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Psique: A importância dos líderes

Fonte: Metrópoles

one lit bulb shines on others, leader.

Cada pessoa tem sua própria verdade. E as afinidades surgem quando as verdades de um casam com a verdade do outro. Surgem daí as lideranças, ou seja, sujeitos que ganham representatividade ao sintetizar e defender uma certa ideia em nome de seus semelhantes.

Numa noite da semana passada, vivi uma experiência ímpar, que me fez pensar sobre tudo isso. Diante de 200 expectadores, a voz de um jovem desnudava a dor de centenas de milhares de pessoas. Aos 18 anos, Gabriel Estrëla descobriu que tinha sido infectado pelo vírus do HIV/Aids. Viu tudo se transformar diante do inesperado, não sabia como agir. Aos 23, transformou sua história num musical para conscientizar de forma sensível sobre os riscos da doença.

Falo em conscientização porque o que Gabriel fez não é um drama – apesar de inúmeros fungados e soluços, seguidos de aplausos em cena aberta, que se ouvia ao longo do espetáculo. Ele cumpre um papel social, ao assumir a voz coletiva dos soropositivos. Especialmente daqueles que, como ele foi um dia, acreditavam na invencibilidade da juventude.

O recado foi reforçado, ao fim da apresentação, por Christiano Ramos. Ele também contraiu o vírus aos 18. Hoje, com 51, entende que o HIV/Aids foi o que deu sentido a sua existência. Ele preside a principal ONG de assistência e orientação a pacientes infectados.

Um por todos

Posicionar-se como um exemplo é um ato de coragem e abnegação. Quem assume esse lugar perde parte de si em nome do todo. Quem fala a partir dele é o coletivo. Ele carregará o prazer e a dor dos demais sujeitos que compartilham histórias semelhantes. Por eles também será cobrado. Representar um grupo não é simplesmente vestir uma camisa. É tatuar na pele, em lugar visível, a sua verdade. É para poucos.

O desafio maior é não perder-se nesse coletivo. A força emanada pela liderança é gratificante a quem olha e se vê espelhado. Da mesma forma, é gratificante perceber o poder que esses papeis trazem. Seja por um motivo, seja por outro, ceder pode ser muito perigoso.

Em qualquer lugar, temos exemplos de pessoas que se confundem com cargos, instituições, títulos, funções, doenças, times, partidos… E que não conseguem mais encontrar a própria individualidade, tornaram-se escravos das bandeiras que hasteiam. Tornaram-se caricaturas de si mesmos. O que separa o líder do mártir é a consciência sobre si mesmo.

Referências são essenciais

No entanto, o mundo precisa de líderes, de representantes dos grandes temas que permeiam a humanidade. Eles encarnam um importante arquétipo: o norteador, o que usa a própria experiência para orientar sobre os caminhos a seguir. A referência é imprescindível ao nosso desenvolvimento: precisamos de pessoas que nos inspirem sobre o que ser, ou o que não ser.

Olhar para frente e ver que alguém já percorreu esse caminho acalma o coração, nos momentos de desespero, e inflama a alma, nos momentos de apatia. Gabriéis, Christianos e semelhantes auxiliam a dar forma às inquietações que a existência nos presenteia.

Cada um com sua causa, cada um com sua vestimenta, os norteadores auxiliam a dar nome e forma ao desconhecido que se manifesta diante de nós. E nos conduzem pela mão até que essas temáticas ganhem significado dentro de nós, para que determinemos nosso próprio caminho. Sejamos gratos. E, a eles, desejemos: boa sorte.

Psique: Paris e Rio Doce – o horror e a “solidariedade estética”

Crédito: Metrópoles

RJ - PARIS/ATENTADOS/CRISTO REDENTOR - GERAL - O monumento do Cristo Redentor é visto iluminado com as cores da bandeira da França, no   Rio de Janeiro, neste sábado (14), em homenagem às vítimas dos ataques terroristas em   Paris.    14/11/2015 - Foto: ALEX RIBEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO

No início deste ano, foi noticiado que, num período de dois dias, dois mil seres humanos foram exterminados na Nigéria por grupos radicais islâmicos. A Nigéria é longe. É desinteressante. É pobre. É inexpressiva. Qual é o ponto turístico da Nigéria? Qual o grande monumento? Que lugar ocupa na fila do glamour? Onde se faz um bom selfie na Nigéria?

