Self

Outras Ondas* – Teresinha e seus amores

Chico Buarque é um dos meus favoritos entre os poetas contemporâneos. Sua produção é capaz de comover, indignar, despertar a ternura. Isso porque ele consegue traduzir muito do inconsciente coletivo que nos permeia. Ao ouvir algumas de suas canções, a ilustre iyalorixá Mãe Menininha do Gantois se negava a crer que aqueles versos eram feitos por um homem, tamanha a sensibilidade e propriedade para falar da alma feminina.

Entre elas, destaco Teresinha. Criada para a peça teatral A ópera do malandro, a canção se tornou um grande sucesso na voz de Maria Bethânia – e também na paródia feita pelos Trapalhões na década de 80. O poema musicado é uma recriação de Chico para a trova infantil Teresinha de Jesus. Ela vai além de versos: ajuda a traduzir as expectativas femininas diante dos relacionamentos.

“O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha


Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
Assustada, disse não”

A primeira proposta à Teresinha é tentadora: o homem provedor, aquele que chega dotado de ricas experiências e que a coloca em um alto patamar – distante demais de onde ela reconhece estar. Sensível, oferece o melhor – é invejável, inspira a imagem de perfeição masculina traçada na cabeça de muitas. Ele tenta cativar pelas posses e pelas possibilidades que pode proporcionar. Transforma assim a convivência em algo insustentável: distante demais de uma imagem de ingenuidade que a protagonista transparece. Ela se sufoca no jogo opressivo, que não permite qualquer autonomia. Teresinha entende que não tem chance, nem disponibilidade, para a competição que certamente se estabelecerá. Um homem que não a limita também não lhe oferece a chance de crescer. E isso não é o desejável para um relacionamento.

“O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida

Me encontrou tão desarmada
Arranhou meu coração
Mas não me entregava nada
Assustada, eu disse não”

Na ânsia por um homem que a provocasse mais, Teresinha atrai para perto de si um errante: o homem rude, primitivo, machão “com pegada”. No entanto, ele supre a curiosidade despertada pelo primeiro pretendente. Diante de alguém com perfil persecutório, ela é chamada a se posicionar diante da própria realidade – é questionada e questiona-se diante dos papéis que vivencia. De alguma forma, o perfil a atrai: talvez pela fantasia da mulher curadora, a mãe capaz de corrigir passos distorcidos do companheiro. Porém a forma de ele agir a expõe de forma constrangedora. E isso a leva a crer que está despreparada para alguém tão intenso, tão forte, tão embrutecido. Desgarra-se de qualquer sentimento e, naturalmente, o renega.

“O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou
Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher


Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração”

O passado de Teresinha é repleto de expectativas. Primeiro, quer um homem que a resgate do mundo infantil. Em segundo lugar, busca aquele que a faça reagir diante da vida. No entanto, ela espera por modelos preestabelecidos de relacionamento: ou ela será a rainha soberana ou a serva subjugada. Desconhece assim o valor da verdadeira parceria em um relacionamento: diferenças devem inspirar à complementariedade, e não à adversidade.

Longe de qualquer modelo preestabelecido, chega o terceiro pretendente. Esse não tem nome, não tem rosto, não segue um papel preestabelecido. Da mesma forma, não exige nenhum tipo de postura: cultiva somente o espontâneo, a verdade de ser o que se é, sem fantasias. Não ilude com falsas promessas e, consequentemente, não gera frustrações como conseqüências. O diálogo é franco, de alma para alma. E, antes que se perceba ou que se tente estabelecer qualquer tipo de controle mesquinho, nasce o amor. Teresinha nos ensina que um relacionamento saudável é aquele que se despe de qualquer ilusão.

nivas gallo