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Ah, a nossa cabecinha… A ela, tudo devemos. Nela, entretanto, encontramos nossa perdição. A capacidade de produzir realidades irreais é o grande trunfo do homem. Poderia ser o mote de compreensão para tudo aquilo que é intangível – como acontece no campo das artes. Mas, quase sempre, optamos pelo esporte: o esforço para mostrar a capacidade que temos de ir além daqueles que elegemos como oponentes.
Nisso, falas ganham interpretações. Silêncios também. Desconfiamos, argumentamos, brigamos e fazemos as pazes – tudo isso somente ali, solitariamente, da santa cabecinha. Assim construímos mitos entre nossos semelhantes, engrandecendo-os. E condenamos os que surgem como opositores. Criamos, criamos muito. E não nos damos conta do peso das nossas fantasias.
Silêncio gritante
Elas não estão ali por acaso. Quando associamos uma determinada crença a um determinado contexto, e dali tecemos prospecções, buscamos dar algum sentido àquilo que nos surpreende. Temos uma dificuldade imensa de suportar o que não tem explicação – para atenuar essa angústia, fabricamos pressupostos, alegações, justificativas.
O mais absurdo é que, muitas vezes, produzimos mais provas para a condenação que para a absolvição. De nós mesmos, inclusive. As vozes da imaginação podem ser tiranas, impiedosas. Levam-nos aos nossos mais brutais cenários, os filmes de terror que mais tememos vivenciar.
E assim, para evitar o sofrimento, antevemos finalizações. Apressamo-nos diante do destino, que quase nunca se efetiva da forma imaginada. Vou jogar isso fora antes que nos gere problemas, pensamos. E assim nos livramos das oportunidades que tanto ansiamos, antes mesmo que elas gerem efeitos, positivos ou negativos.
Ou seja, tornamo-nos ao mesmo tempo o bebê no berço e a fada ingrata, que o amaldiçoa. Garimpamos ricos fatos que validem essas histórias. E esquivamos da pergunta, toda vez que ela se apresenta: você gostaria realmente que tudo isso fosse diferente?
Costumes nocivos
Nossa imaginação tem uma terrível aliada: o comodismo, uma preguiça para desconstruir realidades. Nossa pauta tende a acompanhar o já vivenciado, visualizado, temido. Estamos acostumados com nossas dores, e tememos que as próximas doam mais, ou doam de forma diferente. Tudo isso nos acovarda, e assim evitamos ter por medo de perder – eis o contrassenso: como perder o que já não temos?
De fato, só nos temos a nós próprios nesta vida. E isso, para muitos, é muito pouco. Imaginamos francamente redutos exteriores de felicidade. Sabemos bem dos nossos inimigos, declarados e inconfessos. Superestimamos o poder que têm sobre nós, enquanto nos vemos fracos e indefesos.
O mau pensamento age como veneno de aranha. Se não for inoculado em tempo hábil, corrói de dentro para fora. O mundo só sinalizará uma destruição já concretizada, e só poderá agir com aqueles que aceitam antídotos.
Há, porém, aquele que aprendeu a viver intoxicado, cujo sangue depende do veneno para circular. Mas que, devido à própria peçonha, esteriliza outras peçonhas. Seria injusto querer livrá-lo da única forma que encontraram de defesa.