Estou feliz por ter sido convidado a ser colunista do Jornal Santuário. Este é o primeiro artigo publicado por lá. Vida longa à parceria.
Clique aqui para ler o artigo no site.
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O Jornal Santuário de Aparecida me convidou para elaborar um artigo sobre compulsões alimentares. Está publicado na edição deste mês.
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Todo sintoma que se manifesta no corpo simboliza algo que a alma reclama. Ou seja, não há mal físico que não tenha sido originado na psique. Quando se observa algum distúrbio alimentar, essa relação fica ainda mais evidente: a silhueta se transforma para apontar algo que está em desacordo.
Na compulsão alimentar, costuma-se fazer associações simbólicas com o “apetite” desmedido que ali se apresenta. Os versos dos Titãs podem nos ajudar nessa hora. Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? Quais são as carências que esse corpo manifesta? Ou seria uma busca por sabores que gratifiquem a vida? A gente não quer só comer, a gente quer prazer pra aliviar a dor. Qual vazio está sendo compensado durante o comer? De qual problema se quer escapar? A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte.
Em geral, comedores compulsivos preferem alimentos de baixo valor nutricional, ricos em sabor, calorias e gorduras. Substâncias essas que deleitam o paladar e desencadeiam uma sensação de entorpecimento, mas que, como consequência, atraem para si o sobrepeso. O acúmulo de gordura, escudo natural contra as adversidades em eras primitivas, ganha na contemporaneidade uma nova configuração: é causa de menosprezo e rechaço. “Quem se ama não faz isso consigo mesmo”, diz o julgamento de muitos, impiedoso e indiferenciado.
Já vi pessoas que comiam compulsivamente pela falta ou excesso de vaidade; para se sentir forte ou na fantasia de se fortalecer contra um problema que acusa sua impotência. Em todos, percebi um traço comum: a dificuldade de enfrentar adversidades. O grande desafio no tratamento é o de ir além da patologia. Como ensina Jung, temos de enxergar o doente que está por trás da doença: um ser único, individualizado, com uma história que desembocou naquele momento, em que ele admite o problema e decide buscar ajuda.
Fui convidado pelo Jornal Santuário, de São Paulo, para colaborar com uma reportagem sobre vigorexia – a prática compulsiva de exercícios físicos em nome de um corpo musculoso. O papo rendeu e eles publicaram uma parte da entrevista que concedi.
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Levantar cargas pesadas, passar horas a fio na academia e olhar-se no espelho a toda a hora não é garantia de bem-estar físico e mental. Na verdade, esse quadro pode indicar uma situação exatamente oposta, especialmente entre os homens. Quando o tempo dedicado à musculação passa da conta, é bom abrir o olho: é possível que a pessoa esteja acometida por um transtorno conhecido como vigorexia.
Em resumo, é quando a pessoa, por mais massa muscular e força que possua, sempre pensa que continua magra e fraca. “Além disso, faz exercícios exageradamente, muito além do volume e intensidade ideais, procura usar suplementos sem orientação e recorre até a anabolizantes para atingir o resultado esperado, que nunca vem segundo a sua expectativa”, indica o especialista em Treinamento de Força e Musculação, Carlos Henrique Fernandes dos Santos Júnior.
Aí entra também a questão do culto ao corpo e dos padrões estéticos tidos como “ideais”. “A busca pelo ‘corpo sarado’ ganha destaque, levando os jovens à busca incessante por esse padrão de beleza. Mas nem sempre o ‘corpo escultural’ é sinônimo de corpo saudável”, adverte o mestre em Promoção de Saúde e pesquisador na área de Fisiologia do Exercício, Daniel dos Santos.
Já a doutora em psicologia clínica Dirce de Sá Freire é enfática: “Nossa cultura lipofóbica tem muita dificuldade de conviver com as diferentes formas de se estar no mundo. A tendência é que todos queiram ser iguais em tudo, sobretudo na força e na beleza que se acredita estar presente nos músculos. Como sempre, o problema reside no excesso”.
