Self

Psique: Quando olho para o outro, vejo minha alma refletida

Crédito: iStock/Metrópoles

500px Photo ID: 89209135 - 1/3 photos for the 4th week of self-portraits -  This week's theme is "Reserved." This has been quite a journey of self discovery, for Reserved I wanted to express a faceless man, the lack of identity and the camouflage with the

Costumamos ter um discurso pronto sobre nós mesmos. Somos capazes de elencar características, limites, opções. Fazemos isso como se tivéssemos plena ciência daquilo que somos, daquilo que expressamos pelo nosso fazer.

Daí vem um comentário de alguém e nos atravessa como uma flecha. Ficamos surpreendidos com algo que nos apontam. Isso nos perturba, incomoda. O tempo passa e percebemos que a fala era pertinente. O outro foi capaz de enxergar e nomear algo que sempre esteve aqui, mas que, sem ele, não teríamos clareza suficiente para fazê-lo.

A visão do ego é comprometida por uma perspectiva estreita. E é justamente por isso que necessitamos tanto da presença dos demais em nossas vidas: é a partir deles que podemos amplificar esse capacidade de visão. São eles que colocam em confronto as certezas do eu com a pluralidade da existência.

Casa de espelhos
Uma boa forma de entender esse mecanismo é compará-lo com uma casa de espelhos, daquelas de parques de diversões. Nelas, cada espelho tem distorções próprias. Uns alongam nossa imagem, fazendo-nos parecer maiores do que verdadeiramente somos. Outros pressionam: ganhamos quilos a mais. Há ainda os que destacam alguma área do nosso rosto. Enfim, cada um apresentará uma versão própria daquilo que somos.

Assim funciona nas relações. Nenhum interlocutor é capaz de nos apresentar uma imagem nítida, reta, fiel e proporcional daquilo que somos. Refletem nosso espectro a partir da forma que têm. Estão todos comprometidos com a própria composição, com o molde que seguem.

Quando compreendemos isso, percebemos que o outro não será eficaz para me mostrar aquilo que sou. Mas será uma importante referência: a partir dele, poderei conhecer mais sobre minha anatomia – algo que o posicionamento dos nossos olhos (literal e metaforicamente) nos impede. Os espelhos revelarão aspectos que, até então, são desconhecidos. Mesmo que isso nos seja mostrado sempre com distorções.

Localize-se no mundo
O trabalho da psique é de reunir tais referências, mesmo que distorcidas, e elaborá-las, para que cheguemos a uma autoimagem mais aproximada daquilo que somos. Nem se anime para a possibilidade de um autoconhecimento pleno: geralmente aquele que pensa saber tudo sobre si mesmo é quem está mais passível de decepção.

Ou então pensa isso por não se permitir olhar para os espelhos. Se não me exponho a outras referências, serei conduzido por aquelas poucas que guardo comigo. E isso costuma ser muito ruim: há quem acredite ser muito melhores do que verdadeiramente são (quando foram apontados como pessoas “muito especiais”), ou que desconheçam uma série de potências que possuem, pois não contou com ninguém para sinalizar tais talentos.

Ao fazer essa elaboração de forma saudável, somos gratos ao outro por tudo aquilo que nos apresentam sobre nós mesmos, até mesmo quando o tempo nos mostra que a imagem que ele refletia era tão distorcida, que pouco correspondia a minha alma. Isso também ensinará sobre quem sou, onde estou, quais são os meus valores.

Tudo isso moldará a superfície do espelho que somos. Quando nascemos, herdamos um mundo. Ao morrermos, deixaremos outros que nos sucederão. E, nesse hiato em que a vida se dá, também refletiremos imagens aos demais.

Outras Ondas – Como as pessoas se juntam

Acima de nossas cabeças, um enorme emaranhado se desenha. São linhas imaginais, teias energéticas, que constituem uma interessante configuração: as relações que estabelecemos com nossos amigos. Nunca sabemos como elas se formam. Quando menos percebemos, já estamos enlaçados. Amigos nos geram compromisso, com eles e conosco. Mas é uma demanda boa: a partir deles nos tornamos pessoas mais interessantes, mais receptivas e, principalmente, mais realizadas.

Virou clichê dizer que as amizades constituem a família que escolhemos, o povo eleito para compartilhar nossas alegrias e dissabores. Mas é assim mesmo. O preço inestimável de uma amizade é capaz de nos propiciar uma série de bons atributos, dos quais tanto anseia a nossa alma: o pertencimento, a reciprocidade, a identificação. Combatemos, com eles, o sentimento de solidão, inerente à condição de humano.

Geralmente, as amizades não são programadas convencionalmente. Não as leais. Estas se manifestam de forma espontânea. De uma simples combinação de gostos ou necessidades, evolui para uma complexa troca. Quando a amizade é sincera, ficamos meio que misturados. Percebemo-nos pelo outro. Não fazemos nenhuma resistência às contaminações afetivas: comemoramos juntos, compramos brigas que nada nos dizem respeito, convivemos com o silêncio da cumplicidade, sem que o mesmo nos traga nenhum tipo de constrangimento. Amigos verdadeiros são capazes de antever nossas vitórias ou derrotas, percebem o que somos ou como estamos de uma forma particularmente subjetiva. O entendimento é imediato, como em uma intuição.

Não que uma amizade só exista onde não há divergências. As mais produtivas, inclusive, são aquelas que nos levam a novos pontos de vista, que embargam nossas tentativas de sermos igualmente nocivos a nós mesmos. A discussão, com sinceridade de propósitos e maturidade, leva ao crescimento de ambos. Afinal, a verdadeira amizade é feita entre pares – e não entre mestre e discípulo, ou coisa que o valha.

É natural que, ao longo da vida, troquemos de amizades, assim como trocamos de gostos e de prioridades. A vida presente faz com que um ou outro fio, dos que pairam em nossa cabeça, se sobressaia aos demais. Há amigos que se enciúmam com isso – mal sabem que nunca serão perdidos ou trocados. Se a amizade é real, eles não sumirão do repertório, apesar de um afastamento forçado por caminhos dissonantes. Bastam alguns minutos para que a velha postura de intimidade se reestabeleça. (Essa tal intimidade, convém ressaltar, é mais resultado do afeto que do tempo: amizades não se contam com anos, e sim com a capacidade de transformação que são capazes de propiciar).

Uma vida sem amizades é uma vida empobrecida. Dinheiro e trabalho não substituem amigos. Namoros e casamentos, também não. Nem mesmo os livros e discos. A melhor forma de preenchermos o que nos consome é a partir da diversidade humana. Histórias de gente, sabe? E, como profissional de ajuda, percebo que os relatos, quando contados por amigos, chegam diferente nos meus ouvidos. A imparcialidade dá lugar ao desejo imenso de querer oferecer algo, seja gargalhada, abraço ou bronca. Amigos nos desconcertam quando nos revelam o quanto deles dependemos, o quanto nos completam, como é bom se sentir e ser sentido.

Há quem se ressinta da falta de amizades, ou de uma baixa competência para conquistá-las. A estas pessoas, o que talvez falte seja a coragem para se enfrentarem. Os amigos, assim como os inimigos, são as nossas melhores possibilidades para encararmos o que somos, no que pensamos e como agimos. São a prova viva de que o pilar que sustenta a vida humana é a relação.

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