Dou prosseguimento à série mensal sobre os orixás com a família real de Ijexá: Oxum, dona das águas e do ouro, e Logun, o filho dileto, príncipe encantador.
É a mulher fecunda, de beleza voluptuosa, rainha das terras africanas de Ijexá. Considerada a mais bela entre os orixás, é dona de todas as riquezas, especialmente do ouro – cor que predomina em suas vestes e ornamentos. Oxum é doce em sua voz e gestos, gosta dos rebordados e renascenças, com os quais nutre uma de suas principais características: a vaidade. Tanto que o seu principal adereço é o espelho dourado. Luta, no entanto, contra o sobrepeso – fruto do culto ao prazer da mesa, especialmente dos doces. Tem apreço pela moda e ousa, criando tendências. É a mulher que mais se banha, que mais se cuida e mais se perfuma. Está associada às águas doces e límpidas – nascentes, lagos, rios calmos. E os sábios garantem: tome cuidado com águas paradas, elas escondem riscos sem demonstrá-los…
Oxum tem a generosidade entre as suas virtudes. É uma anfitriã nata, com requinte e diplomacia. Mas não esconde de ninguém que também gosta de ser bem servida. Tem seus gostos e sabe garanti-los, mesmo que, para isso, use de um quê de manipulação. As lágrimas robustas são usadas para demonstrar a sensibilidade exacerbada, mas também para dobrar aquele que se mantém resistente diante de seus caprichos. Oxum tem o dom da visão, é mística por natureza. Suas profecias soam como sinas para os mais medrosos. Apesar de gostar do conforto e da tranqüilidade, não foge das tarefas que lhe são atribuídas. É guerreira e caçadora – mas só quando há necessidade, prefere mesmo é cuidar da casa e de si própria.
Como a mais fecunda, Oxum assume o papel da mãe que gera, que procria. A gravidez e a amamentação são as fases que mais a marcam. A privação desses papeis por qualquer circunstância soam como elemento de frustração. Protege os bebês. Oxum é seio que alimenta, doce cuidado que transforma sua companhia (e proteção) em privilégio.
Do romance entre Oxóssi, o mais astuto e perspicaz, com Oxum, a mais bela, nasce o grande príncipe dos orixás: Logun, ou Logunedé – este último, com referência ao título de caçador. A natureza de Logun engloba características essenciais de ambos. Isso é representado miticamente pela natureza andrógena do orixá: durante seis meses do ano, ele é mulher e mora no fundo dos rios com a mãe; no restante, é homem, mora na mata e vive da caça, junto com o pai. Eis o motivo de um dos seus principais símbolos: a balança em equilíbrio.
Logun é o deus menino, o arquétipo do puer aeternus, o que se nega a crescer. Logun é aquele que cativa sem esforço, é naturalmente envolvente. Seduz com um quê de inocência, mobilizando homens e mulheres. É um pavão. Eloquente e fantasioso, é companhia agradabilíssima, dificilmente acumula inimigos – quem o desaprova é por pura inveja. E assim consegue manter-se no centro, nutrido pelo mimos dos demais. Mas basta tentar deslocá-lo desse eixo para que percebamos uma parcela de egoísmo que o compõe. Logun é ciumento, possessivo e, como uma boa criança que é, faz birra para ter a vontade atendida. Mas até assim ele se transforma em algo gracioso.
Logun é determinado, sincero, perfeccionista e gosta de uma boa polêmica – não dispensa uma fofoquinha. Joga com a dualidade que lhe é peculiar. É o cavalo marinho – metade cavalo, metade peixe. Mas nem sempre vencem os conflitos internos: são cheios de dúvida e, apesar da casca de determinação, muitas vezes se sentem superficiais, inconstantes e indecisos ao extremo. No entanto, tudo isso é compensado com seus dengos e tiradas inteligentes. O prazer de Logun pela vida faz com que ela valha a pena.