Psique: “Será que eu preciso de análise?”, questões que levam pessoas ao divã
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1. “Lutei muito para chegar aqui, mas acho que não mereço desfrutar desse bom momento, uma vez que meus parentes não alcançaram o mesmo êxito.”
Moça, você precisa de análise. Como você disse, não foi sorte ou desonestidade que levaram você ao êxito – e sim o seu próprio esforço. Não vou questionar o fracasso da sua família (essa questão fica para eles), mas você não precisa se culpar pelo sucesso, e sim recompensar-se com ele.
2. “Quando vi, já tinha comido a geladeira toda, bebido o que tinha em casa. Mas não estou fazendo mal a ninguém e posso parar assim que quiser.”
Moço, você precisa de análise. Hábitos compulsivos e autodestrutivos falam de uma dificuldade para encontrar algum sentido para a vida. Não tente normalizar aquilo que já foge do seu controle.
3. “Não é possível que não reconheçam meu talento, enquanto promovem aquela pessoa estúpida.”
Moça, você precisa de análise. Quem precisa reconhecer o tamanho do seu talento é você mesma. De duas, uma: ou você não é tão eficaz como imagina, ou não está valorando seu potencial e se mantém atrelada a um lugar que não lhe respeita. Vamos refletir um pouco sobre uma decisão a tomar, em vez de apenas reclamar?
4. “Cada vez que fulano posta uma foto, fico mal. Queria trocar com vida com ele, nem que fosse por um dia. Por aqui tudo é meio sem graça”.
Talvez fulano dissimule melhor os problemas que enfrenta. Estabelecer redes sociais como parâmetro de bem estar é uma ilusão: os filtros farão sempre a vida do outro mais interessante. Será que você deve levar isso tão a sério? Qual a falta que gera seu sofrimento hoje? Moço, vamos agendar um horário?
5. “Vivo para meus filhos, com prazer. Não gosto nem de pensar no dia em que eles saírem de casa.”
Moça, você precisa de análise. Anular-se tem origens em uma baixa autoestima, e principalmente numa expectativa projetada sobre o outro. Uma hora, seus filhos deixarão de depender de você. Ignorar isso é abrir uma porta para o adoecimento – físico ou psíquico, muitas vezes usado para que eles se sensibilizem e devolvam os cuidados que você os empenhou. Melhor prevenir.
6. “Quero procurar um feiticeiro para que minha namorada não deseje outro homem.”
Moço, você precisa de análise. Nada contra o feiticeiro, mas achar que é normal querer anular a vontade de outra pessoa, a seu bel prazer, parece não ser uma boa. Não sei se é uma questão de autoestima baixa (afinal, vovó já dizia “quem não me quer não me merece”), ou de egoísmo exacerbado (quem é você para achar que merece controlar alguém?). Ou das duas coisas juntas.
7. “Tenho dedo podre, não arrumo ninguém que preste, não tenho sorte no amor”.
Será que você quer mesmo se relacionar, e lidar com todas as renúncias que isso gerará? Seu grau de tolerância para o outro está satisfatório? Você está disposto a mudar, a acessar os seus lados mais contraditórios? A desarmar-se da competição, a compartilhar, a confiar? Acho que você já sabe, né?
8. “Análise é uma besteira, pagar para alguém me ouvir e sequer dizer o que devo fazer? Já tenho amigos. Ninguém é capaz de determinar o que é melhor para minha vida.”
Concordo com esse final, moça. Mas, sim, você precisa de análise. Seu discurso soa um tanto rancoroso, parece que perdeu a crença no outro. A análise vai além de uma conversa: nela, exercitamos a escuta e a reflexão. Por exemplo, percebemos quantas oportunidades desperdiçamos, ou quanto insistimos em erros, além de entendermos sobre a força do inconsciente no nosso cotidiano.
9. “Sou analista e não preciso mais disso. Leio muito e, com isso, consigo entender plenamente dos meus problemas, controlar as situações.”
Jung nos diz que a teoria é fundamental, mas que ela não deve matar a sensibilidade. Pelos olhos do analista, entramos em contato com personagens internos, até então desconhecidos. Este outro olhar nos ajuda, inclusive, a escaparmos da inflação: a fantasia de que estamos acima do bem e do mal. Moço, talvez você seja dos que mais precisam.
Psique: Estar bem não é uma obrigação. Compreender isso é amar
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Fui assistir na segunda-feira ao filme “Julieta” (na foto acima), de Almodóvar. Ele é sempre um prato cheio para quem gosta de explorar as questões do psiquismo. Mas desta vez a coisa não vem como sempre, com o surrealismo das “cores de Almodóvar”, como diria a Calcanhotto. Vem de forma sutil, comum. Vem de uma forma tão direta, tão imediata, tão real.
