Self

Para que serve um sonho?

Com o que você sonhou ontem? Para muitas pessoas, a resposta a essa pergunta é bem simples: não lembro ou simplesmente não sonhei. Para outro tanto, o dia ganha um sabor especial ao tentar, logo pela manhã, decifrar o sentido oculto nas imagens oníricas. Esses encontram no sonho um norteador de caminhos, um esclarecedor de mistérios ou simplesmente uma fonte de inspiração para os sonhos – agora no outro sentido da palavra, o daquilo que almejamos para a vida.

A ciência comprova que, lembrados ou não, os sonhos povoam nossa mente cada vez que atingimos um ponto de sono profundo. É o chamado estado REM (Rapid Eye Moviments), que experimentamos em média cinco vezes a cada noite dormida. A partir de exames neurológicos, pode-se perceber uma intensa atividade cerebral durante esse momento – curiosamente, “acendem-se” áreas pouco usadas durante a vigília.

No entanto, um fator não é explicado: como é feita a seleção das imagens que nos povoam enquanto sonhamos. A tentativa de desvendar esse mistério, que intriga o homem desde o início da civilização, é um dos pilares da Psicologia Analítica, criada pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung. Para ele, os sonhos são fotografias fiéis do dinamismo psíquico: ou seja, a partir deles, podemos ter uma percepção clara dos afetos que nos povoam, dos complexos que nos regem e também das estruturas que carecem de desenvolvimento.

Em A natureza da psique (Ed. Vozes), Jung atribui aos sonhos cinco funções básicas. A primeira delas é a compensadora, compartilhada por Sigmund Freud. A partir dela, podemos entender os sonhos como um mecanismo psíquico para compensar desejos, frustrações e expectativas da vida, de forma a apresentar ao sonhador, por alusões, “todos aqueles pontos de vista que durante o dia foram insuficientemente considerados ou totalmente ignorados”, ensina. Dessa forma, o sonho “completa” o conteúdo que a consciência já abarca.

A segunda função é a prospectiva. O sonho oferece indicativos diferentes daqueles que a consciência, naturalmente limitada, é capaz de captar. É a parcela educativa do sonho: ele capacita para que solucionemos conflitos, amplia a visão de forma melhorada. Por outro lado, temos na função redutiva o contrário: há sonhos que surgem como elementos questionadores, cuja função é de destituir qualquer imagem já construída na consciência sobre determinado aspecto. Nas palavras de Jung: “O sonho redutor tende, antes, a desintegrar, dissolver, depreciar e mesmo destruir e demolir”. Ele acrescenta que o efeito desses sonhos não é necessariamente aniquilador, mas funciona como um questionamento diante de ideias e conceitos falaciosos. “Esse efeito é muitas vezes altamente salutar, porque afeta apenas a atitude e não a personalidade real.”

Os sonhos ainda podem funcionar como respostas reativas diante de acontecimentos da vida lúcida. Quando uma determinada experiência nos afeta de forma impactante, o inconsciente tende a repeti-la em imagens oníricas até que todo o conteúdo possa ser prontamente assimilado. Essa temática é bastante comum após vivências traumáticas. É como se assistíssemos pedaços de um mesmo filme várias vezes até compreendê-lo por inteiro.

Por último, Jung classifica a função mais controversa – e também certamente a mais curiosa – que os sonhos podem estabelecer: a telepatia. As experiências dos sonhos premonitórios, ou telepáticos, falam por si. Somente quem pôde tê-los sabe descrever o quanto eles podem inspirar em fascínio ou temor. Eles são a prova cabal para que entendamos que as fronteiras do tempo e do espaço são limitadores à consciência, e não ao inconsciente. Este, vive sob a ausência de uma linearidade de acontecimentos. A mesma lei que justifica a capacidade que temos de, em instantes, lembrarmos com nitidez de eventos ocorridos há décadas serviria para explicar os lampejos de futuro experimentados durante o sono.

Além de qualquer teoria, o olhar sobre os sonhos torna-se um poderoso instrumento de autoconhecimento e de busca pelo caminho pessoal. Observá-los com atenção, rigor e respeito (uma das funções no processo da psicoterapia junguiana) é um exercício contínuo para que possamos almejar ao amadurecimento do Ser.

nivas gallo