A partir do momento em que o homem crê em um deus, uma questão torna-se inerente: onde Ele viverá? A concepção que temos dessa força regente do universo está intimamente ligado ao lugar que designamos para que a divindade resida. Para quem O vê com distanciamento e respeito exacerbado, Deus morará em suntuosos palácios revertidos com ouro e diamantes. Há quem O enxergue na natureza: na simplicidade de uma flor, no vento forte que sopra ou na fêmea que pare. Outros O sentem sutilmente no silêncio, na força reveladora do acaso.
Ao edificar templos, o homem tenta reproduzir um local para que a divindade possa expressar, de forma mais plena, os mistérios e potências que representa. Pedras são consagradas como altares, edificações de arquitetura apontam para os céus, signos e pinturas marcam a presença de Deus. Dessa forma, fieis orientam a própria fé: canalizam nos santuários a possibilidade da iluminação e da salvação. Tentam estabelecer, dessa forma, o religare entre Pai (ou Mãe) e filho – a essência das religiões.
A Torre, o arcano 16 do tarot, é também chamado de “A casa de Deus”. A visão é um tanto assustadora: corpos que caem sobre uma edificação que rui, sob um efeito de um raio que corta o céu. Algo bem diferente da placidez que imaginamos. Interpreto a carta como o fim das ilusões, daquilo que foge à essência. A carta traz referências ao mito bíblico da Torre de Babel, que, visando alcançar o céu, despertou a ira divina. Quando essa carta nos chega (ou quando chegamos à suposta casa de Deus), as aparências e superficialidades caem por terra e revelam o que temos de mais puro e singelo – representado pela Estrela, o arcano seguinte.
Entre os neurocientistas, Deus mora no lobo temporal. Em estudos promovidos com religiosos e ateus, constatou-se que essa é a região cerebral que mais trabalha quando estamos em momentos de contemplação fervorosa ou durante os processos meditativos. Deus (ou a crença que temos n’Ele) também estimularia a amígdala e, com isso, promoveria uma descarga de energia no sistema límbico – que rege nossas emoções e sentimentos. O neurologista e pesquisador indiano Vilayanur Ramanchandran garante que nascemos equipados com um “hardware da fé”, ou seja, somos inerentemente impelidos a crer no inexplicável, no transcendente. Estudos brasileiros feitos com médiuns também encontraram uma pista de Deus na hipófise: os sensitivos têm uma incidência maior de cristalização na glândula-mestra, com profusão desses cristais entre aqueles que têm uma vivência prática da espiritualidade.
A ciência também é capaz de provar que o pensamento é facilitado entre aqueles que têm fé. Desta vez, por conseqüência da ativação do circuito frontopariental do córtex cerebral. Crer em algo, seja lá onde esse algo estiver, pode nos oferecer soluções mais claras para os problemas.
Toda essa nomeclatura é uma novidade desnecessária para a grande maioria das pessoas que acreditam em Deus. Com ou sem ciência, Ele está presente e atuante. Para Jung, esse sentimento é resultado da cultura: enquanto se diferenciava dos animais pela reflexão, o homem acabou criando uma imagem divina interior, a Imago Dei. Esse foi um dos conceitos fundamentais para a formatação da Psicologia Analítica. Jung dizia que era impossível comprovar a existência de Deus, mas que era inegável o papel que a Imago Dei tinha para o desenvolvimento psíquico do indivíduo. As referências de Deus (ou a falta delas) têm intensa participação na forma como cada um enxerga a vida e o mundo. Nelas, encontramos sentido para a manutenção da vida.
Essa Imago Dei teria uma relação direta com o princípio de unificação dos conteúdos psíquicos. Ela representa, ao mesmo tempo, o centro e o todo – representado graficamente a partir das mandalas. Esse tipo de imagem se manifesta espontaneamente em praticamente todas as culturas, no decorrer dos anos, desde eras mais remotas. O círculo é a representação primária da divindade: em constante expansão, sem limites, sem começo e sem fim. Jung estudou as mandalas por anos a fio e concluiu que nelas temos o símbolo mais claro da eternidade e da síntese. Ou seja, daquilo que chamamos de Deus.
O curioso é que a estrutura das mandalas se manifesta em simplesmente tudo o que conhecemos: pegue um fragmento de qualquer matéria (mineral, animal ou vegetal, não importa) e a submeta a uma daquelas poderosas lentes de aumento usadas em análises químicas. Seja qual for a substância analisada, lá estará revelada uma belíssima mandalas, elaborada com uma infinita riqueza de detalhes. Seria uma prova da onipresença divina?
Na Bíblia, temos o anúncio de que a casa do Pai tem muitas moradas. Em Lucas, Jesus ensina onde se encontra o verdadeiro reino de Deus: “Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós”. Garimpar a presença da divindade é inútil quando não nos dispomos a sentir a Sua potência. Não importa saber o endereço de Deus – certamente ele não pára em casa. Ele está sempre com você.