Self

Revista Expressão: Paranormalidade

Concedi uma entrevista para a Revista Expressão, que circula em São Paulo, sobre a visão junguiana no que se refere aos fenômenos paranormais.

***

Paranormalidade

Um mergulho sobre a capacidade da mente

Janaína Moro

A palavra paranormal, segundo o dicionário, se traduz: aquele que sofre de fenômenos psíquicos não explicados cientificamente. Várias pessoas na humanidade foram condenadas, queimadas na fogueira da inquisição, por serem considerados bruxos e bruxas. Cada época traduz esse fenômeno da forma que o conhecimento alcança e, neste século, muita coisa já pode ser explicada pela ciência. Atualmente, a paranormalidade está em vários setores da sociedade, como política, medicina, e já esteve até no governo americano. Você sabia que, entre os anos 70 e 80, o governo estadounidense negou a existência de pessoas com poderes psíquicos e o investimento voltado para esta área? E foi assim, até que em meados de 2001, documentos sigilosos vieram a público e o projeto Stargate foi descoberto. O projeto de mais de $20 milhões de dólares era um termo geral usado para descrever um grande número de investigações e experiências psíquicas, empreendidas pelo governo dos EUA entre os anos 70 e 90. O maior objetivo do Projeto Stargate foi investigar a possibilidade de existir pessoas com poderes psíquicos, entre os quais, o principal alvo era a “visão remota”, que é a possibilidade psíquica para acompanhar acontecimentos através de grandes distâncias.

Em 1977, militares dos EUA queriam saber o que os russos estavam construindo num galpão misterioso, que os satélites americanos tinham flagrado; e então chamaram um dos soldados que mais tinham se destacado nos testes do Projeto Stargate, o especialista em “visão remota” Joseph McMoneagle. Mostraram a foto do galpão e ele disse que estavam construindo um submarino. Os oficiais não acreditaram, já que a construção ficava há quase um quilômetro de água, um lugar pouco propício para construir um submarino. Mas Joseph disse que em quatro meses sairia um de lá e acertou na previsão. O Stargate durou até 1995, quando o governo Clinton pôs fim ao programa, que considerou caro para poucos resultados.

Para o especialista João Rafael Torres, analista junguiano, em geral, considera-se sensitivo aquele indivíduo cujas faculdades psíquicas excedem os limites do que é convencionado como “normal” (daí o termo paranormalidade): a vidência, a precognição de acontecimentos, percepções de fenômenos energéticos, a telepatia etc.

O psicanalista explica que a escola junguiana é, certamente, a escola psicológica que mais se dedicou ao estudo desse tipo de fenômenos. A tese de doutorado de Jung foi sobre uma prima, que era médium de escrita automática (no estilo Chico Xavier). Ele concluiu que ela tinha uma sensibilidade maior para perceber as dinâmicas psíquicas dos presentes nas sessões espíritas que realizava. Mas, em vez de creditar o conteúdo a espíritos de mortos, ele acreditava que o conteúdo apresentado nas cartas estava associado à atividade de complexos psíquicos. Essa descoberta foi um marco na história da psicologia moderna, influenciando nomes como Freud, na constituição da teoria dos complexos. Além disso, ele estudou a fundo os oráculos, especialmente o I Ching, para tentar descobrir o funcionamento das previsões. E, a partir dessas observações, elaborou sua teoria sobre a sincronicidade: as chamadas coincidências significativas, ou correlação entre dois fatos aparentemente independentes, mas que se entrecruzam, despertando um novo sentido (ou insight) a, no mínimo, um dos envolvidos.

“Em maior ou em menor grau, todos somos dotados de intuição. Ou seja, a ‘sensitividade’ é algo comum a todos, em maior ou menor grau. Alguns indivíduos, no entanto, têm a intuição como um canal naturalmente mais bem desenvolvido, ou buscam desenvolve-lo ao longo da vida, enquanto os demais priorizam outros canais de percepção do mundo”, explica.

A americana Noreen Reiner é um exemplo de pessoa dotada de imensa intuição, tanto é que atuando como detetive paranormal já participou da investigação de mais de 600 casos. A polícia da Flórida e o FBI estão entre os que costumam consultá-la. Já ajudou a encontrar assassinos foragidos, crianças sequestradas e um avião desaparecido.

Às vezes, a sensitiva apenas sonha com as pistas que depois relata à polícia. Outras vezes, usa a psicometria: o sensitivo pega algum objeto do morto e, a partir dele, recolhe informações sobre a vítima e tenta se colocar no lugar dela na hora do crime. Depois relata os detalhes do crime à polícia. Interessante, não?

