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Psique: Ser ignorante é o caminho mais rápido. Refletir exige tempo

Crédito: Metrópoles/iStock

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O que trouxe você até aqui? Quanto tempo você tem para mim? Quanto me suporta ouvir falar, qual o tamanho da sua disposição para chegar ao fim desse texto? Qual a sua disposição para investir tempo naquilo que lhe interessa? O que, de fato, interessa a você?

Poderiam ser perguntas retóricas, mas não são. Conciliar tempo e interesse é um desafio nesse mundo de uma enxurrada de informações inúteis, e cada vez mais breves, que nos dão a falsa impressão de que sabemos de tudo.

No fundo, estamos sendo treinados a assimilar frases soltas a imagens fortes. É certo de que a linguagem visual sempre foi a mais eficaz para gerar impressões. Mas nem sempre são suficientes para desenvolver um raciocínio mais elaborado.

É um método que parece perigoso. Afinal, é das sobras de palavras (uma mera “perda de tempo”) que surgem as grandes reflexões da humanidade. Ulisses, Zaratustra, Dante e outras personagens precisaram de centenas de páginas para reformar o olhar do mundo sobre si mesmo.

E quem tem tempo para centenas de páginas? Elas competem com centenas de inutilidades pontuais. Estas ocupam pouco espaço, mas nos enganam: guardamos o que não serve, com a ideia de que um dia pode ser útil. Aprisionam-nos, assim, no lado raso da vida.

Tudo isso faz parte de um novo paradigma, que não pode ser negado ou evitado, mas não foi assimilado da melhor maneira. Buscamos comer e exercitar o corpo para sermos saudáveis, visando longevidade. Para que, se desconhecemos o que é viver bem?

Relações sempre foram a atividade-fim do ser humano. Elas nos dão elementos para que saibamos, minimamente, quem somos. Observar como reagimos às coisas se chama reflexão – aquilo que nos diferencia dos outros animais. Economizar palavras reforça nossa ignorância.

Num discurso monossilábico, como o que a nova realidade propõe, o mecanismo relação-reflexão se compromete – regrediremos aos grunidos e dedos em riste dos nossos ancestrais mais distantes?  Ou encontraremos no percurso uma solução que preserve o desenvolvimento da consciência?

Ou a vida não teria mais tempo para ser profunda?

Psique: Está em curso um processo de “esquisitização” das coisas normais

Crédito: Metrópoles/iStock

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Tem horas em que acho que o problema está comigo. O mundo parece que está espantado, em sobressalto, diante de coisas que sempre estiveram ali. Fome, desigualdade, hipocrisia. Crueldade, indiferença, falsidade. Ignorância, preconceito, dor. Oportunismo, injustiça, corrupção. E, diante destas e outras incontáveis tríades, olhares atônitos – como que surpreendidos com algo inédito.

De fato, o que me espanta profundamente é quando o que é natural se eleva a um status extraordinário. Quando os olhos esbugalhados se voltam para uma mãe que amamenta em público. Ou para a mulher que decide não ter filhos. Ou para alguém que sofre a perda de um ente querido. Ou, simplesmente, quando alguém não se queixa dos próprios problemas e se preocupa mais em viver, do que demonstrar a própria vida. Isso sim é escandaloso.

Ainda não consegui entender o que origina esse tipo de comportamento. É uma espécie de “esquisitização” de coisas normais. Isso é bem mais bizarro que a maioria das bizarrices apontadas. É como se as pessoas, sei lá, estivessem desaprendendo a ser humanos.
No fundo, deve ser isso. Uma espécie de desconexão com a realidade, uma falha na escuta daquilo que brota do íntimo. E, se levarmos isso em consideração, todos aqueles desconfortos que citei no início do texto são bem mais naturais e pertinentes à humanidade. Afinal, não são meros produtos culturais – e sim valores arquetípicos (arcaicos e típicos) que se repetem desde que o mundo é mundo.

Isso que estou chamando de esquisitização fala de uma interpretação do mundo. Um tanto equivocada, uma vez que está pautada em hábitos bastante recentes, e, como tais, não vividos até a última instância.

A cultura do “remedinho” para abafar qualquer dor, por exemplo, ainda não demonstrou claramente quais os efeitos que trará em longo prazo no psiquismo do ser humano. Da mesma forma, ainda não há conclusão sobre a repercussão da vida vivida por avatares, da exposição nas redes sociais, do descarte nas relações etc.. Não saberemos quem serão nossos bisnetos, em consequência de tudo isso.

Não falo isso por nostalgia, nem por achar que nossos bisnetos não saberão se adequar a essa nova realidade. Essa é, justamente, a grande bênção da psique: por ter um funcionamento compensatório, ela saberá encontrar a saída – retirando dos excessos para cobrir as faltas, e vice-versa. A questão está em, nós, que cá estamos, encontrarmos uma forma honrosa de convivermos, apesar das demandas que surgem.

Parece que é aí que mora a dificuldade para a maioria: antes mesmo que o novo se instale, já querem pertencer a ele. Pensar, funcionar, desejar, responder, sentir o novo paradigma que ainda nem é verdade. E nisso embrutecem o que há de mais delicado. Ou criam uma estima descomunal àquilo que, no fundo, nada muda.

É difícil ser gente quando não sabemos o que é ser gente. E principalmente quando buscamos referência em quem também não tem o que ensinar. Nessas horas, a salvação vem dos clássicos. Daqueles que, por um mistério ainda indecifrável, conseguiram sorver das emoções a sua essência. Até mesmo as mais controversas, desconfortáveis, vis. E traduziram-na por palavras, imagens, enredos, sons. Esses nunca deixarão de ser professores na arte de viver.

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