A receita é simples: querer ficar mais forte e bonito não faz mal, mas pode se tornar um problema quando a preocupação com a saúde fica em segundo plano. O corpo com mais músculos e menos gordura é o que a sociedade atual considera “bonito” e “ideal”. Aí não é difícil entender o porquê de os jovens, que vivem imersos em expectativas de aceitação, não queiram ficar para trás de seus pares. “Isso gera uma busca pela mesma aceitação, independentemente de comprometerem a sua saúde, seguindo uma alimentação e rotina de exercícios físicos excessivas, sem orientação e acompanhamento profissional”, alerta o professor Carlos Fernandes.
A literatura científica sugere que a prática de exercícios seja em torno de 30 a 60 minutos diários. Na academia, o instrutor/professor deve sempre orientar em relação ao treino, principalmente quando perceber que o aluno está fazendo exercícios extras, ficando mais tempo do que o orientado e tendo um crescimento muscular muito rápido em um curto período de tempo. “Nesses casos, se a orientação não adiantar, um acompanhamento psicológico será fundamental para reverter o processo”, esclarece Carlos.
Perfeccionismo e apoio
Sempre que a meta é a perfeição em alguma área, é preciso atenção. De acordo com o psicanalista junguiano e especialista em Dependências, Abusos e Compulsões, João Rafael Torres, a sociedade contemporânea está bem focada na busca pela saúde perfeita, e isso pode ser a “desculpa ideal” para confundir a obsessão com a dedicação pertinente ao bem-estar.
“A estética tem forte apelo numa sociedade pobre em valores humanitários. Isso está aliado a um imediatismo que pode levar jovens a uma suplementação que propicie um resultado mais rápido. O corpo é instrumento de expressão simbólica; assim, os jovens podem querer aparentar uma ideia de força, maturidade e beleza. Compensam assim a insegurança que habita o interior: a massa muscular dura e forte compensa e dissimula a instabilidade, fraquezas, inconsistência diante da busca por um sentido maior à existência”, avalia.
Nesse contexto, a família, os amigos e outros círculos sociais próximos têm papel crucial em auxiliar no diagnóstico e tratamento. “Todos esses agentes devem ter atenção plena ao perceber que a preocupação com o corpo tomou proporções excessivas. Como medir? Basta analisar o quanto esse assunto domina o discurso, quantas outras atividades foram comprometidas pela dedicação aos exercícios. O mesmo vale para a alimentação”, sublinha João Rafael.
Como as cobranças sociais costumam estar na origem desses transtornos é muito importante que os pais acompanhem os filhos para poderem avaliar a qualidade e a quantidade de exercícios que eles fazem. Também é fundamental encaminhar a pessoa para um bom psicólogo que possa ajudá-lo a rever as questões relativas a uma eventual distorção da imagem corporal.
O psicanalista junguiano e especialista em Dependências, Abusos e Compulsões (DACs), João Rafael Torres, concede entrevista exclusiva ao Jornal Santuário de Aparecida. Ele fala sobre a problemática da vigorexia.
Jornal Santuário – Quais são os principais sintomas que permitem diferenciar a vigorexia de uma busca sadia pelo bem-estar?
João Rafael Torres – O comprometimento gerado pela prática dos exercícios físicos ou pela busca de uma forma perfeita. A vigorexia engloba-se na classe dos transtornos obsessivo-compulsivos e, a meu ver, fala não só da busca pela força física, mas principalmente por um corpo que ostente esse atributo. Ou seja, por uma perfeição, e sempre que a meta é a perfeição em alguma área, devemos ficar atentos.
No entanto, a sociedade contemporânea está bem focada na busca pela saúde (perfeita, talvez) e isso pode ser a “desculpa ideal” para confundir uma busca obsessiva com uma dedicação pertinente ao bem-estar. Outro transtorno ainda pouco comentado também se faz presente nesse pensamento: a ortorexia, a busca pelo “comer bem”, que restringe altamente a vida de algumas pessoas. Podem, inclusive, surgir como neuroses complementares.
