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Psique: Suas verdades servem apenas a você. E por enquanto

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Various human emotions and mood. Abstract image with a wooden puppet

Cada ser humano dotado de consciência tem um repertório de verdades. Uns, se contentam com aquelas mais limitadas e restritivas. Outros, mais abertos a novas perspectivas (felizes desses, e de quem com eles convive). Só não conseguimos viver sem ter no que acreditar.

O mundo é um caos: um bombardeio de ideias, imagens, acontecimentos e emoções. No meio dessa história, um negócio chamado consciência: a percepção do que acontece em si e no seu entorno. É o nosso barco, aquilo que nos transmite uma certa segurança para que não fiquemos à deriva em meio a este oceano turbulento.

Sendo essas águas quase sempre muito agitadas, buscamos locais nos quais podemos ancorar nosso barquinho. As verdades servem para isso: elas nos dão a impressão de segurança diante dessa imensidão incontrolável. São ilusões necessárias, que buscamos simplesmente para não naufragar na imensidão.

A cartilha que nos define a realidade começa a ser escrita antes mesmo de nosso nascimento: ao descobrir a concepção, uma série de conceitos começa a orbitar em torno do ser que desponta. Desejado ou um susto, primeiro ou caçula, menino ou menina, gestação tranquila ou repouso. Tudo isso gera suposições sobre nosso futuro, e sobre o que acreditaremos.

Obviamente, e graças a Deus, a alma tem a chance de manifestar-se além dessas expectativas projetadas. Aos poucos, despontam nossos talentos, temperamento. Abrimo-nos a outras influências, criamos outras referências…

E, aos poucos, rasuramos algumas dessas verdades para substitui-las por outras, mais pertinentes ou oportunas. Ou seja, a eficácia de nossas crenças é transitória. Serve enquanto nos oferece o esteio, a segurança. Verdades vencidas viram conflitos.
Deveríamos substituir nossas crenças sempre que perdem função. Mas não é tão simples. Mantemos com elas uma estranha fidelidade. Uns garantem que por gratidão. Do que percebo, muito mais pelo medo do desconhecido.

Afinal, enquanto navegamos entre um porto e outro, estamos suscetíveis às intempéries do mar das coisas do mundo. Monstros marinhos podem emergir e testar nossa capacidade de enfrentá-los. Podemos ser tomados pela incerteza de quem somos, do sentido das coisas.

Esse pesadelo terrível faz com que muitos se apeguem às velhas pedras do cais, sem ver que já estão desgastadas pelo uso. Não percebem também que a incoerência enferrujou as correntes que usam para se fixarem.

Desacreditar é um exercício de crescimento. Por melhor que seja, a segurança de uma verdade restringe as demais possibilidades. Basta lembrar que os grandes tesouros não repousam nas margens, e sim no profundo das águas.

Psique: Se nos afetamos pela história do outro, essa história é mais nossa que dele

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Hands were a collaboration concept of teamwork

Tenho um problema, que cada vez mais tento combater: tomo para mim as brigas de quem amo. Descobri que isso é um problema aos poucos ao buscar refletir mais sobre os acontecimentos e a forma como reajo. Não que meus amigos não mereçam minha defesa. Talvez eles simplesmente não queiram, possam ou precisem.

E isso pode parecer frustrante, quando se tem essa postura de quem quer cuidar. Afinal, é o atestado de incompetência, de ingerência diante da vida do outro.

Mas, tenho aprendido, a justa medida está no esperar que a demanda venha. E saber atender apenas aquilo que, de fato, temos condição. Com simplicidade, sem grandes interpretações ou desdobramentos. Confiar que somente o outro sabe pedir o que quer.

Comecei a tomar consciência disso quando vi dois amigos passarem por situações que me afetaram muito. Um dos casos foi uma relação daquelas manipulações perversas, motivadas pela conveniência de um e pelo desejo do outro de relacionar-se. Eu ficava irado a cada nova história que sabia.

A outra situação era daquelas que chamo de “apropriação indevida de valores alheios”. Gente que se sente no direito de dispor daquilo que não é seu, como se fosse, abusando da boa vontade alheia. Sentia-me no dever de “alertar” a vítima, que sempre se comportava de forma permissiva.

Percebi que os problemas que eu avistava e que me incomodavam tanto faziam mais parte de mim que das pessoas em questão. Eles conviviam bem com tudo isso, gratificavam-se com aquilo que lhes era oferecido. Errado estava eu, em querer cobrar-lhes uma atitude à qual não estavam disponíveis.

O erro que cometi (e, às vezes, ainda cometo) é bastante comum. Difícil é nos darmos conta das razões que o motivam. Sempre que eu me afeto demais com uma história que não é minha, é porque ela reflete algo das minhas feridas. Daí partem as grandes causas que mobilizam a coletividade. Mas também muitos dissabores desnecessários do cotidiano.

