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Psique: A intuição não pode ser desculpa para reafirmar preconceitos

Crédito: Metrópoles/iStock

High angle view of three arrows drawn on the street, pointed in different directions

Não há quem não já tenha experimentado, ou ao menos não conheça ninguém que parece ter, uma conexão diferente com o mundo. Dom, sensibilidade, mediunidade, intuição. São diversos os nomes que criamos para definir aquilo que parece ser dissonante de tudo aquilo que a lógica causal nos leva a acreditar. Os fenômenos desta natureza mexem com a fantasia de todos, que tentam desvendar mistérios ou vivenciar situações semelhantes.

Em geral, considera-se sensitivo somente aquele indivíduo cujas faculdades psíquicas excedem os limites do que é convencionado como “normal” (daí o termo paranormalidade): a vidência, a precognição de acontecimentos, percepções de fenômenos energéticos, a telepatia.

No entanto, essa capacidade não se limita a poucos. Ela derivaria dos nossos ancestrais, que, para escapar dos perigos, precisavam ter uma capacidade mais aguçada de percepção da realidade. Aqueles que não conseguiam antever os fatores de risco, eram mais facilmente extintos.

Todos somos capazes
Podemos pensar nos fenômenos de percepção extrassensorial como todo tipo de percepção que exceda os limites das sensações (aquilo que é percebido a partir dos cinco sentidos), do pensamento (da nossa capacidade de conceituar as coisas e de raciocinar sobre elas) ou do sentimento (da forma como qualificamos a realidade, a partir das nossas emoções).

Jung, criador da Psicologia Analítica, definiu a intuição como esse tipo de percepção que não se encaixa em nenhum dessas outras três maneiras de conexão da consciência com o mundo e com o si mesmo. Ou seja, ela pode ser definida como um conhecimento a priori. Por exemplo: ao entrarmos em um ambiente, percebemos que há algo de errado acontecendo, mesmo que não exista nenhum indício direto que possa ser percebido.

Somos todos dotados de intuição. Ou seja, a “sensitividade” é algo comum a todos, em maior ou menor grau. Alguns indivíduos, no entanto, têm essa capacidade como um canal naturalmente mais bem desenvolvido, ou buscam desenvolvê-lo ao longo da vida, enquanto os demais priorizam algum dos outros três canais.

O fio da navalha
No entanto, o que mais vemos são pessoas que usam o termo intuição para dissimular preconceitos, ou até mesmo para evitar os embates que se apresentam na vida. Não devo, ou não quero? Onde está o limite?

Uma intuição real surge como uma informação extremamente objetiva. A ela não cabe muita interpretação, nem correlações. Simplesmente é, sem que saibamos muito bem os porquês. Quando a coisa surge em você já de uma forma muito justificada, desconfie. Da mesma forma, avalie se os fatores corroboram com aquelas ideias inconfessas, com os velhos medos e dilemas.

O descrédito que damos à nossa intuição é resultado da dificuldade de confiar no acaso. É um dos males da civilização, que nos impõe um modelo de vida fundamentado no controle e na informação. Acreditamos em tudo que lemos e conduzimos a vida a partir disso, mas duvidamos daquilo que percebemos.
A proposta, obviamente, não é mistificar a realidade, e sim ampliar nossa capacidade de enxergá-la. Se a atenção vai além do óbvio, permitimos que a solução dos nossos dilemas existenciais se dê na dimensão simbólica, evitando que isso ganhe a dimensão concreta para ser evidenciado. O problema é que a intuição só se confirma depois que o que antevemos acontece. Mas aí já é tarde demais.

A sensibilidade está em escutar além dos ouvidos, enxergar além dos olhos. Não há nada de mágico nisso, simplesmente se chama conexão. Esse é o verdadeiro sentido da espiritualidade: reestabelecer a integração, o contato entre o eu e o todo.

Psique: Somente uma reforma nos valores é capaz de fazer um mundo melhor

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Top view of white paper chain family on red shape heart. Family in love. Family care and unity concept.

Nós, analistas, somos acusados de inquisidores da família. Talvez porque, vez por outra, soltemos o jargão: “não está na hora de matar o pai, matar a mãe?” Força do hábito, às vezes um hábito perigoso. Esse é um texto de retratação, ou quase.

Afinal, é na nossa família de origem que alcançamos os nossos primeiros tesouros. Os afetos, as crenças, os valores: a herança que ficará conosco – até que, de posse de algo melhor e autoral, eu possa abdicar dela. Mas não há de se descartar tudo, definitivamente.

É no seio familiar que acessamos nossos primeiros provérbios, os primeiros ditados. Lá temos o primeiro contato com a sabedoria popular. Ela nos ensina, a partir de metáforas de fácil compreensão, as prerrogativas que conduzirão nossas escolhas. A partir delas, compreendemos acontecidos, moldamos relações, tomamos decisões.

Experiências repetidas
Um valor se origina, basicamente, da experiência. Ou seja, da associação de um atributo a algo vivenciado. Nossa família nos transmite valores mesmo que não o faça de forma consciente. Os mais firmes vêm a partir do que testemunhamos. Com eles, aprendo a ser um ser humano digno, respeitoso, ético. “Quem sabe provérbios não pode ser de todo mal”, como dito em “O fabuloso destino de Amélie Poulain”.

