Self

Doenças Emocionais: Cuidado com o sistema digestivo

A revista Doenças Emocionais me convidou para falar sobre as implicações psicossomáticas das doenças do aparelho digestivo. Ficou assim: 

***

 

 

Cuidado com o sistema digestivo

 

Texto: Amanda Araújo

Você sabia que a mente também pode causar males à sua digestão?

Você pode não se dar conta disso, mas o seu humor e estresse estão ligados ao seu sistema digestivo. Se você tem intestino preguiçoso, por exemplo, pode ter certeza que não é só a sua alimentação a culpada disso – o cérebro também pode ter causado esse incômodo a você.

Mas como isso acontece?

João Rafael Torres, psicoterapeuta e analista junguiano, especialista em Psicossomática pela Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo (Facis), explica que o ventre é o centro do corpo, por localizar grande parte dos órgãos vitais. Portanto, o sistema digestivo é basicamente rico e “fala” da forma como processamos tudo aquilo que nos nutre ou intoxica. Ou seja, passada a garganta, o sistema digestivo é o primeiro grande filtro, onde só aquilo que é processado pela mastigação poderá ter aceso.

“Os conteúdos são digeridos por processos físicos e químicos, até seguirem ao intestino, onde serão triadas as substâncias benéficas das maléficas, que serão distribuídas por todo o corpo. O processo se encerra na eliminação dos resíduos que já não mais servem. Se fizermos um paralelo do alimento real com tudo aquilo que nos alimenta na vida, como informações, crenças, hábitos e vícios, conseguimos traçar correlações interessantes entre os processos de adoecimento e os quadros psíquicos. Podem falar da dificuldade de digerir experiências , de aproveitar conteúdos benéficos, ou até mesmo de expurgar aquilo que não mais nos serve”, explica o profissional.

Além disso, o cérebro possui neurônios cujas serotonina produzida vem do intestino, assim como o hormônio do crescimento. O intestino também tem ligação direta com o hipotálamo que faz com que as emoções se reflitam no intestino.

Prisão de ventre

O estresse, a ansiedade e a depressão estão totalmente relacionados à prisão de ventre, que é caracterizada pela dificuldade de evacuação. É importante salientar que a consulta com um médico especializado é fundamental para o diagnóstico correto e o tratamento adequado para cada caso. Mas, a rotina tão atribulada nos dias de hoje pode, si, prejudicar o bom funcionamento do intestino. Ingerir alimentos com fibras e beber mais água é tão importante quanto controlar as emoções para o bom funcionamento do sistema digestivo. “Bom humor, sorriso e hábitos otimistas são indispensáveis para todos que buscam a saúde, seja ela do corpo, da mente ou do espírito. Se nossos pensamentos são capazes de evocar emoções, e se as emoções participam diretamente da nossa fisiologia, quanto mais nos mantermos emuma frequência que evoca o bem estar, mais saudáveis estaremos”, afirma o profissional.

Atente-se aos sinais!

João Rafael Torres explica que a doença aparece de forma simbólica, ou seja, ela traduz algo, ensina algo, denuncia algo, orienta para algo ou transforma algo. E conseguir decifrar qual é esse sinal e o sentido de determinada patologia é um desafio e tanto. Porem, quando descoberto, a pessoa está livre da doença e volta a viver de forma mais saudável. “Em muitos casos, uma vez que esse conflito é evidenciado, a partir da psicoterapia ou análise, e trabalhando na mudança de crenças e hábitos, os sintomas simplesmente desaparecem. Há, inclusive, na literatura que trata do tema, diversos casos de patologias severas, como o câncer, que chegam a regredir severamente a partir disso. Obviamente, não defendo aqui a negligência aos tratamentos médicos, ou assumo um tom de ‘curandeirismo’ por psicoterapia. Mas é consenso na mediina contemporânea que a busca por um amadurecimento psíquico é uma forte aliada para bons prognósticos nos tratamentos de saúde”, diz. Portanto, esquecer-se desses sintomas “ocultos” é um grande erro, mas buscar ajuda especializada é imprescindível.

Outras Ondas: Perdoa-me por me traíres

Um ato, um gesto, um pensamento, um desejo. Insistimos em nos acreditarmos capazes de controlar aquilo que nos determina. E, ambiciosos, por vezes queremos expandir essa utopia para o outro, com quem escolhemos partilhar momentos de vida. Partem daí os contratos de fidelidade: da necessidade de nos imaginarmos capazes de monopolizar a vontade de alguém, de nos tornarmos imprescindíveis e insubstituíveis. Saber que o outro é capaz de desejar um terceiro ser se transforma em uma afronta direta ao ego inseguro, incapaz de se validar pelo que reconhece em si.

