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Psique: Pessoas inseguras geralmente se armam de argumentos agressivos

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Na semana passada, publiquei um texto sobre a esquiva como estratégia de defesa. Hoje, falo sobre o extremo oposto: o ataque, a postura violenta – seja nas palavras, nos gestos ou na atitude.

Para começar, é necessário discriminar agressividade de violência. A primeira é um valor inato e comum a todos os seres, em maior ou menor grau. A agressividade é imprescindível para o desenvolvimento. Ela é a energia básica de transformação, o veículo que nos leva a superar limites, a combater aquilo que nos gera mal-estar.

Um sujeito sem agressividade estaria rendido, de forma passiva, aos dissabores impostos pela vida. Ela é a força do desejo, da criatividade.

Por exemplo: uma criança pobre, que, apesar das dificuldades, estuda e conquista uma realidade melhor que a de seus pais precisou valer-se desse instinto. O mesmo vale para alguém que é injustiçado e resolve denunciar quem o prejudica.

Nem sempre a interpretamos de forma tão positiva. Ela pode se deslocar para dentro (e passamos a nos autoagredir, a partir de críticas depreciativas, de uma descrença frente a nossas capacidades etc.). Ou pode se transformar no nosso cartão de visitas: agredimos antes de sermos agredidos.

Uma pessoa violenta é aquela que não consegue reconhecer e preservar o território do outro, literal e metaforicamente: seu espaço, seu corpo, suas crenças e seus sentimentos. A postura invasiva, anuladora, é a agressividade mal empregada.

Esse comportamento também não é uma eleição simples. Muitas vezes, é a linguagem aprendida com referenciais afetivos. Exemplo: pais e mães que conduzem a educação com violência física e psicológica geram filhos estúpidos. Ou então o vocabulário do meio ao qual pertencem (comunidades marginalizadas e de risco, na qual o ataque é estratégia à sobrevivência).

Argumentos agressivos geralmente partem de pessoas inseguras, que não conseguem se sentir confortáveis e contempladas com a própria situação de vida. Que se sentem indefesos para adotar novas posturas, enfrentar novos desafios e desbravar novas possibilidades. Temem, no fundo, perder o único alicerce que lhes parece seguro.

Reagir com violência não pode ser confundido com uma atitude de enfrentamento. Novamente, falo aqui de contexto e de proporção, pois é neles que encontramos o caminho sábio que nos leva à boa agressividade.

Saber quem e o que combater é, antes de tudo, saber distanciar-se da violência em si. É refletir para saber que muito da nossa história não será reparado, infelizmente. Mas que também não precisa ser uma condenação.

Carregamos nossas marcas, precisamos nos contatar com elas. Contudo, não devemos transformar-las no molde para as demais relações que construiremos no percurso da vida.

Psique: Defender-se é normal, mas não devemos nos isolar ao nos proteger

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Defender-se é uma atitude primordial a qualquer ser. Cada um, a seu modo, busca uma forma de continuidade frente aos predadores, visa encontrar uma forma mais confortável de vida, protegidos daquilo que pode gerar danos ou mal-estar.

Nós, humanos, também experimentamos esse instinto. Quer uma prova? Veja como um bebê reage quando nos aproximamos de seus olhos. Ainda inconsciente dos riscos, ele trata de proteger a visão – um dos principais campos de interação e absorção do meio ambiente no qual está inserido.

À medida em que desenvolvemos alguma consciência sobre nós e sobre esse entorno que nos compreende, percebemos que os possíveis agressores vão além daquilo compreendido pela percepção instintiva. Reconhecemos nossos opositores, sejam eles indivíduos ou situações. E buscamos recursos para que consigamos sobreviver a eles.

Nem sempre, no entanto, conseguimos balizar esses mecanismos de defesa de forma justa. Podemos nos armar de forma desproporcional. O motivo é básico: superestimamos as adversidades, ou simplesmente ignoramos nossas capacidades de embate. Explico.

Quando algo é marcado em nós como uma referência de perigo, registramos todo o conjunto de emoções experimentadas no momento em que fomos apresentados àquele risco e as associamos com as imagens da cena. Daí, quando nos deparamos novamente com uma situação semelhante, é acionado o gatilho de alerta.

