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Psique: Previsões: 2017, o ano em que você vai mudar a sua vida

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Em 2017, ninguém mais será morto na rua por tentar defender uma travesti. Travestis também não serão mortas por serem quem são. Nem gays, nem lésbicas. Nem negros. Nem mulheres.  A forma de amar, de identificar-se, de cultuar seu Deus e de existir pertence a cada um e isso será respeitado por todos. Irrestritamente. Seremos todos menos odiosos.

Isso tirará a tensão do mundo. Cenários destroçados pela guerra, como Alepo, despertarão nossa solidariedade real. Mas também estaremos mais atentos aos conflitos nossos de cada dia, que assolam nossa vizinhança. Seremos solidários ao olhar triste das crianças vítimas do tráfico de armas e drogas, e veremos nelas semelhanças com o drama da Síria.

A morte poupará libertários, inovadores, irreverentes, divertidos. Bowie, Prince, Elke, George Michel – o time de lá foi renovado com sucesso. Neste ano também surgirão equivalentes, que ajudarão o mundo a ficar menos careta.

Por falar em caretas, reacionários, hipócritas, fundamentalistas e demais representantes da classe das almas vis, a eles não será permitida a ascendência ao poder. Suas vidas se tornarão difíceis, por conta do mal por eles mesmos plantado.

Aviso também aos corruptos: os astros, os arcanos, versículos, orixás e sortilégios advertem que a impunidade não mais reinará. Ninguém, ninguém mesmo, será poupado – nem mesmo você, que julga a sua corrupção como “branda”.

A cada carteirinha falsa, fila furada, desvio de conduta, comentário maledicente e vantagem indevida, seu corpo ganhará uma camada a mais de energia de repulsa, e, aos poucos, você experimentará a pior das condenações: a solidão impregnada pela culpa. Por outro lado, os solidários, generosos, atenciosos e amorosos serão recompensados com semelhantes, e serão blindados de gente tóxica, abusiva, descompensada. A vida se tornará mais intensa, verdadeira e cheia de significado.

Boa notícia também para os deprimidos e ansiosos. A eles chegará a compreensão de que a ferida pode ser curada com autoconhecimento, que dará um sentido à existência. Prevejo que 2017 será o ano da coragem. Enfrentaremos nossas dificuldades sem procrastinação nem transferências de responsabilidade.

E, para quem deseja um amor, a notícia mais aguardada: nesse ano, só encalha quem quiser. Estaremos mais dispostos a receber quem chegar como for, distante de idealizações. Entenderemos que grande parte das nossas críticas fala mais de nós do que do outro.

Reaprenderemos a conversar, entendendo que ouvir é tão importante como contar histórias. E faremos isso face a face (e não Facebook a Facebook). Só usaremos os meios virtuais para marcar encontros, não mais alegaremos falta de tempo. Olharemos mais rostos e menos telas.

Por fim, reclamaremos menos do que passou (valeu, 2016) e seremos mais otimistas com as oportunidades que virão.

Assim desejo.

Psique: Desejamos a renovação, mas esperamos que ela comece de fora pra dentro

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Quem lida com a terra sabe: é preciso podar para que a planta ganhe vigor. A seiva da vida se distribui novamente, acordando a natureza. Despontam galhos nos vãos improdutivos, tudo ganha nova configuração. Para ver o viço do broto, é necessário um certo grau de perda.

O tempo inteiro, vivemos essa metáfora. Somos chamados a cortar fora aquilo que, aparentemente, ainda poderia ser aproveitado – mas que pode estar emperrando novas possibilidades, mais harmônicas.

O eterno renascimento é um tema arquetípico – ou seja, um tema arcaico e típico, repetido na história da humanidade com tamanha intensidade, a ponto de ajudar a determiná-la. Tal arquétipo conduz a experiência humana, naturalmente resistente à ideia do fim, do encerramento.

Acreditamos no advento de um bebê redentor numa manjedoura por esse motivo. Da mesma forma, raspam-se cabeças em iniciações ritualísticas para conotar o despontar para uma nova vida. Ou como cremos numa vida pós-morte, ou na reencarnação – manifestações simbólicas desse fazer brotar após um corte.

A ideia de recomeço parte de uma necessidade de atribuir sentido à existência. Sem ele, fica muito difícil suportar a desumanidade criada pelo próprio homem. Sem essa confiança, não sobreviveríamos a anos como este que se encerra – no qual aprendemos que a justiça é cega, mas de um olho só.

O renascimento é uma ilusão, um mal necessário. De pensarmos que a realidade mudará ao virar do calendário, do governo, do preço do petróleo, da atualização do aplicativo. Isso nos mantém com os pés sobre a terra e eleva nosso olhar ao horizonte. Certamente não nos salvará de nós mesmos. Mas nos fará ganhar tempo.

Esse tempo é necessário para que assimilemos, para digerirmos uma realidade soluçante, na qual tudo inquieta, estranha ou parece falso. E para que tomemos consciência sobre nossa participação no mundo.

Muitos não sabem aproveitá-lo. Enquanto alguns se arvoram com facões, decepando tudo o que julgam nocivo, outros permanecem ávidos para ver o verde-esperança dos brotos.

É preciso saber a medida certa dos cortes. Se for intransigente demais, profundo demais, precipitado demais, poderá levar a planta a definhar. Olhamos ao redor e o mundo parece estar mais voltado ao extermínio que ao cultivo.

Principalmente porque estamos sempre preocupados com os ramos alheios que atrapalham nossa visão. Mas nem sempre nos damos conta da nossa anatomia anômala – dos nossos galhos que se impõem, das nossas raízes que se levantam do chão.