Não pesquisei para saber de onde partiu a inspiração da obra, nem de qual fragmento de história ela fala. Não foi necessário. A arte de Almodóvar fala daquilo que me chega todo dia à porta, algumas vezes por dia. Entram no meu consultório diversas Julietas, que, por diversos motivos, abandonaram-se.
Depressão, culpa, expectativas familiares, heranças malditas. Vidas transferidas em prioridades alheias. Silêncios, muitos silêncios. Temas que já apareceram por aqui, nesta coluna. Outras que ainda não se apresentaram, mas que chegarão no momento oportuno.
Quando é esse momento? Quando consigo penetrar neles, come-los, deixar-me invadir por eles. Daí eles me inquietam, perturbam, desassossegam. E daí nasce um texto.
Flexibilidade
Foi assim ao assistir Julieta. A meu ver, a história trata da compaixão. Da mais difícil das compaixões. A que precisamos ter com quem, por motivos de força maior, não nos partilhou sua realidade. Na maioria das vezes, para nos poupar daquilo que são, somos – das misérias que nos corroem.
Acreditamos, injustamente, que o outro deve ter a nossa medida. Ignoramos, de forma egoísta e cruel, as circunstâncias. Dizemo-nos acolhedores, mas só damos pouso àqueles que se deixam moldar a nosso gosto.
Assim como no mito grego de Procusto, que adaptava os hóspedes à sua cama de ferro: quando altos, cortava-lhes o excesso para que coubessem no móvel; quando menores, esticava-lhes o corpo até que a ocupassem inteira.
Somos mais rigorosos que a própria realidade (que já não é mole) e assoberbamos o outro com cobranças do que ele deveria ser. Sem antes percebermos o fardo de serem quem são. Muitas vezes, a crueza da vida é a única medida que encontramos para dar limite a esse olhar severo. “Agora eu sei o que você passou”, fala o nosso constrangimento. Às vezes redime. Em outras, é tarde demais.
A vida negada
Só experimentamos o verdadeiro amor quando, mesmo que com muita dificuldade, conseguimos ir além das nossas expectativas e suportamos o outro da forma como ele verdadeiramente é. Confundimos ausência com maldade: achamos que o outro não nos entrega o que julgamos sermos merecedores. Quando, de fato, ele não tem a dar. Nem para si próprio.
O histórico familiar de depressão que o filme apresenta poderia ser simplesmente explicado por fatores biológicos sucessivos, transmitidos por algum gene. Mas a hereditariedade melancólica de Julieta decorre do convívio com a ausência, com o medo do abandono, com a incapacidade de estabelecer uma relação simpática com o outro.
Mais uma vez, o epicentro da dor está na relação. A incapacidade de perceber o outro em suas necessidades. De respeitar-lhe o silêncio, percebendo o que é dito em cada respiração. De entender, no recolhimento do desejo, a necessidade de uma alma, que rompe espaços nas cascas rijas da moral para se fazer brotar. De pressupor que do lado de lá é tão difícil como é do lado de cá.
Psique: Nutrir uma imaginação tóxica é limitar as chances de uma vida melhor
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Ah, a nossa cabecinha… A ela, tudo devemos. Nela, entretanto, encontramos nossa perdição. A capacidade de produzir realidades irreais é o grande trunfo do homem. Poderia ser o mote de compreensão para tudo aquilo que é intangível – como acontece no campo das artes. Mas, quase sempre, optamos pelo esporte: o esforço para mostrar a capacidade que temos de ir além daqueles que elegemos como oponentes.
Nisso, falas ganham interpretações. Silêncios também. Desconfiamos, argumentamos, brigamos e fazemos as pazes – tudo isso somente ali, solitariamente, da santa cabecinha. Assim construímos mitos entre nossos semelhantes, engrandecendo-os. E condenamos os que surgem como opositores. Criamos, criamos muito. E não nos damos conta do peso das nossas fantasias.
Silêncio gritante
Elas não estão ali por acaso. Quando associamos uma determinada crença a um determinado contexto, e dali tecemos prospecções, buscamos dar algum sentido àquilo que nos surpreende. Temos uma dificuldade imensa de suportar o que não tem explicação – para atenuar essa angústia, fabricamos pressupostos, alegações, justificativas.
O mais absurdo é que, muitas vezes, produzimos mais provas para a condenação que para a absolvição. De nós mesmos, inclusive. As vozes da imaginação podem ser tiranas, impiedosas. Levam-nos aos nossos mais brutais cenários, os filmes de terror que mais tememos vivenciar.