Visão da psicanálise – Inconsciente coletivo

Segundo o psicanalista junguiano João Rafael Torres,  é importante se fazer uma definição sobre o inconsciente coletivo. “Vamos imaginar que todos nós compartilhamos uma espécie de resíduo de todas as experiências da humanidade. Por exemplo: todas as experiências já vivenciadas em torno do tema “maternidade” geraram uma espécie de matriz, que validará e inspirará todas as mulheres que parirem (e, indiretamente, a todos nós, mesmo os homens, que experimentamos a maternidade no papel de filho). A essa matriz Jung deu o nome de arquétipo. O inconsciente coletivo corresponde a uma espécie de espaço de compartilhamento de todos os arquétipos e instintos humanos. Ou seja, uma espécie de bolsão de conteúdos comuns a toda a humanidade. A partir do nosso inconsciente pessoal, podemos acessar essa parcela coletiva. E também podemos contatar o inconsciente de outras pessoas – com maior intensidade aquelas com quem estabelecemos vínculos afetivos mais fortes, ou com aquelas que, de alguma forma, traduzem ou espelham conteúdos nossos. Desta forma, é muito mais comum percebermos fenômenos entre amigos, mãe e filho etc. Algumas pessoas, no entanto, possuem ou desenvolvem uma capacidade maior para se “sintonizar” com as frequências inconscientes dos outros. São os ditos médiuns, sensitivos, clarividentes e afins. Dentro da teoria junguiana, eles não acessam “espíritos”, e sim complexos psíquicos de seus interlocutores. Quando um sensitivo, por exemplo, prevê uma grande tragédia – comprovando tal previsão posteriormente – o que acontece é que ele acessa o conteúdo de um acontecimento que já está determinado no inconsciente coletivo. O tema pode lhe chegar a partir de sensações físicas, visões etc., que se apresentam como “um presente” que ainda não chegou a acontecer, mas que já está pronto”, conclui.

***

Clique aqui e aqui para ler o conteúdo completo na revista Expressão.

 

 

 

Ser Espírita: Do lado esquerdo do peito

A Revista Ser Espírita me entrevistou para falar sobre o valor de uma amizade. O resultado ficou bem legal, está publicado na edição de janeiro.  

***

Do lado esquerdo do peito

Letícia Tambasso

Relacionamentos duradouros de amizade são exemplos de respeito e compreensão com o próximo e muito importantes para uma permanência saudável na terra

“A amizade é um amor que nunca morre”, escreveu o poeta Mário Quintana. É na amizade que as principais relações humanas criam laços afetivos e quebram com as sensações de abandono e desamparo. A amizade pode se definir por alguém que, mesmo longe, tem sincera estima e apreço por outra pessoa sem pedir nada em troca. “A amizade pressupõe cumplicidade, ou seja, estar com o outro, reconhecendo e aceitando as diferenças”, diz o psicoterapeuta e professor da Faculdade Santa Marcelina, de São Pauo, Breno Rosostolato.

De acordo com o professor, a necessidade e, principalmente, a importância de ter amigos é essencial para nos espelharmos e nos refletirmos em alguém, criando, assim, uma identidade emocional e auxiliando no processo de autoconhecimento. “Criamos amigos porque não sabemos viver sozinhos e precisamos de pessoas que nos autorizem a sermos nós mesmos”, observa.

Por que ter amigos?

O psicanalista João Rafael Torres aborda outra questão do ponto de vista da amizade: a depressão em decorrência da solidão. Segundo ele, a depressão é uma das formas de adoecimento que pode provir de uma baixa capacidade relacional e de uma ausência ou debilidade de sentidos existenciais. “As relações são um dos principais veículos para atribuirmos sentido à nossa existência. O isolamento deixa a vida mais triste. E hoje é consenso médico que o mal-estar psíquico é a fonte geradora e mantenedora dos males do corpo”, explica.

Um dos maiores benefícios da amizade é, sem sombra de dúvida, o auxílio e o compartilhamento dos problemas e da dor do outro. O alívio de um abraço, de uma palavra amiga ou de um simples silêncio compreensivo e acolhedor faz uma diferença enorme para quem precisa. “Nos momentos de luto, por exemplo, percebemos que os verdadeiros amigos não se importam com longos discursos sobre o desencarnado. Mas simplesmente acompanham os enlutados, com disponibilidade”, exemplifica Torres.

Para ele, o mesmo vale para outras ‘mortes’ experimentadas ao longo da existência – que na verdade são desafios: o fim de um casamento, a decepção diante de um filho ou crises financeiras. “A amizade não corresponde diretamente à capacidade de nos aliviar o sofrimento, nem de sofrer junto e na mesma medida, e sim na disposição para acompanhar de perto a dor do outro”, revela.