A fidelidade é uma convenção cultural, mais valorizada em alguns povos e menos em outros. Mas, de fato, a exclusividade na relação não é garantia de sucesso na mesma: o casal pode impedir a realização de traições, e, mesmo assim, manter uma convivência medíocre, fria e distanciada. Nós brasileiros vivemos um conflito ainda maior. O país é regido por duas forças intensas: o machismo, tradicionalista (que aceita a traição masculina sem grandes repercussões, mas não a feminina), e uma sensualidade peculiar, que faz com que o desejo e a lascívia nos influencie diretamente os comportamentos. A resistência à traição é um exercício moral, quando, na verdade, o ideal a reger deveria ser a ética. Ou seja: seguimos códigos de conduta por termos dificuldades de estabelecer parâmetros de bom senso.

Quando um casal combina um modelo de fidelidade, adotam nesse ato uma convenção. Podem até ter um propósito de realização, mas dependem de muitos fatores para chegar a este fim. Além disso, a traição não é necessariamente uma deliberação: um dos agentes pode se envolver com outra pessoa sem ter para isso um planejamento prévio. A paixão costuma ter um caráter surpreendente: antes de perceber, já estamos envolvidos. E daí a traição é somente uma consequência. No entanto, há ainda uma outra classificação: a traição como meio de punição do companheiro ou companheira. Nesses casos, as frustrações do que o outro não é (mas eu desejaria que fosse) pode mobilizar minha atenção para fora da relação. Isso é bem comum em momentos de crise relacional, ou das crises individuais nas quais não se sente o apoio devido por parte do outro. Há também quem traia achando que isso incrementará a relação, ou até mesmo por não conseguir administrar a possibilidade de perder a oportunidade de lidar com novos parceiros. De qualquer forma, soam como faces de uma imaturidade emocional, ou seja, da incapacidade de se responsabilizar e se encarregar por aquilo que sente da forma como sente, sem precisar recorrer a subterfúgios.

Quando efetivada, a traição ocasionará transtornos, dor, prejuízo. Muitas vezes, isso tudo vem acompanhado por promessas de transformação, por pedidos de perdão. Convém ressaltar que perdoar e esquecer não são sinônimos. O perdão ideal seria tratar a traição como um fato que fez parte da história do casal, mas não permitir que ela permaneça mobilizando emoções e comportamentos que determinam a dinâmica do casal. Particularmente, vi isso ocorrer com sucesso em raríssimos casos. Em geral, as pessoas anunciam um perdão (assim como o traidor anunciou a fidelidade), mas a traição não abandona a cena. Um constante clima de desconfiança, a mágoa e a raiva represada não permitem que os dois se vejam como antes se viam. E, muitas vezes, intimamente cultivam tais emoções como um sinal vivo do que ocorreu – não querem superar, mantém a história como um trunfo. Esquecer um evento negativo não é uma decisão com solução imediata, mas cultivar uma lembrança é, sim, uma escolha.

Não quero assumir, com essas palavras, uma postura pessimista. O arrependimento existe, mas ele depende de uma mudança profunda no estilo de vida de cada agente da relação e da própria relação. A traição pode ser um indicativo importante de que o casamento anda mal. Sendo uma espécie de terceiro ser que media os participantes, uma relação desestabilizada sinaliza que todos precisam de revisão e ressignificação de valores.

Além disso, não há uma traição que seja igual a outra – apesar de elas costumarem mobilizar uma teia semelhante de afetos por quem as já experimentou. Em cada caso, ela terá um significado, um sentido peculiar. Há quem “precise” trair para compreender questões familiares profundas. Conheci pessoas que, a partir de uma traição, conseguiram diagnosticar doenças terminais e lutaram para manter a vida. Ou seja, como qualquer outro evento da vida, a traição, em si, é o que menos importa. E sim o que ela quer nos dizer.

Ninguém trai ou é traído porque quer, e sim porque necessita. Condenável como qualquer outro deslize cometido ao longo da existência, ela nos dá a oportunidade de buscar novos significados para o viver. Talvez o mais importante deles é o amor próprio: aquele que alcançamos quando aceitamos e respeitamos nossas limitações e buscamos forças e coragem para transcendê-las. E é só a partir desse afeto que conseguimos olhar o outro como sujeitos, e não como objetos de nossa posse. Até porque quem o vê assim, assim por ele será visto.

