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Outras Ondas* – Oráculos e a força do acaso


O fim do ano se aproxima e traz consigo uma onda de curiosidade: quais serão os desafios do novo ciclo que se inicia? Muitos encontram a resposta nos oráculos, como o tarot, a astrologia e o jogo-de-búzios. Esse é o período de maior procura por esse tipo de serviço. Quem busca orientação quer criar um planejamento eficiente que permita aproveitar melhor as boas oportunidades – e obviamente evitar aquilo que pode ser um complicador no caminho.
O fascínio pelos oráculos é fruto da consciência do homem de que terá um futuro. Esse é um dos atributos que nos diferencia dos demais seres, mas que, sinceramente, não sei dizer se é uma dádiva ou um castigo. No entanto, muitas vezes esquecemos que o que vem pela frente é resultado da vida que vivemos hoje. Ignoramos que, superando os limites atuais, é possível concretizar o futuro que se deseja.

O uso de oráculos é uma prática ancestral, com data indefinida. Acredita-se que surgiram a partir da observação de fenômenos naturais e da correlação dos mesmos com acontecimentos cotidianos. É seguro dizer que é uma prática comum à todas as culturas, apesar das transformações sofridas pelo período da história em que se encontram. Sempre foram usados como instrumentos de preleção do futuro e, em geral, têm relação na crença do diálogo do homem com forças invisíveis – sendo elas chamadas de deuses, demônios, espíritos ou, como interpreto, elementos do inconsciente.

Jung foi um grande estudioso dos oráculos, especialmente do I Ching – uma das bases da sabedoria do pensamento chinês. Para ele, não há nada de sobrenatural no momento em que tiramos uma carta de tarot, por exemplo, e ela nos indica exatamente o momento em que estamos vivendo. Isso seria resultado de um movimento psíquico, inerente a todos. Essa dinâmica é capaz de promover coincidências significativas, que o psiquiatra chamou de sincronicidade. Esse é um dos mais temas mais polêmicos que abrange a Psicologia Analítica. Gerou críticas ferrenhas a Jung por parte dos colegas mais ortodoxos, que confundiam a teoria como uma apologia ao misticismo.

Até mesmo quem nunca se submeteu a uma consulta a oráculos sabe descrever a sensação de fascinação despertada por um movimento sincronístico. Afinal, quem nunca presenciou uma “coincidência” capaz de alterar o curso dos acontecimentos – um livro cai da estante e, ao abrirmos, nos deparamos com uma frase capaz de sintetizar e esclarecer a dúvida do momento; pensamos em um amigo que não vemos há muito e topamos com ele na fila do supermercado…

Certa vez, vivi uma situação que me marcou bastante. Saí de casa e esqueci o celular. Fui a uma livraria e lá conheci um rapaz e, numa rápida conversa, chegamos à conclusão que estávamos vivendo momentos profissionais bastante parecidos. Trocamos emails para trocar materiais. Ao chegar em casa, encontrei algumas ligações perdidas de uma amiga. Retornei e ela contou que tinha ligado para me convidar para um jantar, pois queria me apresentar um amigo. Ao descrevê-lo, percebi que era o mesmo rapaz que eu tinha acabado de conhecer. Ou seja, tínhamos de nos conhecer. Conseguimos desenvolver um bom trabalho em comum e somos amigos até hoje.

Nem toda coincidência pode ser chamada de sincronicidade. Ela surge quando dois ou mais eventos aparentemente sem relação desembocam num momento ou cena única, capaz de trazer um forte significado para um (ou mais) dos personagens envolvidos. Ou seja, é uma coincidência capaz de alterar o sentido das circunstâncias. Jung dizia que é impossível produzir sincronicidades deliberadamente, mas admitia que os oráculos eram a principal forma de constatá-la. Nosso inconsciente se expressa a partir de símbolos, assim como os oráculos. Por essa similaridade, as cartas do tarot, os hexagramas do I Ching e demais práticas oraculares agem como ferramentas de expressão da psique. São chaves para o inconsciente.

Um oráculo é uma tentativa de leitura do simbolismo presente nos arquétipos – padrões resultantes de todas as experiências humanas, partilhadas por todos e capazes de nortear nossos comportamentos, pensamentos e emoções. A partir da leitura do oráculo, temos um indicativo de quais são os padrões mais latentes ao consulente naquele dado momento, e o que eles acarretam positiva e negativamente. Dessa forma, a consulta funciona como um ampliador da consciência: temos um maior conhecimento das dificuldades enfrentadas, despertamos a atenção para as tendências de desfechos, recebemos alertas sobre a nossa contribuição para a manutenção do problema.