JS – Especialmente entre os jovens, quais costumam ser as principais pressões que desembocam em transtornos como esses
João Rafael – Mais uma vez, falamos em perfeição. A estética tem forte apelo numa sociedade pobre em valores humanitários. Isso está aliado a um imediatismo que pode levar os jovens a uma suplementação (anabolizantes, alimentação performática, etc.) que propicie um resultado mais rápido. E aí reside o grande risco: além do comprometimento psíquico, que já é danoso por si, a saúde do corpo também é afetada.
O corpo é um instrumento de expressão simbólica. Assim, os jovens podem querer aparentar uma ideia de força, maturidade (crianças e adolescentes não têm músculos definidos) e beleza. Compensam, assim, a insegurança que lhes habita o interior: ao adquirir uma massa muscular dura e forte, compenso e dissimulo a minha instabilidade, minhas fraquezas, minha inconsistência diante da busca por um sentido maior à existência.
JS – Com relação ao diagnóstico e tratamento, de que forma a família, amigos e outros círculos sociais podem auxiliar no processo de reconhecimento do problema e busca de solução?
João Rafael – Todos esses agentes devem ter uma atenção plena ao perceber que a preocupação com o corpo tomou proporções excessivas na vida de um indivíduo. Como medir? Basta analisar o quanto esse assunto domina o discurso, quantas outras atividades e dinâmicas sociais foram comprometidas pela dedicação aos exercícios. O mesmo vale para a alimentação: dietas excessivamente rigorosas, que não permitem “folgas” ou que, quando burladas, geram uma culpa severa, são indicadores de um comprometimento patológico.
Quando falamos em processos de Dependência, Abuso e Compulsão (DAC) pensamos que, na maioria das vezes, o problema é retroalimentado e/ou compartilhado por quem cerca o indivíduo que apresenta a patologia. Muitas dessas relações são inconscientes, mas altamente comprometedoras. Por esse motivo, se achar necessário, uma recomendação é que os demais envolvidos (que se sintam afetados pelo problema) também busquem ajuda especializada. Caso contrário, a dedicação do agente ativo da patologia pode ser boicotada ou afrouxada pelos demais – dificultando a recuperação. Infelizmente, a intervenção sobre os processos neuróticos ou psicopatológicos só se dá quando o comprometimento gerado por eles excede a fantasia inicial de controle. Ou, pior, quando o corpo é penalizado com sintomas físicos mais severos.
JS – De que forma os padrões de beleza ditados pela sociedade refletem em alguém que tem predisposição a desenvolver posturas vigoréxicas?
João Rafael – Podemos pensar na vigorexia como uma patologia sociocultural, visto que a medida do corpo perfeito muda de acordo com os contextos históricos, de civilização, etc. Ou seja, a perfeição desejada é copiada a partir de parâmetros que são apontados como modelos. Moda dos seios grandes, coxas e glúteos hipertrofiados. Moda dos homens depilados com peitoral e musculatura abdominal definidos. A mídia, nesse aspecto, é massacrante.
A televisão e as revistas valorizam ao extremo os corpos sarados, e isso acaba sendo o referencial do que é o belo e o certo – sendo que, à exceção dos atletas, ninguém consegue um corpo escultural a partir das atividades corriqueiras. No entanto, todos creem ter o potencial para adquirir esse corpo, custe o que custar. É importante perceber que o corpo dissolve qualquer tipo de critério socioeconômico. Assim, a suburbana sarada pode equiparar-se (ou até mesmo ultrapassar) a bem-nascida da zona sul. O jovem da periferia pode ganhar notoriedade ao mostrar uma barriga trincada e bíceps desenhados. E como muitas celebridades ascendem a esse posto somente por atender a esses critérios, todos (da classe A a E) veem na estética corporal a chance de notoriedade, de aceitação e promoção. Perdem, no entanto, a oportunidade de nutrir outros valores, que farão falta com o passar dos anos, quando o corpo não responder à altura a tais expectativas.
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