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Psique: Nada ou ninguém merece fidelidade maior àquela que devemos ter conosco

Fonte: iStock/Metrópoles

man slave prays with his hands tied

Tem sido assim: alguém me fala que tem certeza de algo, e, antes que eu perceba, minha sobrancelha esquerda sobe. Demonstra desconfiança, um quê de apreensão. Mecanismo de defesa puro. Agora, quando ouço a palavra “certeza” na minha própria voz, são as duas sobrancelhas que sobem. De susto, medo de mim mesmo.

É involuntário, temos sempre que buscar algumas crenças que servirão de lastros para que possamos experimentar o mundo. Mas tem ficado cada vez mais arriscado apostar em certezas definitivas. Amanhã, talvez você precise desdizer o que afirmou.

Para alguns, é difícil aceitar que as certezas mudam na medida em que as transformações se apresentam. Até mesmo quando precisamos estabelecer vínculos de fidelidade. Erramos feio quando, em vez de firmarmos alianças, comprometemo-nos com pactos – seja com pessoas, ideologias ou instituições.

Pactos e perdição
Nada nesse mundo é para sempre. Tudo obedece a uma conveniência, uma pertinência, um contexto. Mesmo que eu queira ignorar a lei da impermanência, ela irá se impor sobre minha realidade. E isso poderá ser muito frustrante àqueles que escrevem acordos em pedras.

O pacto só tem valia quando nos vincula a algo divinal, atemporal, maior que nossas vaidades e interesses. Deuses e demônios aceitam pactos, por terem capacidade para cumpri-los. Entre nós, meros humanos, não há como pensar num compromisso tão perpétuo.

Inclusive, esse pode ser um bom indicativo. Se você acha que uma verdade está acima de tudo e é para sempre (seja um amor, uma convicção política, um dogma), você promoveu tal verdade ao patamar divinal. E, convenhamos, como não estamos exatamente numa terra de santos, esse endeusamento vai lhe custar o caro preço da decepção, da perdição.

Alianças de ouro
Também não precisa querer bancar o lobo solitário. Achar que é possível vencer sozinho, sem estabelecer alianças, é um contrassenso. O problema não está na dependência do outro, e sim no grau e na natureza da dependência que estabelecemos com ele.

Vínculos saudáveis contemplam interesses comuns entre os interessados. A união faz a força – mais um daqueles chavões que têm seu valor. Quando encontramos parcerias legítimas, companhias leais em nosso caminho, a trajetória fica mais suave.

O outro é importantíssimo para que eu ganhe referências. Nele, vejo os erros que já foram cometidos e que precisam ser evitados. Ganho inspiração para repetir acertos. Promovo o encorajamento mútuo diante do inédito.

Aliar-se é estabelecer um contrato, só funciona quando ambos se percebem capazes de usufruir e promover. É a função do compartilhamento: botar os recursos numa mesa comum, para que todos possam usar e gerar benefícios. No uso, os instrumentos compartilhados são melhorados, gradualmente.

A hora do adeus
Ser fiel a uma aliança é, também, saber a hora de encerrá-la. Ter a dignidade de encerrar uma fase, sem achar que isso representa uma traição ao compromisso estabelecido. Afinal, o que é uma traição? Devo mais fidelidade aos tratos que fiz, ou àquilo que minha alma inspira a fazer? Nada ou ninguém merece fidelidade maior àquela que devo ter comigo mesmo.

Grande parte dos acordos que fazemos tem por finalidade a satisfação da angústia do outro. Queremos tranquilizá-lo, apaziguá-lo. Quase sempre, por medo de perdê-lo. Mas fazemos isso sem levar em consideração que, muitas vezes, isso custará nosso próprio sossego.

“Deixo-vos a paz; a minha paz vos dou” (João, 14:27) – e mais uma vez seguimos o arquétipo do salvador: aquele que, em nome do bem comum, dá-se ao sacrifício. E que acaba condenado justamente por quem desejou salvar. Uma aliança só dura o tempo de um propósito: se não faz mais sentido, não há motivo para existir.

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