No entanto, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, criador da Psicologia Analítica, enxergou no Tarot uma rica expressão do inconsciente coletivo – conceito que criou para designar uma espécie de conteúdo residual de todas as experiências da humanidade, atualizada com o passar dos anos a partir da repetição. Lá estão representados, por exemplo, o amor materno, o impulso para a guerra e o fascínio pelo divino. Assim como os demais oráculos, o Tarot seria um sistema de representação dessas e muitas outras potencialidades humanas, chamadas arquétipos. A partir das figuras estampadas nas cartas, o indivíduo seria chamado a refletir sobre as virtudes e dissabores da própria existência. E, a partir dessa reflexão, levar a decisões mais favoráveis ao próprio desenvolvimento.
Mas qual seria a mágica que levaria a escolha da carta certa para ilustrar o momento em que estamos vivendo? Para Jung, tudo se processa como resultado do movimento psíquico, uma forma peculiar de diálogo. Para entendê-la, é preciso saber que o nosso inconsciente se expressa a partir de símbolos. E esta também é a linguagem que compõe cada lâmina do Tarot. Quando escolhe, ao acaso, um certo número de cartas de um monte, o consulente está dando voz ao seu inconsciente pessoal. Este usará, a partir da simbologia das cartas, um canal de comunicação com a consciência. Ao tarólogo cabe o papel de decodificação e organização das informações, a partir dos símbolos que surgem, de forma acessível à compreensão do consulente e, obviamente, com o menor grau de interferência de preconceitos e opiniões próprias.
Essa dita “mágica” foi conceituada por Jung como sincronicidade, a dita coincidência significativa. Ela é uma dos métodos usados pelo inconsciente para trazer à tona uma percepção – não só a partir dos oráculos, mas também daquelas outras “coincidências” que nos tocam de forma tão profunda, a ponto de despertar a uma nova observação do momento já conhecido. Essa foi uma das mais controversas teorias junguianas, pois era considerada mística demais para ser considerada ciência. No entanto, desde Einstein, a física quântica aponta para a comprovação das hipóteses a partir do estudo da energia como condutora de informação.
Muitas vezes, as vivências sincrônicas nos conduzem aos insights que tanto esperamos: é como se, em um breve momento, a ignorância se descortinasse e pudéssemos vislumbrar a realidade. E, assim, nos sentíssemos seguros para superar as dificuldades impostas pelo momento.
A percepção do espaço e do tempo são atributos da consciência. Ou seja, no inconsciente eles se perdem, não têm a mesma importância que damos na vida lúcidade. Como manifestação do inconsciente, a sincronicidade é capaz de proporcionar, durante a consulta a um oráculo, a sensação de relatividade do tempo. Assim surgem, com a mesma facilidade, evocações do passado e lampejos de futuro. Da mesma forma, distâncias se encurtam.
Na verdade, o que ordena a prioridade do que é apresentado durante um jogo é a carga afetiva dos acontecimentos, e não os fatos em si. Por esse motivo, muitas vezes o consulente chega com questionamentos pré-formulados e, ao iniciar a consulta, uma nova problemática se apresenta e domina o assunto. Antes de debruçar sobre o que quer saber, ele deve se debruçar sobre o que precisa saber.
Conheci o Tarot durante a adolescência. No início, explorava os arcanos somente a partir da intuição, sem a preocupação devida com o conteúdo simbólico que existia em cada carta. As consultas eram conduzidas com um quê adivinhatório, que muitas vezes levava o consulente a mais expectativas que certezas. Com o passar do tempo, o aprofundamento em Psicologia Analítica me levou a uma nova interpretação do oráculo: percebi que ele pode funcionar, na verdade, como uma eficaz ferramenta de acesso ao inconsciente. E que, em vez de previsões, o foco deveria estar nos esclarecimentos – algo mais pertinente ao desenvolvimento pessoal, ao autoconhecimento.
* O texto foi produzido a pedido do Jornal Lotus Bem Estar e publicado em dezembro de 2010