Quando a dor do outro dói demais em mim, preciso entender o quanto isso espelha o meu comportamento (seja por similaridade ou oposição). Escondemo-nos no argumento da empatia, sem perceber que este nobre sentimento não costuma vir acompanhado por toda essa afetação.

Ao sermos tomados de forma muito enfática por uma temática alheia, o recomendado é desarmarmo-nos e adiar qualquer ação ou comentário – sob o risco da injustiça. Buscar dentro de si aquilo que corresponde ao mal-estar alheio. Saber do que queremos cuidar e do que carece de cuidado em nós.
Assim, temos mais chance de atravessar o caminho do outro sem excessos, em vez de usá-los para expurgar nossas próprias mazelas. Nesses casos, a adequação não vem apenas da forma, mas principalmente da medida.

Psique: Não é a orientação sexual que incomoda os homofóbicos. É o sorriso

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Leonardo-Vieira

Aos 48 anos, Leonardo Vieira precisa vir a público para declarar-se homossexual. Tudo porque um galã de novelas não pode gostar de outro homem e querer relacionar-se com ele com naturalidade (com demonstrações públicas de afeto, quero dizer). Estamos em 2017, e um beijo ainda é notícia.

Este homem não teria motivos para esconder como se orienta o seu desejo. É independente, garante o próprio sustento com trabalho honesto, conduz as próprias escolhas. Diz ter recebido o apoio familiar suficiente ao seu conforto. Não tinha a quem dever tal satisfação.

Por esse motivo, Leonardo diz que nunca se “assumiu” gay, por não considerar a sua homossexualidade como um erro. Afinal, falhas cometidas precisam ser assumidas. Condições de vida precisam ser vivenciadas.
Sua maturidade, coragem e lucidez fizeram com que ele não mantivesse esse tema na sombra de seu destino. Muitos colegas de trabalho, homossexuais notórios, mantêm uma vida dupla em nome do status profissional de galã da novela das nove – lugar que Leonardo ocupou.

Outros têm na homossexualidade uma condição fatal: morrem por serem gays. Não são suportados pela condição que lhes atravessa, como se contaminassem os acontecimentos do entorno. Ou não suportam tal situação consigo próprios: evitam a dor e a vergonha, do outro e de si, abreviando a própria existência.

Ou, pior, morrem em vida diante dos sonhos de realização de uma vida inteira. Sentem-se farsas ao negarem o que sentem ser. Carregam o peso de acreditarem terem nascido errados – como se um erro fosse. Sofrem calados piadas e comentários depreciativos, que, mesmo quando não lhe são direcionados explicitamente, atingem em cheio a ferida.

Ao observarmos a sombra na psique, vemos que nela moram as tendências e potências reprimidas pela censura do ego. Mas acho perigoso generalizar que todo comentário pejorativo contra gays, lésbicas e afins revela sempre uma homossexualidade latente não vivenciada. A meu ver, tal regra só taxa aqueles dominados pela caça frenética e obsessiva aos homossexuais.

Aos demais, parece mais pertinente entender que o incômodo vem do enxergar um ser bem resolvido. Com a própria sexualidade (seja ela qual expressão tiver), ou com a vida de forma geral. Pessoas infelizes tendem a enumerar e cultuar defeitos alheios.

Especialmente de quem não se restringe aos limites que lhe são impostos pela realidade. Quem alegra-se apesar da adversidade, celebra mesmo se desaprovados. O ser humano gosta de normas, pois nelas buscamos garantias de sucesso e realização. Estamos presos a essa fantasia de segurança.

Para quem se identifica e se submete a essa crença, é muito difícil perceber que uma realidade não normativa, como a homossexualidade, possa parecer mais satisfatória que a própria. Fica difícil de compreender. Sem maturidade, nossa tendência é a de desqualificar o que não entendemos como uma debilidade de caráter.

Não é a orientação sexual diferente que incomoda. É o sorriso.

Psique: Queremos pertencer a algum lugar, mas devemos respeitar nossos limites

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Water pouring into a child's hands.

Tudo que é liquido escorre entre os dedos. Podemos pensar nisso como um signo bacana do desapego, da capacidade de deixarmos a vida ter a continuidade que necessita, mesmo longe de nós. Mas essa também é a imagem da inconsistência, da incontinência, da fugacidade.

Foi a partir dessa imagem que o filósofo polonês Zygmunt Bauman construiu uma importante visão sobre a realidade contemporânea, especialmente após a instalação do paradoxo das novas comunicações. E, naturalmente, dos novos formatos de relações.

Afinal, foi a partir delas que construímos uma nova estratégia de interlocução com o outro. E, nela, nos perdemos na escala de prioridades, daquilo que é verdadeiramente importante no viver. Falo aqui do sentido das coisas.

