Self

Outras Ondas – Como as pessoas se juntam

Acima de nossas cabeças, um enorme emaranhado se desenha. São linhas imaginais, teias energéticas, que constituem uma interessante configuração: as relações que estabelecemos com nossos amigos. Nunca sabemos como elas se formam. Quando menos percebemos, já estamos enlaçados. Amigos nos geram compromisso, com eles e conosco. Mas é uma demanda boa: a partir deles nos tornamos pessoas mais interessantes, mais receptivas e, principalmente, mais realizadas.

Virou clichê dizer que as amizades constituem a família que escolhemos, o povo eleito para compartilhar nossas alegrias e dissabores. Mas é assim mesmo. O preço inestimável de uma amizade é capaz de nos propiciar uma série de bons atributos, dos quais tanto anseia a nossa alma: o pertencimento, a reciprocidade, a identificação. Combatemos, com eles, o sentimento de solidão, inerente à condição de humano.

Geralmente, as amizades não são programadas convencionalmente. Não as leais. Estas se manifestam de forma espontânea. De uma simples combinação de gostos ou necessidades, evolui para uma complexa troca. Quando a amizade é sincera, ficamos meio que misturados. Percebemo-nos pelo outro. Não fazemos nenhuma resistência às contaminações afetivas: comemoramos juntos, compramos brigas que nada nos dizem respeito, convivemos com o silêncio da cumplicidade, sem que o mesmo nos traga nenhum tipo de constrangimento. Amigos verdadeiros são capazes de antever nossas vitórias ou derrotas, percebem o que somos ou como estamos de uma forma particularmente subjetiva. O entendimento é imediato, como em uma intuição.

Não que uma amizade só exista onde não há divergências. As mais produtivas, inclusive, são aquelas que nos levam a novos pontos de vista, que embargam nossas tentativas de sermos igualmente nocivos a nós mesmos. A discussão, com sinceridade de propósitos e maturidade, leva ao crescimento de ambos. Afinal, a verdadeira amizade é feita entre pares – e não entre mestre e discípulo, ou coisa que o valha.

É natural que, ao longo da vida, troquemos de amizades, assim como trocamos de gostos e de prioridades. A vida presente faz com que um ou outro fio, dos que pairam em nossa cabeça, se sobressaia aos demais. Há amigos que se enciúmam com isso – mal sabem que nunca serão perdidos ou trocados. Se a amizade é real, eles não sumirão do repertório, apesar de um afastamento forçado por caminhos dissonantes. Bastam alguns minutos para que a velha postura de intimidade se reestabeleça. (Essa tal intimidade, convém ressaltar, é mais resultado do afeto que do tempo: amizades não se contam com anos, e sim com a capacidade de transformação que são capazes de propiciar).

Uma vida sem amizades é uma vida empobrecida. Dinheiro e trabalho não substituem amigos. Namoros e casamentos, também não. Nem mesmo os livros e discos. A melhor forma de preenchermos o que nos consome é a partir da diversidade humana. Histórias de gente, sabe? E, como profissional de ajuda, percebo que os relatos, quando contados por amigos, chegam diferente nos meus ouvidos. A imparcialidade dá lugar ao desejo imenso de querer oferecer algo, seja gargalhada, abraço ou bronca. Amigos nos desconcertam quando nos revelam o quanto deles dependemos, o quanto nos completam, como é bom se sentir e ser sentido.

Há quem se ressinta da falta de amizades, ou de uma baixa competência para conquistá-las. A estas pessoas, o que talvez falte seja a coragem para se enfrentarem. Os amigos, assim como os inimigos, são as nossas melhores possibilidades para encararmos o que somos, no que pensamos e como agimos. São a prova viva de que o pilar que sustenta a vida humana é a relação.

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