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Quero comer: Comida de santo

Concedi uma entrevista para o portal Quero Comer sobre a culinária dos terreiros de candomblé, numa reportagem especial sobre a contribuição dos negros para a gastronomia brasileira. No texto, divido explicações com a querida Yayá do Acarajé, Oyá nata. Reproduzo aqui parte do material.

 

 

Comida de santo

A comida preparada pelos negros sempre foi muito discriminada, uma vez que as receitas tinham forte ligação com o candomblé. “A religião africana era considerada pagã e praticada sempre à margem do catolicismo, como uma coisa das minorias. A isso se soma a escassez de comida, que já vinha desde a África e ao chegar ao Brasil não mudou nada. Esses fatores geraram uma relação entre a comida e o sagrado, motivando uma necessidade de oferecê-las em sacrifício aos orixás”, contextualiza o analista junguiano e pesquisador em símbolos das religiões afro-brasileiras, João Rafael Torres.

O candomblé é uma das heranças africanas que ainda permanecem por aqui. Na África, casa região cultuava uma entidade e ao chegar ao Brasil, vindos de diferentes lugares, todas essas crenças se fundiram. O mais comum por aqui é o ritual da nação Ketu (vindo da Nigéria), da qual o deus maior é Olorum, e que também conta com diversas divindades (orixás).

Como cada orixá é considerado uma face diferente de Olurum, fazer uma oferenda a ele significa cultuar o deus maior. Cada divindade tem o seu dia da semana e a sua comida. Antes de cada oferenda, o alimento tem de ser dedicado a Exu, uma espécie de porta-voz entre o mundo dos deuses e a terra. “Segunda é o dia de Omulu, para quem oferecemos o deburu (uma espécie de pipoca). Já na terça, é a vez de Ogun, a quem cultuamos com inhame assado”, ensina a baiana Lucia Maria Cerqueira Santos, que comanda o Acarajé da Yayá, na CNB 12, atrás do Top Mall.

Toda quarta-feira, a homenagem vai para Iansã, orixá dos ventos e das tempestades. A lenda conta que ela era casada com Xangô, possuidor do segredo do fogo. Procurando desvendar os mistérios do marido, Iansã encontrou uma panela e quando a destampou começou a cuspir bolas de fogo. Dessa história, surge o acarajé (acara = bola de fogo + jé = comer). Na oferenda, o bolinho colorido pelo dendê é oferecido sem o comum recheio. Já o preparo vendido no tabuleiro da Yayá é feito com feijão fradinho e frito no azeite de dendê, trazido direto de Salvador. Depois, a massa é recheada com vatapá de camarões secos, a R$ 8.

Na quinta e na sexta-feira, os venerados são Oxó e Oxalá, respectivamente. Ambos são contemplados com preparos à base de milho branco. O primeiro recebe uma mistura do grão cozido com coco por cima. Já o segundo, ganha o acaçá – um cozido de milho branco processado e assado na folha de bananeira. “Para o sábado, dia de Iemanjá, fazemos um cozido de milho branco com dendê e cebola. No domingo, geralmente, a oferenda é o amalá, feito com quiabo picadinho cozido e entregue a Xangô”, completa Yayá.

“As pessoas precisam entender que esse tipo de comida não é suja. São feitas com higiene e ingredientes selecionados. O preparo é sempre minucioso e, justamente por ser para um orixá, com cuidado redobrado. Os pratos vendidos nos restaurantes e tabuleiros por aí não têm nada a ver com os usados para as oferendas”, enfatiza João Rafael.

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