Em Paris, não. É tragédia sem precedentes. Dá dó. Preocupa. Pray for Paris. Graças a Deus, meus amigos que vivem lá estão bem. O mundo não pode continuar assim, tenho de expressar minha revolta. Vou usar aqui o aplicativo da rede social para pintar minha fotografia com as cores da bandeira francesa.

Não é a geografia que separa Nigéria, França, Síria e demais lugares assolados pelo terrível fundamentalismo. Nem é o ódio: todos os ataques são motivados pela intolerância, pelo desejo de extermínio de tudo que é diferente. É a imagem que distingue tais nações. Ou, como ressaltou um amigo: “até a solidariedade é estética!!”.

Dois pesos, duas medidas
Esse é um ato de terror que cometemos sem perceber. O mendigo loiro e de olhos azuis ganha espaço nas mídias, enquanto o coração dispara apreensivo na aproximação do rapaz negro na calçada. A piada sobre o nordestino, a travesti, o macumbeiro, o aleijado… Tudo isso ofende menos do que o xingamento que recebo quando cometo alguma atrocidade no trânsito.

Na mesma semana, nosso país se deparou com o maior desastre ambiental da história. Uma população foi engolida pela lama. Resíduos tóxicos mataram um rio, e levarão um rastro de dano que irá desembocar no oceano. Não é preciso ser vidente para saber que a contaminação amaldiçoará gerações. Mas onde mesmo fica Mariana?

E se a lama da desgraça manchasse Ipanema, Copacabana? Se a vila atingida fosse Trancoso? Se as lembranças das últimas férias fossem maculadas? Certamente, a rede social providenciaria um aplicativo para alterar fotos de perfil. E a solidariedade seria instantânea.

A empatia é um afeto que se apresenta quando conseguimos nos ver no lugar do outro. E isso é muito mais fácil de acontecer quando reconheço o outro como um semelhante. Ou quando vejo o outro como um modelo a ser seguido. Duro é reconhecer a necessidade de quem não me assemelha.

Além disso, a “solidariedade estética” pouco faz em resultados práticos. Costuma não passar da fotografia, da frase indignada. É insuficiente para transformar, pois dura apenas o período de ebulição do assunto. Natural que seja assim: em nossa vida, só perdura o que vem da alma.

Encenar o bem
Todos nós investimos em personas, ou seja, papeis sociais que assumimos frente ao mundo. Os valores cultivados aí são oportunistas e utilitários. Somente investimos neles enquanto nos gratificam. E a principal gratificação que vem da persona é ocultar temas perturbadores, controversos, que nos colocam em contradição.

Dessa forma, a solidariedade estética pode apontar justamente para sua sombra: o egoísmo, a incapacidade de enxergar o mundo pelos olhos do outro. Olhe o parisiense e o membro do estado islâmico; o dono da mineradora e o ribeirinho afetado pelo desastre. Encenar o bem é diferente de fazer o bem. A compaixão vai além das diferenças.

Não questiono tudo isso para comparar tragédias. Dor e sofrimento são medidas intransferíveis. As duas, e as demais que fazem o mundo soluçar, merecem nossa atenção plena, nossa contribuição plena. Isso só se faz com a verdade de sentimentos.

Crises apontam para o colapso, ou para a transformação. Tudo dependerá do trato que assumirmos. Por aqui, seguimos morrendo. Vi numa charge que Deus resolveu tirar férias. Primeiro, temi por parecer verdade. Mas não: certamente, Ele está mais atento do que nunca. Distraídos estamos nós.