Outras Ondas – Os mil tons do masoquismo

Os punhos, imobilizados por uma gravata, situa Anastasia em estado de plena disponibilidade aos desejos de Grey. Enquanto tem os desejos estimulados por uma chibata, percorre suavemente o corpo, até que o suspense se faz: a excitação aumenta a cada segundo entre o momento em que o artefato se afasta do corpo, e quando a ele retorna, agora num golpe seco, definindo quem comanda a cena. Tudo se dá num clima de sedução e mistério, minucioso e envolvente. Vivem tal realidade como num jogo meticuloso, orientado pelo domínio e pela submissão. O clima erótico masoquista que envolve tais personagens arrebatou o mundo, primeiramente a partir do fenômeno editorial da trilogia Cinquenta tons… , escrito pela londrina E.L. James – os livros passam da marca de 100 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo, segundo informações da editora Vintage Books, dona dos direitos autorais da obra. Recentemente, o tema retorna à notoriedade a partir da adaptação do primeiro volume, Cinquenta tons de cinza, para o cinema.

Sem trocadilhos, o masoquismo domina a fantasia de homens e mulheres. Uma pesquisa britânica com mais de 19 mil pessoas mostrou que as fantasias sexuais que envolvem humilhação mobilizam 6% da população. Um percentual de 18% dos homens e 7% das mulheres ingleses (cerca de 5,85 milhões de pessoas) declarou se excitar com a ideia de bater em outra pessoa; 11% dos homens e 13% das mulheres fantasiam em apanhar durante o jogo erótico. É verdade que, em muitos casos, tudo fica num campo de idealização: poucos se identificam com a temática a ponto de leva-la à prática, com seus parceiros sexuais. E também não podemos ficar somente nessa nuance do masoquismo. Além do jogo erótico, ele atravessa diversas outras relações do cotidiano.

No entanto, essa estatística é defasada. Isso porque o contabilizado aí se refere apenas às práticas eróticas e sexuais. Podemos definir o masoquismo como uma dinâmica relacional, ou seja, uma espécie de molde de vínculo entre dois ou mais sujeitos, independentemente da natureza da relação. No caso, as relações de caráter masoquista se caracterizam pela associação entre amor/atenção/carinho/prazer com humilhação/desprezo/agressividade/dor. É uma espécie de distorção, pois depende do sofrimento para a realização da relação. Nessa dinâmica, os agentes se dividem entre masoquizantes (os ativos, que impõem, dominam, humilham) e masoquizados (os passivos, que se submetem, são humilhados). Esses papeis são bem estabelecidos, mas podem se alternar com a convivência. Mas nunca os participantes estão em pé de igualdade: são regidos pelo poder.

Isso faz com que o masoquismo não seja exclusividade dos casais. Ele também pode estar presentes em encontros de outra natureza: chefe e empregado, pai e filho, sacerdote e discípulo etc.. Cinquenta tons são insuficientes: são mais de mil nuances possíveis nessa forma de troca entre dois ou mais indivíduos.  Extremamente comprometidos entre si, os agentes da relação masoquista vivem sob uma espécie de contrato, tácito ou explícito, que delimita os papeis e as prioridades da relação. Relacionam-se de uma forma bem ritualizada, exclusiva, como quem segue scripts. Mantém entre si uma espécie de dependência afetiva, explicitado pelos jogos de manipulação retroalimentados pelos agentes, transformando a relação num elemento validador da existência.

Não visam a dor pura e simples, como pensam os leigos. Na verdade, entendem o sofrimento, a privação, a humilhação etc. como um caminho, um preço razoável a pagar para se sentir cotado, observado, inserido, desejado, querido. Negligenciam o respeito e o amor próprio como valores máximos, acima de qualquer relação. A motivação é uma espécie de carência, muitas vezes que não se conhece exatamente de que. O masoquista teme, antes de qualquer coisa, a perda: evita o distanciamento da fonte de nutrição afetiva e, em nome disso, rende-se ao desejo do outro. Diferentemente do que pensa a maioria, não existe o dito sadomasoquismo: apesar de ambas associarem dor e prazer, tratam de duas dinâmicas muito adversas entre si, impossíveis de funcionar como complementares.

