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Psique: Ser consciente não é só entender o problema, é buscar solucioná-lo

Crédito: Metrópoles/iStock

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Entendo o meu ofício como o de um parteiro. Tal qual, não faço o filho, não vou cuidar dele depois que nascer. Não posso ser responsável por algo que vai além das minhas atribuições. Só que, em vez de bebês, acompanho o nascimento da consciência. Frágil, desdentada, careca. Mas com garra para sobreviver.

Profissionalmente, sou escritor e analista. Esses dois personagens emprestam mutuamente conteúdo um ao outro. Seguro na mão de ambos nessa travessia – e muitas vezes, confesso, sou carregado por eles, com o corpo em suspenso, para que meus pés não se machuquem em terrenos espinhosos.

A essência do meu trabalho é dolorida. É no íntimo de cada ser que se encontram as feridas provocadas pelas realidades mais duras. Muitas como as que pude conhecer, mesmo que superficialmente, de uma semana para cá.

Ampliar a consciência
Quarta passada, publiquei aqui na coluna um texto sobre a inveja que pais sentem dos filhos. Desde então, tenho recebido uma série de relatos de quem se identifica com minhas palavras. Uns o fizeram publicamente, para quem quiser ler, e despertaram a solidariedade de semelhantes. Alguns preferiram a intimidade das mensagens privadas. Muitos, aliviados, falam de superação. Outros tantos, ressentidos, despejam mágoas como num pedido de ajuda.

Esse movimento, registrado em tais depoimentos, apontou para uma necessidade de todos nós: a de identificarmos e nomearmos aquilo que nos causa mal estar. Para que? Para dar-lhe uma borda, um limite. Para que isso não fique maior que nossos recursos, maior que nós mesmos. Para que reconheçamos os gatilhos que deflagram nosso sofrimento.

Mas, principalmente, para que possamos ir além do nosso desconforto. Para que, dele, encontremos possibilidades de fazer recursos – seja a ampliação da visão, a compreensão da limitação, a resiliência, a atenção às novas possibilidades, entre outros. É o que chamo, aqui, de parir consciência.

Cuidados neonatais
Nossa atenção está, muitas vezes, em evitar que se instale uma espécie de “depressão pós-parto” psíquico. Ou seja, de não fazer com que o sujeito rejeite o que conseguiu diferenciar de si. Afinal, a dor do parto é grande e pode evocar tal reação. As memórias do ato da concepção também precisam ser cuidadas, não retroalimentem sentimentos doentios.

Se assim fosse, a consciência adquirida faria piorar em vez de melhorar. Nem sempre esse recém-nascido é bem vindo. Mesmo assim, ele precisa de dedicação para viver bem. Até porque, quando falamos desse despertar da consciência, não conseguimos “desver” o que foi visto, nem “desconhecer” o que já foi conhecido.

Ampliar a consciência não é só entender causas e razões. Se assim fosse, processos complexos se resolveriam de forma simples – como a partir da leitura de um texto, por exemplo. Isso pode ser um bom ponto de partida, é verdade. Mas pode ser insuficiente para que percorramos a complexidade daquilo que somos. E para que, dessa percepção ampliada, possamos interpretar nossa realidade de uma forma que vá além das respostas automáticas.

Tomar consciência de algo é justamente afastar essa automação das nossas atitudes, pensamentos, crenças, emoções. É saber contextualizar nossas memórias, tudo aquilo que nos atravessa no momento presente e as projeções que faço para o futuro. Uma tarefa sem fim, que só se encerra na morte.
Enquanto ela não chega, buscamos companheiros para trilhar nosso caminho, de mãos dadas. Ora eles aparecem como agentes externos. Ora são personagens que encontramos dentro da alma. Nos momentos de aflição, eles também nos suspender pelos braços, para defender dos espinhos. Ou então para que, sem tocar no chão, enxerguemo-nos capazes de voar.
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