E assim, para evitar o sofrimento, antevemos finalizações. Apressamo-nos diante do destino, que quase nunca se efetiva da forma imaginada. Vou jogar isso fora antes que nos gere problemas, pensamos. E assim nos livramos das oportunidades que tanto ansiamos, antes mesmo que elas gerem efeitos, positivos ou negativos.
Ou seja, tornamo-nos ao mesmo tempo o bebê no berço e a fada ingrata, que o amaldiçoa. Garimpamos ricos fatos que validem essas histórias. E esquivamos da pergunta, toda vez que ela se apresenta: você gostaria realmente que tudo isso fosse diferente?
Costumes nocivos
Nossa imaginação tem uma terrível aliada: o comodismo, uma preguiça para desconstruir realidades. Nossa pauta tende a acompanhar o já vivenciado, visualizado, temido. Estamos acostumados com nossas dores, e tememos que as próximas doam mais, ou doam de forma diferente. Tudo isso nos acovarda, e assim evitamos ter por medo de perder – eis o contrassenso: como perder o que já não temos?
De fato, só nos temos a nós próprios nesta vida. E isso, para muitos, é muito pouco. Imaginamos francamente redutos exteriores de felicidade. Sabemos bem dos nossos inimigos, declarados e inconfessos. Superestimamos o poder que têm sobre nós, enquanto nos vemos fracos e indefesos.
O mau pensamento age como veneno de aranha. Se não for inoculado em tempo hábil, corrói de dentro para fora. O mundo só sinalizará uma destruição já concretizada, e só poderá agir com aqueles que aceitam antídotos.
Há, porém, aquele que aprendeu a viver intoxicado, cujo sangue depende do veneno para circular. Mas que, devido à própria peçonha, esteriliza outras peçonhas. Seria injusto querer livrá-lo da única forma que encontraram de defesa.
Psique: A intuição não pode ser desculpa para reafirmar preconceitos
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Não há quem não já tenha experimentado, ou ao menos não conheça ninguém que parece ter, uma conexão diferente com o mundo. Dom, sensibilidade, mediunidade, intuição. São diversos os nomes que criamos para definir aquilo que parece ser dissonante de tudo aquilo que a lógica causal nos leva a acreditar. Os fenômenos desta natureza mexem com a fantasia de todos, que tentam desvendar mistérios ou vivenciar situações semelhantes.
Em geral, considera-se sensitivo somente aquele indivíduo cujas faculdades psíquicas excedem os limites do que é convencionado como “normal” (daí o termo paranormalidade): a vidência, a precognição de acontecimentos, percepções de fenômenos energéticos, a telepatia.
No entanto, essa capacidade não se limita a poucos. Ela derivaria dos nossos ancestrais, que, para escapar dos perigos, precisavam ter uma capacidade mais aguçada de percepção da realidade. Aqueles que não conseguiam antever os fatores de risco, eram mais facilmente extintos.
Todos somos capazes
Podemos pensar nos fenômenos de percepção extrassensorial como todo tipo de percepção que exceda os limites das sensações (aquilo que é percebido a partir dos cinco sentidos), do pensamento (da nossa capacidade de conceituar as coisas e de raciocinar sobre elas) ou do sentimento (da forma como qualificamos a realidade, a partir das nossas emoções).
Jung, criador da Psicologia Analítica, definiu a intuição como esse tipo de percepção que não se encaixa em nenhum dessas outras três maneiras de conexão da consciência com o mundo e com o si mesmo. Ou seja, ela pode ser definida como um conhecimento a priori. Por exemplo: ao entrarmos em um ambiente, percebemos que há algo de errado acontecendo, mesmo que não exista nenhum indício direto que possa ser percebido.
Somos todos dotados de intuição. Ou seja, a “sensitividade” é algo comum a todos, em maior ou menor grau. Alguns indivíduos, no entanto, têm essa capacidade como um canal naturalmente mais bem desenvolvido, ou buscam desenvolvê-lo ao longo da vida, enquanto os demais priorizam algum dos outros três canais.
O fio da navalha
No entanto, o que mais vemos são pessoas que usam o termo intuição para dissimular preconceitos, ou até mesmo para evitar os embates que se apresentam na vida. Não devo, ou não quero? Onde está o limite?
Uma intuição real surge como uma informação extremamente objetiva. A ela não cabe muita interpretação, nem correlações. Simplesmente é, sem que saibamos muito bem os porquês. Quando a coisa surge em você já de uma forma muito justificada, desconfie. Da mesma forma, avalie se os fatores corroboram com aquelas ideias inconfessas, com os velhos medos e dilemas.
A sensibilidade está em escutar além dos ouvidos, enxergar além dos olhos. Não há nada de mágico nisso, simplesmente se chama conexão. Esse é o verdadeiro sentido da espiritualidade: reestabelecer a integração, o contato entre o eu e o todo.