O exemplo vale mais que palavras, certamente. Mas é a partir delas que eu conjugo o fato, elaboro uma sentença a partir dele. Isso me ajudará a balizar a vida, torná-la menos problemática. Os dizeres populares nasceram com essa função: aprender estratégias com nossos antepassados para evitar erros, sofrimento e dor.

É claro que há provérbios contraditórios entre si. E que a escolha por um, ou por outro, será definida por uma série de fatores psíquicos, das crenças que envolvem os indivíduos que os repetem. O valor é subjetivo, contempla a partir do contexto e da necessidade de cada um. O que falamos aponta para aquilo que nos é importante.

Para um mundo melhor
Nossos valores são sementes para a nossa ética. Ela vai além do moralismo, das regras às quais estamos submetidos por mera convenção social. Brota de dentro, será constituída a partir da conciliação daquilo que acreditamos, com nosso temperamento e nosso caráter. É a soma do crer, sentir e agir, determinará a forma como me situo no mundo. Aquilo que valoro é a amálgama que unifica esses fatores e determina quem eu sou diante do outro.

Por esse motivo, a edificação dos valores de um ser humano é algo tão importante, e tão sensível no mundo contemporâneo. Se vivemos num mundo cheio de equívocos sociais, com baixa capacidade de empatia, inversamente proporcional à intolerância, e isso é fruto da debilidade de valores.

A formação de um cidadão ético vai além de dinheiro e oportunidades – ela carece de bons exemplos, boas frases, de reverência aos que o antecederam. Faltam provérbios, sobram acusações. Falta visão do coletivo, transborda o egoísmo – comportamentos típicos de valores falhos.

Para quem se preocupa com a ética, a revisão dos valores é um exercício de praxe. Busco me manter na linha. Mas, se eu exagerar, lembrem-me que tenho limites. Se eu negligenciar, lembrem-me que tenho compromissos. Se me distanciar dos sentimentos, lembrem-me que é com eles que me nutro. Lembrem-me quem sou. E se eu insistir em negar meus valores, estarão todos autorizados a esquecerem-se de mim.

Psique: Negar o passado do outro demonstra insegurança com a própria história

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Paris, France - March 10, 2013: Old black and white and sepia photos at flea market. There are more than 20 flea markets in Paris.

Vidas não tem rascunhos, nem ensaios. Tudo é à vera, com chances de correção mas sem a possibilidade de rasuras. Edificam-se mais a partir dos erros, que dos acertos. É óbvio, mas temos uma dificuldade enorme para aceitar esse fato. Especialmente quando falamos do passado do outro. Ainda mais nas relações amorosas. Nos apoiamos na grande tolice de crer que o outro nasceu no dia em que nos conheceu.

Ciúme, inveja, avareza, vaidade. Quatro dos sete ditos pecados capitais servem de pilares para essa crença mesquinha. Não aceitar os passos percorridos pelo outro é um exercício de egoísmo, é querer negar-lhe o direito de ter uma história. E isso não acontece à toa.

Geralmente, evidencia os nós que nós mesmos não conseguimos desatar no nosso próprio caminho. Os equívocos que cometemos. A incapacidade de finalizarmos processos e relações de forma honrosa e apaziguada. Medimos o outro com nossa régua torta: e queremos que ele apague de si as memórias pois temos, em nosso armário, caveiras não sepultadas.

Somos nossa história

Quando conheço uma pessoa, entro em contato com uma história complexa, que a moldou. Inclusive, se me interesso por alguém, devo ser grato a esta história pregressa. É justamente ela que fez esse ser interessante. Mais que os fatos do passado, vale saber o que cada um fez com a vida que teve.

Um velho sábio me ensinou que, quando nos batem à porta, perguntamos “quem é?”. Nunca “quem foi”, para que não sejamos injustos. No entanto, devemos valorizar trajetórias. Chegamos aqui porque fomos quem fomos.

Clarice Lispector sintetiza isso lindamente: “Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter, calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderás julgar.”

Histórias e personagens não desaparecerão por um simples desejo. Elas se transformarão. É difícil mudar, mas tudo muda: sentimentos, escolhas, crenças. Em resumo, pessoas se reinventam. Para ter o mínimo de paz e segurança, é preciso acreditar nisso. Confiança é lastro em relações de qualquer natureza. Caso contrário, até convive-se, mas sem qualidade.

Novo nascimento
A função maior de cada encontro entre pessoas é fazer despontar, em cada indivíduo, aspectos ainda não experimentados de sua alma. De certa forma, não nascemos quando conhecemos ninguém. Mas renascemos, reinventamo-nos. E isso é maravilhoso.

Grande parte desse movimento se dá a partir da escuta. A partir dela, percebemos o caráter do outro – ou seja, a forma como ele se porta diante das situações. Mas não é só. Vemos aí também a nossa reação. Inclusive a bobagem de quem quer afrontar o imutável. Não tente competir com o passado de alguém. Ele é, você apenas está.

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