As dores do amor são queixa recorrente a todos que exercem uma função de cuidador. Queixas pela incompreensão, pela falta de comprometimento, pela dedicação não correspondida, por comparações entre o gostar… Em muitas histórias, o amor dá lugar com facilidade à dominação: uma vítima, um algoz. Ambos, sem perceber, apreendidos por uma dinâmica perversa, na qual o poder prevalece.
Podemos classificar um relacionamento como algo destrutivo quando compromete o bem estar de, ao menos, um dos integrantes. Esse dano pode ser físico, psíquico ou moral. Como a dor e a humilhação são valores subjetivos, é a medida de cada um que dirá se a relação se transformou em algo danoso ou não. Uma palavra, ou até mesmo uma negligência, pode levar a um comprometimento semelhante a uma agressão física, a depender da fragilidade de quem a recebe. O respeito é o balizador: quando as crenças, o espaço ou a integridade do(a) parceiro(a) é violado, podemos pensar que a relação está onerando mais que acrescentando. É preciso questionar se deve ou não seguir em frente.
Nessas questões, a mulher parece ser sim o sexo (mais) frágil. Elas são, cultural e historicamente, mais vulneráveis a relacionamentos destrutivos. Diversos fatores podem participar dessa realidade. A entrega desprendida aos relacionamentos é mais comum às mulheres. Além disso, elas geralmente nutrem mais expectativa para uma felicidade conjugal. No entanto, o sofrimento feminino é mais perceptível já que elas tendem a assumir com mais facilidade as dores provocadas por uma relação distorcida.
Homens, culturalmente, são estimulados a sofrer solitariamente, dissimulando a dor numa imagem de inatingibilidade. Felizmente, esse quadro tem se transformado. A dor sufocada tem dado lugar a homens que reconhecem a profundidade da ausência feminina e buscam auxílio especializado para curar o dano de amores adoecidos. Em geral, a queixa masculina está focada no ciúme excessivo das companheiras e na traição. Eles também se ressentem da dificuldade no diálogo: sentem-se incompreendidos e desacreditados pelas mulheres.
Ao assumir um papel de dominação em um relacionamento, o indivíduo busca uma compensação inconsciente para falhas ou impotências existentes em si. Quer mostrar que, ao menos ali, é “forte” e capaz de dominar. Um chefe ostensivo, ou uma família opressora e demandante, podem despertar essa necessidade de “desforra”. E, ao se deparar com um alguém de personalidade frágil, poderá encontrar a oportunidade da autoafirmação.
Esse tipo de relação se fundamenta em projeções: o outro não é visto como é verdadeiramente, mas sim como o indivíduo quer (ou consegue) enxergá-lo. Um bom exemplo está nos casos de ciúme patológico: mesmo que não exista nenhum indício, o ciumento “verá” uma potencial traição em gestos corriqueiros, sem nenhuma carga afetiva ou sexual. Denuncia, assim, a insegurança que sente. A inteligência e a perspicácia poderão elevar o grau de violência psíquica estabelecida na relação: em vez da brutalidade física, o agressor buscará ataques mais refinados, que lesam o outro de dentro para fora.
Apesar de tanto dano, muitas “vítimas” não conseguem se desatrelar de histórias tão complicadas. Em geral, a baixa autoestima é o que leva a uma vinculação tão profunda a companheiros(as) dominadores(as). Falo aqui não só da questão da aparência, mas principalmente dos valores que cada um carrega sobre si. Um indivíduo que não consegue reconhecer as próprias potências e virtudes tende a querer encontrar tais valores em uma relação. Esse relacionamento tende a ser supervalorizado. No entanto, fatores inconscientes levarão tal indivíduo a se atrelar a alguém que corrobore esse défict na autoestima – busca-se alguém que faça com que a sina, as velhas crenças, se cumpram.
Nesse aspecto, o histórico familiar é imprescindível para entender essa distorção de valores, pois é nas relações parentais que aprendemos o “modelo” de relação a seguir, a forma de amar. Por exemplo: a filha de uma mulher que tenha se submetido excessivamente ao masculino tenderá a buscar homens que repitam esse mesmo padrão de comportamento; ou poderão caminhar ao outro extremo, assumindo o papel de “mulher forte”, que se impõe excessivamente sobre o masculino – ou seja, buscará homens vulneráveis. Assim, a dinâmica abusiva será mantida, mais uma vez, de forma compensatória. Essa é uma triste realidade: dinâmicas afetivossexuais marcadas pela relação de imposição tendem a se repetir. Por esse motivo, é comum encontrar pessoas que repetem o mesmo script afetivo com diferentes parceiros(as).
Fazem isso pois todo relacionamento, por mais doloroso e destrutivo que possa parecer ser, é mantido pela cumplicidade e por ganhos recíprocos. Mesmo que esse ganho seja o do papel de “vítima” – um reconhecimento que privilegia o indivíduo com a atenção dos demais. Além disso, a insistência do(a) parceiro(a) pode ser interpretada como sinal de extrema valorização – a grande realização para quem sofre com problemas de autoestima. Obviamente, uma gratificação torpe, pois pouco acrescenta em valores a cada um dos envolvidos. São sim relações simbióticas, de extrema dependência. Em geral, cheias de expectativas de um futuro melhor – mesmo que os fatos gritem o contrário. Entre elas, a fantasia de conseguir a regeneração do outro.
No entanto, temos de pensar que qualquer movimento psíquico tem por finalidade devolver um sentido maior à existência. Qual seria o aprendizado inerente a esse tipo de relação, fadada à decepção? Para algumas pessoas, essa é a oportunidade de ressignificar a autoimagem, a partir de um fortalecimento dos próprios valores. A estratégia mais eficaz para o desenvolvimento de uma relação saudável é reconhecer e transformar velhas crenças. Potenciais dominadores estarão sempre disponíveis para encontrar novas presas. Mas só será vulnerável a essa investida quem não cultiva o respeito por si.