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Psique: Vivemos numa sociedade em que é constrangedor ser mulher

crédito: Metrópoles/iStock

Quem tem vergonha não faz vergonha. Esse ditado popular fala sobre constrangimento. Aquele sentimento que podemos perceber quando cometemos e reconhecemos nossos equívocos. Aquele sentimento que podemos provocar, quando estamos seduzidos pelo poder e queremos nos impor sobre alguém.

Vivemos numa sociedade em que é constrangedor ser mulher. Se for bonita, ou se não for. Se for sarada, ou se não for. Se for uma profissional de destaque, ou se optar por não trabalhar. Se falar, se tiver opinião.
Constrange-se dentro de casa, quando o tratamento dado entre meninos e meninas não é só diferente, e, sim, quando elas são subestimadas. É reforçado na escola (“meninas levam pratos, meninos levam bebidas”; “essa brincadeira não é para você”; “fulana é fácil”).

Cecília, 3 anos. Aos prantos, arruma uma bolsinha. Queria ir pra rua, para arrumar um marido. A mãe, talvez sem saber que reforçava um estereótipo, postou nas redes sociais e virou meme. O constrangimento vem do homem e vem da própria mulher, inconsciente do machismo que a impregna.

Mal sabe Cecília que, quando chegar no mercado de trabalho, enfrentará absurdos ainda maiores. Não só o acinte da diferença salarial. Mas principalmente os olhares duvidosos, desejosos, indecorosos. Ela ainda será muito constrangida, simplesmente por ser mulher.

Muitos (e muitas) rirão das piadas que lhe serão feitas, por maldade, incompreensão ou por constrangimento. O mundo não está preparado para ela. Talvez por isso, inconscientemente, ela ainda enxergue no artifício do casamento uma saída viável de sobreviver com algum respeito. E nem sempre é o suficiente.

A lei que protege contra as agressões domésticas tem nome de mulher porque são elas quem mais sofrem com esse tipo de ataque. Sofrimento físico, letal, incapacitante. Sofrimento psicológico, que mata as possibilidades de realização e a honra.

Mulher que reclama os direitos que tem é feminazi. Quando apontam as vulnerabilidades de seus opressores, o fazem por serem “mal comidas”. Se apontam incoerências que subvertam o discurso masculino, são taxadas de loucas.

Louca, um dia me ensinou uma mulher de grande respeito, talvez seja a maior das ofensas conferidas a uma mulher. O louco sintetiza o incapaz, o alienado, o inconveniente, o insociável, aquele que não merece nenhum crédito. Chamar de louca é matar na mulher a sua dignidade humana.

 

Sem contar que as mais terríveis ofensas remetem ao feminino, associando-o a algo pejorativo — filho da puta, puta, viado, bichinha. Sim, a homofobia é um traço coerente ao pensamento misógino. Tais xingamentos escapam dos lábios até mesmo dos mais atentos sobre questões de igualdade de gênero.

É maior que todos nós, infelizmente. E é por isso que o debate precisa acontecer. Somos impregnados pelo machismo. Isso nos faz achar o constrangimento algo normal. Ninguém precisa ser feminista. Se conseguir desbotar um pouco a nódoa machista, já está valendo.

nivas gallo