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Psique: Não consigo acreditar que as pessoas nasçam mau-caráter

crédito: Metrópoles/iStock

Um provérbio russo diz: “Só coramos ao cantarmos a primeira canção”. E assim costuma ser quando precisamos vencer alguma barreira. Seja ela para o nosso crescimento ou para a nossa degradação.

Não consigo acreditar num “mau-caratismo inato”, em alguém que, ao nascer, já carregue consigo inclinações para o erro. Com isso, não quero dizer que somos produto do meio. Não somente.

Percebo temperamentos que se manifestam de forma inata, uma espécie de tonalidade natural da alma, que conduzirá atitudes e reações. Mas falo aqui principalmente do caráter. Vai além da forma como somos afetados pelos acontecimentos. Mostra como reagimos a eles.

A primeira atitude que marca o descaminho costuma vir acompanhada por uma sensação ambígua. Um constrangimento, mas também um pequeno triunfo. Afinal, quando nos corrompemos, o fazemos em busca de algum benefício: abreviar um desconforto ou encontrar uma vantagem – preferencialmente, antes do outro.

Na infância, vemos isso claramente quando a criança comete suas pequenas subversões. Inocentes, pertinentes à idade. A moeda achada e guardada no bolso, esconder o chocolate para comê-lo sozinho, mentir sobre as verdadeiras intenções…

O sorriso que esboçam denuncia algo que vai além da sagacidade: aponta para o prazer que deriva do ilícito, do que é contrário ao adequado. É a primeira dose que tomamos do licor do poder. E que, em repetição, pode nos embebedar.
O descaminho é sedutor justamente porque é saboroso, aprazível, vantajoso. Caso contrário, o afastaríamos naturalmente da lista de possibilidades. O problema está nas consequências, muitas vezes mais complicadas que o impasse gerado pela situação original.

Valores são como o alicerce de uma construção. Para que seja sólido e estável, precisa de assimilação, sedimentação, compactação. Os exemplos funcionam como moldes: as referências que preciso ter para nortear minhas atitudes. Mas não são garantias.

Se assim fosse, a debilidade de caráter não se manifestaria em filhos de pais estruturados. Ou, entre irmãos, todos assumiriam uma postura semelhante diante de uma questão duvidosa. Até um certo momento, os pais tem a responsabilidade de oferecer essas referências. Depois, é cada um que irá manter, destruir ou melhorar aquilo que herdou.

Não prego o discurso moralista, até porque entendo que o erro é a estratégia que encontramos para o desenvolvimento. Se sujou, limpe. Precisamos nos responsabilizar por nossos atos, mesmo que as consequências não sejam condizentes com a nossa intenção.

A vida é um exercício empírico, uma peça que estreia sem ensaio. É óbvio que vamos nos surpreender com atitudes equivocadas, com nossa maledicência escapando entre os dentes, entre os dedos, desfigurando nossa face.

Mas, no fundo, somos as melhores testemunhas de nós mesmos. Quanto mais atenção temos com o que fazemos, mais aprenderemos sobre quem somos. Evitar o erro não deve ser prioridade. Só não podemos permitir que nossa face deixe de corar diante dos equívocos cometidos.

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