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Psique: É fácil querer ser interessante. Difícil é se fazer interessante

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Queixar-se da solidão é algo curioso. O mundo, cheio como está, com uma infinitude de possibilidades de comunicação, ainda tem esse argumento como causa da infelicidade de tanta gente. Ironias à parte, talvez a falta de companhia encubra questões mais profundas.

O problema é: muitas pessoas carregam junto a esta lamentação uma série de adjetivos (quase sempre pejorativos) em relação ao outro. Reclamam tanto, e de tudo, que chegam a contradizer os próprios argumentos de desqualificação que utilizam para o descarte.

A conclusão: “ninguém é bom o suficiente”, “não compensa apostar”, “sei como é esse tipo de gente”. Uma série de respostas prontas, sempre bem na posição de defesa, para dizer que o problema não está em si. E quase sempre está. Ou estariam todos aquém do aceitável?

Muitas vezes, defender-se não é uma atitude soberba, como pode parecer. É justamente o contrário: apenas uma forma de minimizar o desconforto de sentir-se invisível. De não se perceber minimamente interessante para despertar a atenção do outro.

Uma pessoa se torna interessante por sua história. Por onde caminha, as escolhas que faz, o que viveu, em que empreende, o que realiza, o que perde, com quem se relaciona. Tudo isso propiciará um repertório de vivências.

Também conta a forma como se interpreta tais acontecimentos. Por exemplo: as marcas da dor fazem despontar numa pessoa a amargura e a melancolia; em outra, podem virar resiliência e determinação. A primeira será pouco desejável, enquanto a segunda pode ser altamente atrativa.

Não há como sermos interessantes sem estarmos disponíveis para viver. Da forma mais plural possível. Arriscar, experimentar, desacostumar, buscar a autenticidade. Tudo isso molda pessoas únicas, que despertam a curiosidade do outro.

É necessário valorar tanto o acerto quanto o erro. Em seus altos e baixos, a vida permitirá que aflorem em nós aquilo que somos: personalidade, características, temperamento. Cada blend que se forma é único, autêntico. E será interessante. Não a todos, mas a quem de fato interessa.

Muitos solitários, no entanto, buscam nas relações uma oportunidade para despertar tudo isso. Enxergam no outro uma espécie de paleta para colorir uma existência pálida, para preencher vazios. Um grande erro.

Não que uma relação não fará aflorar novos atributos, mas isso se dará de forma orgânica. Inclusive, Jung nos ensina que o relacionamento é a via régia do autoconhecimento, justo por fazer evidenciar o desconhecido que nos habita.

O lugar da princesa, adormecida à espera de um príncipe que a desperte, é uma boa imagem para falar dessas expectativas. Nessa história, a vida não se apresenta no sono dela, e, sim, no caminho dele. O cavaleiro se torna interessante ao assumir uma missão, ao enfrentar desafios com coragem, ao confiar no triunfo.

Ou seja: é a postura ativa, a forma como participamos de qualquer situação, que nos torna mais ou menos interessantes. Viver é diferente de existir, e quem entende isso consegue a atenção (e o respeito) do outro. Não há como atrair olhares se não tivermos o que mostrar.

Psique: A maldição familiar dos pais que invejam os filhos

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Desde que Darwin defendeu a teoria da evolução das espécies, sabemos que os filhos tendem a ser melhores que seus pais. É instintivo, vai além de um simples desejo. No fundo, todo pai e toda mãe minimamente amorosos anseiam por esse mesmo ideal. Querem que seus descendentes cheguem aonde não conseguiram chegar, conquistem o que não conseguiram alcançar.

Mas, ao olharmos de perto, muitas vezes nos deparamos com histórias que contradizem esse argumento. As distorções são das mais variadas. Casos de pais que não aceitam filhos que vão além daquilo que são. Ou de filhos que se constrangem e boicotam chances de desenvolvimento. Enredos distorcidos, mas não incomuns.

Na verdade, são exemplos mais corriqueiros do que podemos imaginar. A família de origem é uma das instâncias mais importantes na constituição de um indivíduo. É ela que nos apresenta ao mundo e oferece as primeiras referências de quem somos. Ensinam sobre direitos, deveres, merecimento, responsabilidade, gratificação  e outro sem-números de lições que moldam a forma de como nos enxergamos e nos portamos no mundo.

Quanto mais distanciados estivermos da nossa natureza mais profunda, mais determinante será essa influência familiar: viveremos quase que para cumprir um script familiar preconcebido, que nem sempre (ou quase nunca) corresponde aos anseios da nossa alma.

Pais invejosos

Costuma ser na adolescência que o jovem ser começa a desconstruir os mitos familiares. Percebe que pode ser diferente e, muitas vezes, impõe-se para sê-lo. Faz despontar talentos, possibilidades até então não concebidas dentro de casa. Encontra-se num mundo maior, bem maior, do que aquele que lhe foi pintado.

É claro que isso pode incomodar os demais. Especialmente aqueles que se sentem frustrados, os que não se viram capazes de lutar por aquilo que gostariam de ser, que não escolheram bandeiras para levantar. Esses responderão com o limite autoritário, restritivo ao novo. Famílias são instituições assimétricas, e nesse caso os mais novos, que mais dependem, levam desvantagem.