Posso afirmar que, em maior ou menor grau, o masoquismo nos atravessa a todos. Num grau mais ameno, aparece como uma fantasia de imposição ou submissão. Em suas nuances mais escuras, tal necessidade transpõe os limites da razoabilidade, transformando-se numa exigência patológica, quando passa a assumir um caráter compulsivo que impede a realização de vínculos baseados em outras dinâmicas relacionais possíveis. Compromete assim a saúde global: física, moral, psíquica, social, relacional, familiar, econômica, espiritual.

As origens do masoquismo no psiquismo são múltiplas, mas em geral tem franca relação com a infância e as referências parentais, ou seja, com o modelo de relação apreendido dos pais e familiares próximos. Há também casos deflagrados por situações traumáticas, como sujeição a abusos – não exclusivamente de ordem sexual. Independentemente da origem, a situação original dá origem ao complexo masoquista, que tenderá a buscar situações que o corrobore. A depender do histórico e da estrutura, o indivíduo poderá assumir o papel ativo (que impõe) ou passivo (que se submete) na relação. Pode, inclusive, alternar entre essas duas vertentes, a depender do agente complementar que encontre. Por exemplo: impõe-se diante dos funcionários, mas age de forma submissa diante da mulher.

Ao entendermos o masoquismo como uma dinâmica relacional, não podemos considerá-la uma escolha ou eleição, e sim uma necessidade. Até mesmo entre os sujeitos identificados com essa dinâmica, ou seja, os consumidores de algemas e outros apetrechos de sexshops, percebe-se um conflito latente por estarem vinculados a tal vivência. O masoquismo surge como uma estratégia relacional pela ausência de outros referenciais mais saudáveis. Assim sendo, o masoquista não é alguém a quem cabe julgamentos morais ou sociais. Como qualquer ser humano, ele busca a sua realização, o seu ideal de felicidade, a partir dos recursos que conseguiu desenvolver para viver. Observa o mundo com sua óptica particular. A intervenção analítica/terapêutica se dá não com o intuito de cura, e sim de despertar a outras formas de relação possíveis. Dessa forma, pode reduzir os possíveis prejuízos ocasionados pelo masoquismo, pela ampliação da consciência, em nome do bem-estar.

Visto de perto, percebe-se no ato masoquista um escape para a saúde: ele surge na maioria das vezes como uma oportunidade de revisitar situações e temáticas mal assimiladas pela psique, com o intuito de dar a elas um novo significado. Assim sendo, seguem o impulso construtivo do Self, a nossa totalidade psíquica, que sempre aponta à autorrealização do indivíduo como alguém pertinente a si mesmo e pertencente ao sistema no qual se insere. Busca, com isso, nortear a um sentido para a existência.

Veja Brasília: 100 tons de masoquismo

A coluna Nas asas do Planalto, assinada por Lilian Tahan na Veja Brasília, antecipou a publicação do livro que escrevo sobre o masoquismo. Ficou assim:

***

Foto: Roberto Castro/Veja Brasília

 

100 tons de masoquismo

Levante a mão (acorrentada) quem sempre achou que o masoquismo se limita às relações eróticas e se enquadra apenas nos encontros de alcova. Engana-se, pois. Tecnicamente, a dinâmica em que uma pessoa escolhe ser o dominador e a outra o dominado é muito mais ampla e pode envolver o vínculo entre amigos, mãe e filho, chefe e funcionário, por exemplo. O assunto virou tema do livro que o psicoterapeuta e analista junguiano João Rafael Torres  lançará até o fim do ano. “Não são só cinquenta tons de cinza, mas 100 tons de masoquismo. Esse processo que confunde cuidado, amor e atenção com violência, imposição, submissão e humilhação atravessa vários tipos de relação em diversas gradações”, alerta Torres. Embora seu livro seja mais voltado para o público especializado, se metade dessas possibilidades de masoquismo já fez muita gente pirar, imagine o que um leque ampliado não pode causar.

***

Clique aqui para ler a coluna no site da revista Veja.

Tarot Analítico em São Paulo

Amigos de São Paulo, estarei na cidade entre os dias 27 e 30 de março, atendendo com Tarot Analítico – método de interpretação do oráculo que desenvolvi, a partir dos conceitos da psicologia junguiana. As consultas têm, em média, 1h40 de duração e serão realizadas em Moema e Pinheiros. Os agendamentos podem ser feitos pelo email consulta@selfterapias.com.br .

 
nivas gallo