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Sento para escrever esse texto, ligo a seleção aleatória de músicas do meu computador. A primeira que toca é o Hino Nacional Brasileiro, gravado por Fafá de Belém em 1985, no álbum Aprendizes da esperança. Eu tinha cinco anos. Não entendia nada do que ocorria com o cenário político da nação. Mesmo assim, chorava cada vez que a canção era repetida.

No começo, minha mãe se preocupava, depois virou piada familiar. Isso aconteceu incontáveis vezes, afinal a música foi o tema das Diretas Já, da comoção pela morte de Tancredo. Desta vez, tocou e não chorei. Algo mudou em mim. Amargor da desesperança, sobriedade do amadurecimento? Temo que, como ocorreu na minha infância, os temas que trago nesse texto passem a ser tratados como algo banal. Ou, pior: virem motivo de piada.

Palestra: “Gerir pessoas em tempos de crise”

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Eis o registro da palestra “Gerir pessoas em tempos de crise”, elaborada a pedido da Escola Corporativa da Companhia de Saneamento Ambiental do DF (CAESB). No encontro, direcionado para aproximadamente 70 gestores, usei os conceitos junguianos para falar sobre a função de mediação do RH – e todos os arquétipos e complexos que despontam desse ofício.

 

 

Psique: Não foi isso que eu quis dizer

Crédito: Metrópoles

desentendimento

Temos 26 letras para compor palavras. A última versão do mais popular dicionário brasileiro lista cerca de 500 mil palavras em língua portuguesa. Hoje, estima-se que esse número passe de 600 mil. Temos emoticons, que sintetizam em imagens simples um bocado das coisas que queremos dizer. Tudo isso fora o olhar, a entonação, a pausa, os sinais de pontuação. Não faltam recursos de expressão, e ainda optamos pela saída mais perigosa: o subentendido.

Em geral, a boca se cala para não magoar. Acha que, ao falar, gerará no outro a resposta do afastamento, da tristeza, do sofrimento. Teme perder o bem-estar que, muitas vezes, já não tem. Ou então não diz para não se expor. Não quer comprometer-se com a realidade que se apresenta. Não quer ter de responder pelas repercussões que ressoarão a partir daí.

Enquanto a boca se fecha, uma porta nefasta se abre. Dela, escapam três males. O primeiro é a maledicência. Quando o outro não se pronuncia, muitas vezes nos vemos no direito de definir por ele. E daí damos a nossa versão da história. Sustentamos como se fosse absoluta – por mais que me atenda, não temos esse direito. E, com isso, propagamos uma onda negativa, errada, que não esclarece. Justamente o contrário: turva ainda mais o conflito, dificulta a solução.

Omissão e abuso
Quando o silêncio é nosso, a porta se abre novamente. Damos espaço para a malícia, municiamos o outro com a capacidade de intervir, maleficamente, sobre nós. Omitir é viabilizar o abuso, a intromissão, a permissividade. Fazer isso é mostrar que não gostamos de quem somos, ou que não estamos convictos das nossas escolhas.

Por último, o mais comum e mais perturbador dos males: o mal-entendido. Um berra em grego, e ignora que o outro só fala latim. O desentendimento aparece quando não se sabe conciliar as linguagens individuais, mesmo que se concorde com o teor do que é discutido. “Não era isso que eu queria dizer.” Só falamos isso quando, na verdade, fomos econômicos demais na nossa tentativa de transmitir ao outro o que se passa na mente e no coração.

Daí cada um interpreta o silêncio a partir do seu repertório de vida. E, geralmente, nessas horas são as cicatrizes que conduzem as sinapses: as memórias das dores, as decepções sofridas, as ausências com as quais se conviveu. Não usamos a venda da justiça para a situação. Olhamos com os velhos olhos, que estão viciados em enxergar de uma determinada forma.

Silêncio de ouro
Por essa razão, devemos lembrar sempre que somos parcialmente responsáveis pelo que dizemos, mas jamais teremos certeza sobre o que o outro entenderá. Falo em responsabilidade parcial pois, na dinâmica psíquica, a consciência é sempre menor diante das forças que emanam do inconsciente. Mas não vale usar esse argumento para tentar desdizer, ou justificar o silêncio: é nosso dever manter a gerência dos nossos atos.