Oráculos falam sobre o futuro? Sim, falam, da mesma forma como um sonho também pode antever acontecimentos. Isso funciona porque os referencias de tempo e espaço não fazem parte do inconsciente. Da mesma forma que conseguimos voltar décadas do calendário num piscar de olhos, os oráculos podem projetar a consciência para acontecimentos ainda aquilo que sequer temos noção que possa vir a acontecer. O que vai indicar a certeza dos fatos é a necessidade e a carga afetiva relativa ao tema abordado. O oráculo não é um instrumento para nutrir a curiosidade, e sim para promover o amadurecimento. Antes de debruçar sobre o que quer saber, deve-se debruçar sobre o que precisa saber.

Outras Ondas* – A casa do Pai

A partir do momento em que o homem crê em um deus, uma questão torna-se inerente: onde Ele viverá? A concepção que temos dessa força regente do universo está intimamente ligado ao lugar que designamos para que a divindade resida. Para quem O vê com distanciamento e respeito exacerbado, Deus morará em suntuosos palácios revertidos com ouro e diamantes. Há quem O enxergue na natureza: na simplicidade de uma flor, no vento forte que sopra ou na fêmea que pare. Outros O sentem sutilmente no silêncio, na força reveladora do acaso.

Ao edificar templos, o homem tenta reproduzir um local para que a divindade possa expressar, de forma mais plena, os mistérios e potências que representa. Pedras são consagradas como altares, edificações de arquitetura apontam para os céus, signos e pinturas marcam a presença de Deus. Dessa forma, fieis orientam a própria fé: canalizam nos santuários a possibilidade da iluminação e da salvação. Tentam estabelecer, dessa forma, o religare entre Pai (ou Mãe) e filho – a essência das religiões.

A Torre, o arcano 16 do tarot, é também chamado de “A casa de Deus”. A visão é um tanto assustadora: corpos que caem sobre uma edificação que rui, sob um efeito de um raio que corta o céu. Algo bem diferente da placidez que imaginamos. Interpreto a carta como o fim das ilusões, daquilo que foge à essência. A carta traz referências ao mito bíblico da Torre de Babel, que, visando alcançar o céu, despertou a ira divina. Quando essa carta nos chega (ou quando chegamos à suposta casa de Deus), as aparências e superficialidades caem por terra e revelam o que temos de mais puro e singelo – representado pela Estrela, o arcano seguinte.

Entre os neurocientistas, Deus mora no lobo temporal. Em estudos promovidos com religiosos e ateus, constatou-se que essa é a região cerebral que mais trabalha quando estamos em momentos de contemplação fervorosa ou durante os processos meditativos. Deus (ou a crença que temos n’Ele) também estimularia a amígdala e, com isso, promoveria uma descarga de energia no sistema límbico – que rege nossas emoções e sentimentos. O neurologista e pesquisador indiano Vilayanur Ramanchandran garante que nascemos equipados com um “hardware da fé”, ou seja, somos inerentemente impelidos a crer no inexplicável, no transcendente. Estudos brasileiros feitos com médiuns também encontraram uma pista de Deus na hipófise: os sensitivos têm uma incidência maior de cristalização na glândula-mestra, com profusão desses cristais entre aqueles que têm uma vivência prática da espiritualidade.

A ciência também é capaz de provar que o pensamento é facilitado entre aqueles que têm fé. Desta vez, por conseqüência da ativação do circuito frontopariental do córtex cerebral. Crer em algo, seja lá onde esse algo estiver, pode nos oferecer soluções mais claras para os problemas.

Toda essa nomeclatura é uma novidade desnecessária para a grande maioria das pessoas que acreditam em Deus. Com ou sem ciência, Ele está presente e atuante. Para Jung, esse sentimento é resultado da cultura: enquanto se diferenciava dos animais pela reflexão, o homem acabou criando uma imagem divina interior, a Imago Dei. Esse foi um dos conceitos fundamentais para a formatação da Psicologia Analítica. Jung dizia que era impossível comprovar a existência de Deus, mas que era inegável o papel que a Imago Dei tinha para o desenvolvimento psíquico do indivíduo. As referências de Deus (ou a falta delas) têm intensa participação na forma como cada um enxerga a vida e o mundo. Nelas, encontramos sentido para a manutenção da vida.

Essa Imago Dei teria uma relação direta com o princípio de unificação dos conteúdos psíquicos. Ela representa, ao mesmo tempo, o centro e o todo – representado graficamente a partir das mandalas. Esse tipo de imagem se manifesta espontaneamente em praticamente todas as culturas, no decorrer dos anos, desde eras mais remotas. O círculo é a representação primária da divindade: em constante expansão, sem limites, sem começo e sem fim. Jung estudou as mandalas por anos a fio e concluiu que nelas temos o símbolo mais claro da eternidade e da síntese. Ou seja, daquilo que chamamos de Deus.

