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Psique: Desejamos a renovação, mas esperamos que ela comece de fora pra dentro

Crédito: Metrópoles/iStock

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Quem lida com a terra sabe: é preciso podar para que a planta ganhe vigor. A seiva da vida se distribui novamente, acordando a natureza. Despontam galhos nos vãos improdutivos, tudo ganha nova configuração. Para ver o viço do broto, é necessário um certo grau de perda.

O tempo inteiro, vivemos essa metáfora. Somos chamados a cortar fora aquilo que, aparentemente, ainda poderia ser aproveitado – mas que pode estar emperrando novas possibilidades, mais harmônicas.

O eterno renascimento é um tema arquetípico – ou seja, um tema arcaico e típico, repetido na história da humanidade com tamanha intensidade, a ponto de ajudar a determiná-la. Tal arquétipo conduz a experiência humana, naturalmente resistente à ideia do fim, do encerramento.

Acreditamos no advento de um bebê redentor numa manjedoura por esse motivo. Da mesma forma, raspam-se cabeças em iniciações ritualísticas para conotar o despontar para uma nova vida. Ou como cremos numa vida pós-morte, ou na reencarnação – manifestações simbólicas desse fazer brotar após um corte.

A ideia de recomeço parte de uma necessidade de atribuir sentido à existência. Sem ele, fica muito difícil suportar a desumanidade criada pelo próprio homem. Sem essa confiança, não sobreviveríamos a anos como este que se encerra – no qual aprendemos que a justiça é cega, mas de um olho só.

O renascimento é uma ilusão, um mal necessário. De pensarmos que a realidade mudará ao virar do calendário, do governo, do preço do petróleo, da atualização do aplicativo. Isso nos mantém com os pés sobre a terra e eleva nosso olhar ao horizonte. Certamente não nos salvará de nós mesmos. Mas nos fará ganhar tempo.

Esse tempo é necessário para que assimilemos, para digerirmos uma realidade soluçante, na qual tudo inquieta, estranha ou parece falso. E para que tomemos consciência sobre nossa participação no mundo.

Muitos não sabem aproveitá-lo. Enquanto alguns se arvoram com facões, decepando tudo o que julgam nocivo, outros permanecem ávidos para ver o verde-esperança dos brotos.

É preciso saber a medida certa dos cortes. Se for intransigente demais, profundo demais, precipitado demais, poderá levar a planta a definhar. Olhamos ao redor e o mundo parece estar mais voltado ao extermínio que ao cultivo.

Principalmente porque estamos sempre preocupados com os ramos alheios que atrapalham nossa visão. Mas nem sempre nos damos conta da nossa anatomia anômala – dos nossos galhos que se impõem, das nossas raízes que se levantam do chão.

Desejamos a renovação, mas esperamos que ela comece de fora para dentro. Da nossa seiva, nenhuma gota deve rolar – e ainda assim queremos uma vida mais interessante e frondosa. Adoramos o exercício da jardinagem, mas temos uma dificuldade enorme em nos vermos árvores que carecem de poda.

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