Toda comunicação depende de argumentos, e argumentar é uma arte que se inicia com a escuta. Não adianta querer impor a sua verdade se não souber cerrar os lábios enquanto a do outro se apresenta. Esse, sim, é o silêncio de ouro. Escutar é o que nos pluraliza os idiomas emocionais, que serão úteis conversas mais difíceis. Aí fica fácil entender o provérbio que diz que a verdade cabe em qualquer lugar. E cabe mesmo. Por mais dura que seja, ela envenena menos que qualquer ilusão.

Psique: Nutrição emocional para a boa saúde

Crédito: Metrópoles

nutrição

 

Uma vida saudável depende de bons hábitos alimentares: avaliar o que se ingere para saber como o corpo assimilará cada nutriente. Tem coisa que não cai bem, e precisa ser evitado. Outras, mesmo que não estejam na lista dos sabores favoritos, são necessárias para que o funcionamento se mantenha harmônico. Saiba o que comer para viver bem. Literal e metaforicamente.

Atenção para as fontes: a procedência faz diferença. Nem sempre podemos escolher os conteúdos que vamos consumir. Às vezes, as circunstâncias nos empurram coisas goela abaixo. Mas, quando estamos bem alimentados, essa perturbação não durará muito tempo. Logo saberemos ingerir algo que neutralize os efeitos prejudiciais da intoxicação. Para esses casos, um bom amigo pode ser o antídoto. Ele ajudará a metabolizar o veneno alheio, e até sustentará se tivermos de botar para fora o veneno que invade.

Perca as gorduras que limitam a vida. Ter um olhar providente é imprescindível para que não fiquemos rendidos. Mas não adianta querer fazer do acúmulo de recursos uma saída para a vida. Isso denuncia a falta de confiança no futuro: você não precisa de estoque de energia, você não ficará sem. Tudo aquilo que excede compromete tanto quanto a falta. Avalie, de forma leal, do que precisa para viver.

Mantenha atenção na firmeza dos ossos, para que tudo possa se sustentar bem. O esqueleto é a base mais firme, menos mutável, o radical da nossa existência. Representa nosso limite natural, nossa ancestralidade. Molda nossa estrutura, o formato que temos. Tudo aquilo que calcificamos na vida é osso: as heranças, os conceitos que cultivamos, nossas convicções. O mundo pode tentar entortar certas formas, mas temos de aprender a resistir para fortalecer.

Mas não se pode descuidar das articulações. A capacidade de flexibilizar é imprescindível para manter o movimento, a fluidez. Nisso, recomendo dois alimentos fantásticos: a dúvida e o argumento. Eles impedem a artrite da tirania. A escuta também ajuda muito, sem ela não conseguimos articular nada: um bom pensamento, uma boa relação, tudo depende da capacidade de troca. Isso revigora a gelatina que une nossos valores mais profundos.

Invista no desenvolvimento muscular, para ganhar a força necessária para os desafios. Fazer corpo mole diante das dificuldades atrapalha o organismo todo. A capacidade de enfrentamento tende a nos levar a desafios ainda maiores. Mas também às melhores recompensas. A primeira delas é de não sofrer tanto quando estamos diante dos pesos que precisamos carregar. Um bom suplemento: a coragem.

Para finalizar, ouça o que suas vísceras falam para você. Elas saberão falar das suas necessidades mais profundas, sinalizam de cara sobre aquilo que lhe fará mal e deve ser evitado. Confie. Também é das vísceras que virão aquelas salivações estranhas, que remetem a coisas bem específicas.

Um prato de mingau, com terno sabor de infância. Um acarajé apimentado, que transborda lascívia e paixão. Experimente o prato exótico, que você arrisca sem saber se o sabor agradará. Coma a fruta azeda, que te fecha o semblante, mas que evitará a contaminação de um agente nocivo. Em excesso, tudo isso pode fazer mal. Mas, às vezes, está neles o nutriente nos falta.

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