Com o advento das novas tecnologias e novos meios de comunicação, o relacionamento por meio das redes sociais cresceu. Os psicólogos concordam que estes canais são oportunidades para estreitar as amizades e para fazer novos amigos. Mas as relações virtuais não propiciam toda a capacidade de interação e troca cmo nas relações vivenciadas presencialmente. “A impessoalidade das amizades virtuais pode servir para encobrir as vulnerabilidades, o que, em vez de gerar admiração, desperta um desconforto: precisamos reconhecer no outro o seu quê de ‘humanidade’, que inclui falhas, deficiências, idiossincrasias”, conclui Torres.

Ir além

As mudanças de comportamento e a luta contra o desconhecido geram medo e instabilidade. Mesmo quando é utilizado para defesa, o desafio do convívio social não é recomendado para nenhuma pessoa, pois ela pode ficar sem referências e empobrecida emocionalmente, dando passagem e lugar a sentimentos como o rancor, a raiva e o ódio.

Apesar de todos os benefícios que provêm dos relacionamentos sociais e amigáveis, existem pessoas que preferem se isolar do mundo e de todos. Rosostolato acredita que o isolamento é uma escolha da pessoa, porque o sofrimento é inerente a isso e, a dor, inevitável. “prolongar o estado de dor é escolha de cada um. Existem pessoas que se acostumam com a dor, com o sofrimento, e permanecem na mesma posição, no mesmo lugar. Porque mudar, lutar contra a dor e fazer diferente pressupõe transformações e mudanças, no que tange ao comportamento, opiniões, conceitos e posturas”, explica.

A Doutrina Espírita convida sempre a expandir o amor para além do círculo íntimo de familiares e amigos próximos. Ela nos lembra de que podemos transformar o inimigo de hoje em amigo. “por ser derivada do amor, a amizade é o laço que se estende da existência na matéria à vida na dimensão espiritual e vice-versa”, define o coordenador e editor do Grupo Espírita Paz e Bem, de Fortaleza, Jânio Alcântara. Ele relembra também que nossa vida é eterna e, por isso, os laços de amizade sinceros nunca irão se defender. “Um dia reencontraremos aqueles de quem fomos amigos, conforme o grau de afinidade e a sintonia vibratória”.

Ele acrescenta: “Ainda encarnados, os amigos podem se visitar durante o sono físico, em estado de desdobramento. Ainda durante o sonho, os amigos desencarnados podem se reencontrar com aqueles que continuam encarnados”. Ou seja, os verdadeiros amigos, inconscientemente ou não, desencarnados ou encarnados, possuem formas de comunicação entre si que nunca se perderão.

Amizade eterna

Uma amizade que nasceu no calor da Doutrina Espírita há 25 anos, Jânio conheceu Tom Trajano quando este era um dos coordenadores do Centro Espírita João, o Evangelista, em Fortaleza. Foi por causa da recepção fraternal que recebeu do amigo na primeira ida a um centro espírita que ele permanece até hoje nas fileiras espíritas.

“Como Tom era um dos coordenadores do grupo e eu estava ávido para conhecer a Doutrina Espírita, rapidamente me transformei em um trabalhador nas reuniões públicas e nas atividades de assistência social. Isso fez com que convivêssemos muito próximos, transformando Tom de um atendente fraterno, que me ouvia e aconselhava, em um amigo”, conta.

Para Jânio, a amizade deles é duradoura, pois, além de compartilharem os mesmos objetivos nos estudos espíritas, possuem semelhanças que só verdadeiros amigos conseguem distinguir um no outro. “Fundamos juntos o Grupo Espírita Paz e Bem há 11 anos. Nossa missão é divulgar os valores da Doutrina Espírita e incentivar o despertar do ser humano para o autoconhecimento e a autotransformação, auxiliando na evolução do planeta.”

Outra amizade que perdura no tempo há 30 anos é a relação entre a locutora Valdene Moraes e a gestora de conteúdo Solange Serrano. Elas se conheceram desde a adolescência quando frequentavam festas, organizavam teatros e viagens. Mas, mesmo após passarem por casamentos e filhos, a amizade prevaleceu. “Acredito que o motivo principal de mantermos a amizade até hoje é o afeto que sentimos uma pela outra. Podemos ficar distantes o tempo que for, mas o sentimento nunca muda”, explica Solange. Já Valdene acredita na afinidade e no respeito para manter uma amizade duradoura. “Se não houver essas qualidades entre o relacionamento de amigos, a amizade não segue adiante”.

Para elas, a amizade deve ser cultivada todos os dias, pois valores como a respeitabilidade e a confiança acrescentam no crescimento e no desenvolvimento de cada ser humano. “Não ficamos muito tempo sem nos encontrar, mas, se isso acontecer, certamente o valor da amizade em nada será afetado”, complementa Solange.

