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A expressão “vale enquanto serve” impõe uma lei de descarte nas relações humanas. É o que se chama de objetificação do outro – visa retirar dele as características de sujeito (peculiaridades, vontades, emoções, questionamentos etc.) em nome de interesses particulares.
A escravidão é o exemplo extremado desse processo. Nela, o indivíduo tem subtraída a sua humanidade. Sobre ele se impõe uma nova realidade, apontada como certa. É alguém que determina quem ele poderá ser, o que deverá fazer, no que poderá acreditar.
Foi o que vimos com os africanos escravizados que para cá foram trazidos. E que, até hoje, veem seus descendentes sofrendo restrições e imposições decorrentes desse estigma. O principal deles é a negação, o não-reconhecimento da covardia e da crueldade que envolveram esse processo. Nem dos danos que ainda repercutem, em decorrência disso, na população preta.
Antes mal acompanhado…
A carência é a porta para essa armadilha. Uma triste notícia: somos todos carentes, em maior ou menor grau. Nossa insuficiência faz com que busquemos um ideal de completude (sem sucesso, convém ressaltar). Nunca estamos satisfeitos, e quase sempre não nos conformamos com isso.
Felizes dos que recorrem aos profissionais, porque a grande maioria busca fazer essa compensação com pares. E transformam em pares quem lhes der algum aceno positivo. E entregam muito em nome da manutenção dessas relações. São assombrados pela fantasia do desamparo: de não terem em quem encontrar apoio para suportar as dificuldades da vida.
O termo “desvalido” é preciso para descrever esse estado, pois fala daquilo que é desprotegido, mas também daquilo que não tem valor. O carente, um “sujeito objetificável” em potencial, é uma pessoa que não consegue reconhecer os valores que carrega em si. Por isso precisa tanto daquilo que o outro tem a oferecer. E não percebem o preço salgado que cobram para manterem essa relação.
O que chama-se de autoestima nada mais é que o reconhecimento e promoção desses valores e recursos internos. É a antítese da carência – não porque o ser que tem uma boa autoestima não sofre com as faltas, mas sim porque ele consegue enxergar-se para além delas.
Ajuda mútua
Não falo aqui apenas das relações extremas, patológicas. Mas também das imposições dissimuladas, das relações utilitárias do dia a dia – da que nós mesmos, ditas pessoas de bem, praticamos de forma corriqueira, e amenizamos em nossos discursos.
Sem uma ética vigilante, tendemos a usurpar do outro aquilo que tem a oferecer. Somos aproveitadores, pois gostamos do que é bom, farto e fácil. Da mesma forma, também oferecemos aos demais aquilo que nos sobra, quando nos é conveniente. Usamos uns os outros o tempo inteiro, e isso não é problema. É uma fantasia utópica a ideia de independência.
O que aqui chamo de ética é um olhar atento pode ser traduzido como uma medida justa às nossas necessidades. Elas, de fato, são poucas e fazem com que esse “uso cruzado” se configure como uma ajuda mútua – o combinado não sai caro. O bem servir, ou servir para o bem, é capaz de profundas e positivas transformações entre os agentes participantes.