O curioso é que a estrutura das mandalas se manifesta em simplesmente tudo o que conhecemos: pegue um fragmento de qualquer matéria (mineral, animal ou vegetal, não importa) e a submeta a uma daquelas poderosas lentes de aumento usadas em análises químicas. Seja qual for a substância analisada, lá estará revelada uma belíssima mandalas, elaborada com uma infinita riqueza de detalhes. Seria uma prova da onipresença divina?

Na Bíblia, temos o anúncio de que a casa do Pai tem muitas moradas. Em Lucas, Jesus ensina onde se encontra o verdadeiro reino de Deus: “Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós”. Garimpar a presença da divindade é inútil quando não nos dispomos a sentir a Sua potência. Não importa saber o endereço de Deus – certamente ele não pára em casa. Ele está sempre com você.

Outras Ondas* – A resposta certa, na hora certa

A fragilidade despertada pelos problemas se relaciona sempre à falta de respostas. Queremos encontrar motivos, buscamos justificativas para aquilo que não conseguimos enfrentar. Muitas vezes, sem nos darmos conta de nossa parte na manutenção do conflito, as causas do conflito se projetam fora de nós, no mundo e nos outros. E ainda nos sentimos extremamente injustiçados quando as tais respostas não nos chegam imediatamente.

O ofício de terapeuta me ensina diariamente a lidar com a angústia provocada por tantas interrogações. Obviamente, questionar é o caminho para a solução, na medida em que ampliam a consciência do que somos, fazemos e desejamos. Mas nem sempre queremos enfrentar o árduo desígnio do amadurecimento. Estaríamos realmente prontos para as respostas que tanto buscamos?

Creio em um princípio de justiça e sabedoria, capaz de nos conduzir ao melhor caminho na existência. Tal força não está somente no mundo exterior, mas também dentro de cada indivíduo. O mundo torna-se apenas um instrumento, um meio pelo qual a resposta se manifesta. E quando estamos prontos para entender, essa resposta se apresenta pelos mais diferentes métodos: cartas de tarot, uma sessão de psicoterapia, as palavras do sacerdote, a cena da novela, uma conversa de estranhos ouvida no almoço…

Certas coincidências evidenciam isso. Esta semana, por exemplo, tive um sonho estranho: meus cabelos estavam ficando grisalhos rapidamente e, por mais que tentasse tingi-los, não conseguia fixar o tom e eles voltavam a ficar brancos. No mesmo dia, me deparo com uma amiga. Ela está toda feliz, com os cabelos mais escuros. Tinha conseguido, enfim, a tinta certa, capaz de cobrir os fios brancos com eficiência. Ao ouvir o relato, percebi que se tratava de um reforço no recado que eu havia recebido na noite anterior: talvez eu estivesse apostando em estratégias erradas para chegar a um determinado objetivo. A tal resposta, que buscava há semanas, estava ali, em meio a uma conversa informal.

Para chegar à resposta, é preciso aprender a lidar com a ansiedade. Antes de qualquer coisa, devemos aceitar que a verdade nos chega sempre no momento certo, quando estamos realmente prontos e dispostos a entendê-la. Em Alegria de Viver (Ed. Campus), o monge tibetano Yongen Mingyur Rinpoche diz que o excesso de expectativas pode turvar nossa visão à solução dos problemas. O remédio para isso passa pela essência dos ensinamentos budistas, que ele reduz em uma frase: “A mente é a fonte de toda experiência e, ao mudar a direção da mente, podemos alterar a qualidade de todas as nossas experiências”. Outra pérola da filosofia budista é priorizar o “para que” em vez do “por que” das situações.

A consciência só se ilumina quando estamos atentos e, principalmente, dispostos a mudar. É entender que a resposta pode não ser exatamente a que buscamos – mas o que precisamos receber. Com humildade e coragem, afastamos a cegueira diante da fantasia e alcançamos o entendimento da realidade. Assim dizem os evangelhos de Lucas e Mateus: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á”. Não existe um método mais eficiente, nem a melhor hora para esse despertar. Os únicos pressupostos são a vontade e o desprendimento para aprender. A resposta sempre está pronta para nós. Nós, porém, nem sempre estamos prontos para ela.

* A coluna Outras Ondas é publicada aos domingos no blog da Revista do Correio: www.correiobraziliense.com.br

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