O mundo líquido, como chamou Bauman, é aquele que se adapta rapidamente à qualquer realidade, sem, no entanto, assimilar algum significado das vivências anteriores. Temos a ânsia de provarmos (ao outro e a nós mesmos) que somos capazes de ocupar qualquer “recipiente”, tomando-lhe a forma.

Somos seduzidos com cada vez mais facilidade, entendemos qualquer oferta como uma oportunidade imperdível. Uma plasticidade desgastante, que se valida apenas na possibilidade de viver a novidade, e não de encontrar uma forma que case harmonicamente com a nossa essência.

Nos perdemos pela vontade de pertencer a todos os espaços, quando deveríamos reconhecer os locais, situações e pessoas que se conciliam com nossa alma. Tornamo-nos fragmentados, distantes da nossa identidade.
Pulamos de um galho para outro, dispensando leituras prévia e posterior dos acontecimentos. Ou seja, sem aquele distanciamento básico para avaliar a realidade na qual estamos inseridos, como reagimos a ela e quais os desdobramentos por nossas atitudes. O nome dessa leitura é reflexão.

E é a partir dela que conseguimos converter uma vivência ordinária em experiência, que norteará nossos passos. Nortear: dar norte, fazer com que estejamos orientados e referenciados em algo maior – o tal do sentido que confere alguma importância à existência.

O próprio Bauman não sabia definir se esse mundo liquefeito é uma nova realidade ou somente uma fase transitória. De qualquer forma, é o que temos para viver. E, nele, precisamos encontrar uma forma saudável de assimilar tudo isso.

O pensador nos deixou nesta segunda, aos 91 anos. Seu legado, nada líquido, orientará nossas estratégias de viver e conviver.

Psique: Generalizamos situações quando estamos fisgados por algum complexo

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generalizações

Todo mundo sente ciúme de mim. Sempre acontece isso comigo. Nunca consigo resolver essa questão. Ninguém é capaz de me entender. Adoramos generalizar para definir questões do cotidiano. Fazemos isso sem nos darmos conta de como tais apontamentos indicam questões profundas da alma.

Sempre que algum desses termos aparece numa frase, principalmente quando acompanhados de entonação enfática, é bem provável que estejamos tomados por alguma força psíquica de grande intensidade. É o que chamamos de complexos afetivos.

É como se todas as experiências que tivéssemos sobre um determinado tema fossem organizadas e assimiladas em uma espécie de compartimento interno – os ditos complexos. Eles vão processar as imagens e emoções referentes a essas experiências. E criam, a partir delas, prospecções sobre novos acontecimentos que envolvam o mesmo tema.

Assim, criamos scripts com base nas referências internas. O problema é que, a depender da força do complexo, ele limita a nossa visão: só permite que interpretemos a realidade a partir da lógica por ele desenvolvida. É o lado ruim dessa dinâmica natural de processamento de conteúdos na psique.

Para avaliar a força do complexo no nosso psiquismo, basta avaliar a tonalidade do discurso empregado quando falamos de um determinado tema. Quanto maior for a intensidade das emoções manifestadas (seja de pesar, euforia, raiva etc.), mais robusto está esse complexo e maior a capacidade que ele tem de nos dominar.

Nessa lógica, nada mais eficaz que expressões generalistas para falar daquilo que é intenso em nós. Quando ouvimos que “homem nenhum presta” ou que “todo filho é ingrato“, por exemplo, estamos diante de pessoas muito contaminadas pela própria história – ou por histórias herdadas.

Sim, complexos são compartilhados como piolhos, de cabeça a cabeça. Especialmente quando não aprendemos a refletir. Vão das questões mais triviais à origem de ideologias e culturas.  O problema é que o discurso generalista é incoerente.

Nossos complexos são míopes, e costumam enxergar o mundo pela limitação da unilateralidade. Assim, “sempre”, “nunca”, “ninguém” e similares demonstram uma dificuldade em perceber um universo maior que o imposto pela viseira da nossa interpretação.
Além disso, as generalizações chamam a força do coletivo. É só começar alguma frase com algum desses termos num grupo de pessoas para ver o que acontece: grande chance de aparecer alguém que reitere a crença, o que ajuda a endossar e fortalecer o complexo.

Um perigo, pois atrai para si o “peso” coletivo das experiências negativas sobre o tema em questão. Vira um emaranhamento interminável, incessante. Um castigo eterno.

Escapamos disso quando, pela reflexão, percebemos que cada situação é única, apesar das semelhanças que trazem. Dessa forma, oferecemos ao complexo outras versões para a mesma história – diminuindo assim a sua dinâmica nociva. Alargamos nossa visão para outras possibilidades.

nivas gallo