O nome disso é inveja: se não pude ou não posso ter, você também não terá. Quase sempre, o corte não é feito de forma explícita. Adota-se a covardia da dissimulação, da manipulação emocional, da chantagem. E, pior ainda: da aniquilação da autonomia. Coloca-se o filho num lugar do incapaz, em vez de encorajá-lo aos desafios que a vida propõe.

Não é só mesquinho, é desumano. Anos depois, esses mesmo filhos serão adultos despreparados para viver, que sucumbem nos tropeços em vez de aprender com eles. Ou que lutam destemidos somente para provar a esses pais que são dignos de valor, de serem amados. É triste, limitante. Se existem maldições familiares, essa é uma das mais terríveis.

Filhos insatisfeitos

Sofrer esse tipo de desautorização para viver deixa marcas difíceis de serem reparadas. Além dessa busca massacrante pela perfeição, na tentativa de serem aceitos, os filhos podem se perceber eternamente insatisfeitos. Afinal, a ferida que tentam reparar não será sanada por cargos, salários, diplomas, aparências. Falta de amor e atenção só se cura com amor e atenção.

Talvez por isso, sintam uma enorme dificuldade de reconhecerem as próprias conquistas. Não se sentem adequados nas novas roupas: soam destoantes demais quando comparadas com as que foram vestidos pelos pais. O bom passa a se tornar duvidoso, supérfluo, embaraçoso.

No fundo, temem abandonar e serem abandonados, na medida em que deixam para trás as velhas expectativas parentais. Sentem-se culpados, pois queriam que todos pudessem evoluir juntos – mas nem sempre se perguntam se os demais querem e estão dispostos a crescer.

Nesse dilema, retirar-se e recolher os próprios talentos soa muito injusto. Até porque não será isso que sanará o olhar ressentido de quem não se realizou. Manter esse mecanismo de não sermos quem somos não afasta de nenhuma família essa maldição, e sim a perpetua. Às vezes, é o exemplo da nossa realização que alavanca e incentiva o crescimento do outro.

Psique: Somente uma reforma nos valores é capaz de fazer um mundo melhor

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Nós, analistas, somos acusados de inquisidores da família. Talvez porque, vez por outra, soltemos o jargão: “não está na hora de matar o pai, matar a mãe?” Força do hábito, às vezes um hábito perigoso. Esse é um texto de retratação, ou quase.

Afinal, é na nossa família de origem que alcançamos os nossos primeiros tesouros. Os afetos, as crenças, os valores: a herança que ficará conosco – até que, de posse de algo melhor e autoral, eu possa abdicar dela. Mas não há de se descartar tudo, definitivamente.

É no seio familiar que acessamos nossos primeiros provérbios, os primeiros ditados. Lá temos o primeiro contato com a sabedoria popular. Ela nos ensina, a partir de metáforas de fácil compreensão, as prerrogativas que conduzirão nossas escolhas. A partir delas, compreendemos acontecidos, moldamos relações, tomamos decisões.

Experiências repetidas
Um valor se origina, basicamente, da experiência. Ou seja, da associação de um atributo a algo vivenciado. Nossa família nos transmite valores mesmo que não o faça de forma consciente. Os mais firmes vêm a partir do que testemunhamos. Com eles, aprendo a ser um ser humano digno, respeitoso, ético. “Quem sabe provérbios não pode ser de todo mal”, como dito em “O fabuloso destino de Amélie Poulain”.

O exemplo vale mais que palavras, certamente. Mas é a partir delas que eu conjugo o fato, elaboro uma sentença a partir dele. Isso me ajudará a balizar a vida, torná-la menos problemática. Os dizeres populares nasceram com essa função: aprender estratégias com nossos antepassados para evitar erros, sofrimento e dor.

É claro que há provérbios contraditórios entre si. E que a escolha por um, ou por outro, será definida por uma série de fatores psíquicos, das crenças que envolvem os indivíduos que os repetem. O valor é subjetivo, contempla a partir do contexto e da necessidade de cada um. O que falamos aponta para aquilo que nos é importante.

Para um mundo melhor
Nossos valores são sementes para a nossa ética. Ela vai além do moralismo, das regras às quais estamos submetidos por mera convenção social. Brota de dentro, será constituída a partir da conciliação daquilo que acreditamos, com nosso temperamento e nosso caráter. É a soma do crer, sentir e agir, determinará a forma como me situo no mundo. Aquilo que valoro é a amálgama que unifica esses fatores e determina quem eu sou diante do outro.

Por esse motivo, a edificação dos valores de um ser humano é algo tão importante, e tão sensível no mundo contemporâneo. Se vivemos num mundo cheio de equívocos sociais, com baixa capacidade de empatia, inversamente proporcional à intolerância, e isso é fruto da debilidade de valores.

A formação de um cidadão ético vai além de dinheiro e oportunidades – ela carece de bons exemplos, boas frases, de reverência aos que o antecederam. Faltam provérbios, sobram acusações. Falta visão do coletivo, transborda o egoísmo – comportamentos típicos de valores falhos.

Para quem se preocupa com a ética, a revisão dos valores é um exercício de praxe. Busco me manter na linha. Mas, se eu exagerar, lembrem-me que tenho limites. Se eu negligenciar, lembrem-me que tenho compromissos. Se me distanciar dos sentimentos, lembrem-me que é com eles que me nutro. Lembrem-me quem sou. E se eu insistir em negar meus valores, estarão todos autorizados a esquecerem-se de mim.

nivas gallo