Crédito: Metrópoles
Temos 26 letras para compor palavras. A última versão do mais popular dicionário brasileiro lista cerca de 500 mil palavras em língua portuguesa. Hoje, estima-se que esse número passe de 600 mil. Temos emoticons, que sintetizam em imagens simples um bocado das coisas que queremos dizer. Tudo isso fora o olhar, a entonação, a pausa, os sinais de pontuação. Não faltam recursos de expressão, e ainda optamos pela saída mais perigosa: o subentendido.
Em geral, a boca se cala para não magoar. Acha que, ao falar, gerará no outro a resposta do afastamento, da tristeza, do sofrimento. Teme perder o bem-estar que, muitas vezes, já não tem. Ou então não diz para não se expor. Não quer comprometer-se com a realidade que se apresenta. Não quer ter de responder pelas repercussões que ressoarão a partir daí.
Enquanto a boca se fecha, uma porta nefasta se abre. Dela, escapam três males. O primeiro é a maledicência. Quando o outro não se pronuncia, muitas vezes nos vemos no direito de definir por ele. E daí damos a nossa versão da história. Sustentamos como se fosse absoluta – por mais que me atenda, não temos esse direito. E, com isso, propagamos uma onda negativa, errada, que não esclarece. Justamente o contrário: turva ainda mais o conflito, dificulta a solução.
Omissão e abuso
Quando o silêncio é nosso, a porta se abre novamente. Damos espaço para a malícia, municiamos o outro com a capacidade de intervir, maleficamente, sobre nós. Omitir é viabilizar o abuso, a intromissão, a permissividade. Fazer isso é mostrar que não gostamos de quem somos, ou que não estamos convictos das nossas escolhas.
Por último, o mais comum e mais perturbador dos males: o mal-entendido. Um berra em grego, e ignora que o outro só fala latim. O desentendimento aparece quando não se sabe conciliar as linguagens individuais, mesmo que se concorde com o teor do que é discutido. “Não era isso que eu queria dizer.” Só falamos isso quando, na verdade, fomos econômicos demais na nossa tentativa de transmitir ao outro o que se passa na mente e no coração.
Daí cada um interpreta o silêncio a partir do seu repertório de vida. E, geralmente, nessas horas são as cicatrizes que conduzem as sinapses: as memórias das dores, as decepções sofridas, as ausências com as quais se conviveu. Não usamos a venda da justiça para a situação. Olhamos com os velhos olhos, que estão viciados em enxergar de uma determinada forma.
Silêncio de ouro
Por essa razão, devemos lembrar sempre que somos parcialmente responsáveis pelo que dizemos, mas jamais teremos certeza sobre o que o outro entenderá. Falo em responsabilidade parcial pois, na dinâmica psíquica, a consciência é sempre menor diante das forças que emanam do inconsciente. Mas não vale usar esse argumento para tentar desdizer, ou justificar o silêncio: é nosso dever manter a gerência dos nossos atos.
Toda comunicação depende de argumentos, e argumentar é uma arte que se inicia com a escuta. Não adianta querer impor a sua verdade se não souber cerrar os lábios enquanto a do outro se apresenta. Esse, sim, é o silêncio de ouro. Escutar é o que nos pluraliza os idiomas emocionais, que serão úteis conversas mais difíceis. Aí fica fácil entender o provérbio que diz que a verdade cabe em qualquer lugar. E cabe mesmo. Por mais dura que seja, ela envenena menos que qualquer ilusão.