Desejamos a renovação, mas esperamos que ela comece de fora para dentro. Da nossa seiva, nenhuma gota deve rolar – e ainda assim queremos uma vida mais interessante e frondosa. Adoramos o exercício da jardinagem, mas temos uma dificuldade enorme em nos vermos árvores que carecem de poda.

Psique: Quando o fim do ano se aproxima, devemos fazer balanço da vida

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Individuality concept, birds on a wire

Somos seres impressionantes e impressionáveis. A cada momento, algo novo nos atravessa – vindo de fora, do outro, ou de algum aspecto desconhecido de nós mesmos. E em cada atravessamento, a plasticidade da vida se manifesta.

A mudança está ali, até quando não temos a capacidade de percebê-la. Quando o encerramento do ano se aproxima, invariavelmente o consultório assume uma espécie de ritmo de balanço. Clientes aprontam retrospectivas, traçam metas, fazem inventários, pedem devolutivas.E isso é muito importante, faz parte do meu papel. Especialmente porque nem sempre temos por hábito avaliar a trajetória percorrida. O ideal de irmos muito além faz com que menosprezemos resultados. Aí eu entro: mostro como foi importante cada avanço.

É uma espécie de educação para que celebremos nossos méritos. Sem pedantismos, nem egos inflacionados. Mas ter o orgulho e a honra de conseguir suportar as próprias mazelas, transformar o que é possível, explorar as possibilidades da melhor forma. Sentir-se inteiro na própria vida.

É gratificante quando vemos um novo brilho no olhar, uma postura mais serena, mais assertiva. A cumplicidade que se forma na nossa relação faz com que os avanços não precisem ser nomeados – são percebidos de alma para alma.

Nesses momentos, confrontamo-nos com o orgulho e a vaidade, que podem ser a grande mácula de todos nós, terapeutas. Nosso papel é de acompanhar transformações, e não de deflagrá-las. Entender isso custa um tanto, assim como também custa a frustração de não ver o avanço que idealizamos.

Esse acaba sendo também um período de despedidas. Por mil razões. As viagens de férias. As mudanças de cidade. Os novos planos. As fugas diante dos grandes confrontos. Tudo potencializa encerramentos, cada um deles inspira uma emoção. Realização, fé, preocupação, alívio.

Alguns saem por sentirem-se prontos. Outros por acharem que nunca se aprontarão. Outros ainda por não terem encontrado a aliança que desejavam. Triste mesmo é ver os que se desligam pelo medo da mudança, que escapam acuados pela própria sombra.

Por aqui, vou ficando. Arejar a cabeça, remexer os livros, realizar novos pensamentos, conectar velhas emoções. Tudo para que, quem chegue, seja recebido com a energia de renovação – algo imprescindível para os dias de hoje.

Psique: Viver bem é saber ocupar seu lugar no mundo, e não qualquer lugar

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Large cog wheels in the motor.

Onde termina a vida e começa a sobrevivência? Pergunta capciosa, de respostas múltiplas. Aqui falo do significado da vida, da razão para existir e ocupar, com um corpo, um lugar no tempo e no espaço. De algo que, que de tão óbvio, parece estar subentendido. Não está.

No meu ofício de analista, acostumei-me a estar diante de sujeitos que nem sempre sabem para que existem. Sabem até os porquês – especialmente enumeram aqueles que impõem sofrimento. Quase nunca percebem a ausência de sentido como alimento do mal-estar.

Existir é muito pouco para a condição humana. Desde os primórdios, quando começou a pensar-se, o ser humano buscou uma função a ocupar diante do outro e do todo. Uma função que validasse sua inserção no universo que o engloba, que o identifique como ser único.

E, enquanto vivíamos no dito primitivismo, essas respostas eram suficientes. Jung cita o representante da tribo aborígene que tinha por função permitir que o sol nascesse. Obviamente, uma fantasia mágica. Mas que era impreterível a ele e aos seus convivas.

Representar esse papel era a salvação de tal sujeito. Era experimentar o sagrado em si. Por esse motivo, desempenhava esse ofício da maneira mais fiel e responsável o possível. Hoje, demarcamos espaço com feitos superficiais e repetitivos, com um álbum de fotos e depoimentos curtos sobre nossos afazeres. Reclamamos da segunda-feira, do cansaço, da corrupção. Comemoramos a sexta, o lazer, as vantagens que o outro não percebeu – mesmo que não saibamos o que fazer com o tempo, nem entendemos a função da diversão e da ética.

Replicamos ideias, crendo que somos delas autores (na dúvida, pesquise em Platão ou Aristóteles – “é provável que eles já tenham pensado sobre isso, e de forma melhor”, como me alertou uma professora querida).

E, assim, sobrevivemos. Assumimos um estado de torpor enquanto a morte não vem. Não arriscamos, pois não queremos perder. Queixamo-nos pelas oportunidades que não chegam. Descartamos o aprofundamento, quando ele exige mudanças. Culpamos, muito, o outro por nossos fracassos. Não nos permitimos a dádiva educativa do fracasso.

Nesse estado de espera por um advento, ou um agente redentor, evitamos tudo que inspira vida. O movimento, a desconstrução, o embate. Não sentimos a alma pulsar, e isso se traduz numa ausência de sentido, uma espécie de desconexão ou falta de pertencimento.

Muitas vezes, tudo isso é simples reflexo da dificuldade que temos de bancar o que sempre soubemos, mas nunca quisemos admitir. Aquilo que, convencionalmente, não parece o melhor – apesar de, por dentro, ser um valor genuinamente seu. Parece difícil bancar nossa verdade.

Basta olhar para a história da humanidade. Os veneráveis nunca eram os mais bem adaptados, e sim os autênticos. Quase sempre, eles não tiveram autorização para realizarem a própria história. Muitos pagaram com a vida. Viver nunca foi fácil. Mas é recompensante.

nivas gallo