denuncia uma dissociação. Ou seja, a incapacidade que temos de correlacionar aspectos aparentemente distantes, mas que são pertinentes quando enxergamos o todo. Querer bem ao outro, apesar do outro.
Não posso dizer que amo quando gosto de um aspecto de alguém, mas não consigo aceitar/tolerar/respeitar características das quais divirjo. Posso até não concordar, mas não posso querer dissuadir ninguém de ser quem é. Quando nos unimos somente ao agradável, isso não é amor, é conveniência.

Da mesma forma, é em nome da conveniência que muitos mutilam sonhos, desejos, crenças e valores. Deixam, assim, de determinar a própria história, de realizar os propósitos mais profundos da existência. Quem vive assim sente-se à margem, na solidão, por não compreender que se esqueceu de ser bom para quem mais precisa: a si mesmo.

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