Crédito: Metrópoles/Globo/João Miguel Junior
Por ao menos uns 30 anos, do que me acusa a memória, vejo José Mayer na televisão no papel de galã. Bonito ele nunca foi, mas foi entronado como ícone da masculinidade: o macho sedutor, com voz firme e assertiva, olhar intimidador, “homem de verdade” – ouvi diversas vezes de diversas mulheres.
Isso constituiu um senso comum nacional. Já passa da casa dos 60 e ainda desbanca seus sucessores nessa função de Don Juan. Por quê? Era o desejo da audiência, que gostaria de vê-lo sendo o que sempre foi. O papel de vozinho amável, ou de homem frágil, não lhe cabe. O do devorador, sim, como uma luva.
Este não é um texto de condenação ou absolvição. Não é o meu papel. Uso apenas uma história notória para ilustrar como parimos nossos mitos. E, principalmente, para alertar sobre o quanto acreditamos nas ilusões que construímos. Especialmente quando estas são reforçadas pelo coletivo.
Todos buscamos papéis a desempenhar. Tendemos a dar mais ênfase àqueles que nos oferecem mais gratificação. Galã, mãe, cuidador, sábia, animadora, disciplinador, etc. Tudo isso é bom, válido e precisa ser exercido por alguém, em algum momento. Não por você, o tempo todo.
Mayer provavelmente se sentia habilitado a cantar qualquer mulher, em qualquer circunstância, e a acreditar que tal gesto (por mais agressivo que fosse) seria interpretado com lisonjeio. Afinal, era ele – o fiel representante do arquétipo do machão brasileiro, aprovado, corroborado e retroalimentado gerações após gerações, por nós, brasileiros.
A mea culpa do ator é coerente, quando aponta para um sentimento de confusão, de inadequação. Mayer errou, e reconhece isso. O machão brasileiro que o habita, não. Este não pedirá desculpas, pois não se sente em erro.
O tempo dirá se a discussão que esse evento gera, ou repete, renderá um legado. Afinal, para isso servem os mitos: para que a experiência vivida por uns evite o sofrimento dos próximos.