Certos medos apreendidos na infância ajudam a exemplificar essa situação. Quando um pinscher rosna e avança em uma criança de três anos, ela paralisa com pânico. Proporcionalmente, é como se estivesse diante de um rottweiler feroz.

Já adulta, tal pessoa pode reagir de forma semelhante ao encontrar algum cachorrinho na rua. Ou seja, toda a carga afetiva mobilizada pela vivência anterior tira-lhe o senso da realidade (agora, teria plenas condições de conter o bicho em caso de ataque, sem danos).

Da mesma forma, usamos parâmetros adquiridos anteriormente para evitar situações novas que julgamos ameaçadoras: relações, conversas, rotas, inovações. Ficamos fixados na dor e sofrimento vivenciados e, referenciados nisso, associamos o novo ao perigo.

Como se não bastasse a nossa própria história, tendemos a uma apropriação dos medos alheios. Um erro crasso, uma vez que cada indivíduo assimila um fato de uma determinada forma, usando para isso as próprias referências.

Aos poucos, a vontade de evitar o sofrimento nos isola do mundo. Assim, perdemos não só a proporção das coisas, mas também a capacidade de contextualizá-las. O medo ganha proporções patológicas, e a vida acontece por detrás das muralhas por ele impostas.

Psique: As maldições do futuro

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Abstract interplay of clock symbols and graphic elements on the subject of time, technology, past, present and future.

O mundo se organiza de forma horizontal, invariavelmente estamos submetidos a escalas e hierarquias. Mas se tem algo justo de verdade, que nos iguala a todos, essa coisa é o tempo. Não há queixa que o acelere, nem desejo que o faça passar mais devagar. Estamos todos submetidos à implacável lei dos ponteiros.

A vida ocorre a partir de um ritmo próprio. Assim como na natureza, tudo segue um fluxo contínuo – não há saltos para marcar a transposição do tempo, tudo se dá em processo. No entanto, para dar conta do ordenamento dos acontecimentos, o homem convencionou uma divisão entre passado, presente e futuro. E é justamente a consciência de um futuro que complica as coisas.

Sempre que olhamos para frente, chamamos para perto duas companhias malditas: medo e ansiedade. O primeiro é um mal necessário à sobrevivência. Quando tememos algo que se aproxima, o que fazemos internamente é uma avaliação dos nossos recursos, para sabermos se estamos aptos para enfrentar ou fugir. Isso é instintivo, nos acompanha desde os nossos ancestrais mais remotos.

No entanto, a maior parte dos nossos medos vai além da proteção natural do instinto. Fala dos fantasmas que criamos para nos atormentar: tendemos a enxergar a vida mais complicada do que de fato é, pois nos acostumamos a medir nossa capacidade por baixo. Sempre que subestimo minha capacidade de transpor problemas, construo pontes longas e sinuosas para percorrer curtas distâncias. Medo paralisa, faz hesitar, adia decisões.

Outros, ao fantasiar sobre os fatos que se aproximam, acabam dominados por uma mescla de emoções, que compõem a ansiedade: impaciência, aflição, insegurança, precipitação. Assumem um estado de predisposição para reagir, mesmo que o momento não permita nenhum tipo de atitude.

E é justamente por isso que o quadro é tão sofrido: enquanto o objeto que deflagra o medo é delimitado, pontual, a ansiedade é difusa. Ela é como um carro de corrida com o acelerador pressionado, em frente ao ponto de partida, só que sem saber qual trajeto deve percorrer. A energia desprendida afeta intensamente a psique e o corpo. Essa é a porta para o estresse e, consequentemente, para o adoecimento.

Só sofremos tanto por esses fatores porque insistimos em querer manter um controle da situação. Não nos conformamos com a inevitável realidade: por mais que eu queira intervir no futuro, ele ocorrerá em decorrência de uma série de fatores. E grande parte deles não está sob nossa batuta.

Além disso, nos esquecemos de algo elementar: nosso amanhã será consequência do nosso hoje. Mais importante que uma prospecção bem feita é uma avaliação criteriosa do que somos agora. Confiar também faz um bem danado. Em si, nos outros, em Deus. Ter fé não é alimentar uma esperança vã de resolução instantânea dos problemas, livre de esforços. É apostar na nossa capacidade de transformação, e estar disposto a servi-la. Quando alcançamos esse estágio, tudo flui para um futuro bendito.

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