Quando a recíproca é verdadeira, certamente a amizade também é. Entretanto, devemos estar atentos para não exigir dos amigos algo além do que eles estão disponíveis a oferecer. “Amizades não existem para obedecer a um ‘ranking’ ou a um tratado de intenções fixo. A compreensão no que tange às limitações dos outros é um sinal de amor verdadeiro, de aceitação. E é só assim também que conseguiremos ser aceitos em nossas imperfeições”, orienta João Torres.

*** 

Clique aqui para ver o site da revista.

Finíssimo: Como encarar as previsões para o ano novo?

As previsões da passagem do ano, tema de interesse de muitas pessoas, foi o tema da entrevista que convedi ao jornalista Marcelo Chaves, colunista do site Finíssimo. O resultado você vê aqui.

***

Como encarar as previsões para o ano novo? Vem ver!

Psicanalista junguiano e criador do método Tarot Analítico, o brasiliense João Rafael Torres recebeu o Finíssimo em seu consultório, para ensinar como encarar e absorver corretamente as previsões para o ano que se inicia.

Para ele, os oráculos são instrumentos fantásticos para orientar nosso futuro, por promoverem uma ampliação de consciência ao revelar aspectos de nossas vidas até então desconhecidos, sempre de maneira criteriosa e séria.

“No entanto, precisamos aprender a lidar com eles. As previsões estão baseadas no desdobramento do que somos hoje. Nosso futuro é reflexo do nosso presente. Tendo essa noção, podemos absorver o que elas dizem da melhor forma”.

“O ideal é revisar as pendências acumuladas até agora, avaliar quem você é e o que pode fazer para se relacionar melhor com o mundo. Assim, terá mais chances de transformar 2013 no melhor ano de sua vida”, recomenda o psicanalista.

***

Clique aqui para ler a reportagem no Finíssimo.

Correio Braziliense: A casa e a alma

O Correio Braziliense publicou hoje uma homenagem que fiz a dona Canô. Uma crônica sobre o nosso encontro, realizado três anos atrás.

***

A casa e alma

Visitar alguém centenário exige reverência. E foi revestido com esse sentimento que, numa manhã do caloroso verão baiano, desembarquei na rodoviária municipal de Santo Amaro da Purificação, três anos atrás. Fui em busca de Dona Canô, para o primeiro encontro pessoalmente, depois de três entrevistas realizadas por telefone – ainda nos idos de jornalismo no Correio. A casa branca, com detalhes azul-marinho, reproduzia as mesmas cores do colar de pequenas contas que se encontrava no pescoço da doce senhora. Adorno consagrado ao orixá Nanã, a grande protetora da matriarca da família Telles Velloso.

No candomblé, Nanã é a senhora dos primórdios, dona das águas paradas, escuras e profundas. Divindade da lama, que molda o corpo do homem para dar-lhe a vida, e que também o recebe, depois da morte. Outros orixás também se faziam presentes, a partir dos diversos colares litúrgicos pendurados na cabeceira da cama. Dividiam espaço com terços e rosários — assim como no pescoço de Dona Canô, que abrigava uma medalhinha da Nossa Senhora dos brancos, ao lado do símbolo da Grande Mãe dos Pretos. A miscigenação é fruto do respeito, da concisão e da serenidade desta senhora. Acolhedora, recebeu a mim em seu próprio quarto, como se eu fosse da família.

Tendo a religiosidade como grande marca, resolvi agradá-la com um presentinho. Com sorriso, recebeu a imagem de São Francisco, ajoelhado, entalhada em madeira. Mas a risada foi mais alta quando ouviu que o pretexto da minha viagem tinha descido pelo ralo. Tinha eu esquecido o envelope com as reportagens, com as quais ela tinha colaborado. “Meu filho… e depois dizem que sou eu que estou assim, assim…”, disse, rindo, apontando para a cabeça branca. Entendi ali que podia ser reverente, mas sem ser protocolar. Algo de intimidade já se estabelecera entre mim e Dona Canô.

De certo, a lucidez era sua grande marca. Lucidez para falar da primeira casa, onde viveu logo após se casar com Zeca — o grande amor de sua vida. E para, em segundos, avaliar politicamente o governo de Lula (de quem era admiradora declarada) e para prospectar sobre a chegada da primeira mulher ao Planalto. Engajadíssima e cidadã, trazia no discurso nuances de ecologia e sustentabilidade. Tudo com serenidade, na medida exata que só encontra quem bem a vida conhece.

Fomos interrompidos por Rodrigo, filho e guardião. Trazia notícias do telefone. Mabel, uma das filhas, ligara para dizer que discutira com a irmã Clara Maria os cuidados alimentares de Canô. “Agora, veja isso, meu filho. Eu, com mais de cem anos, e ainda tenho de lidar com duas meninas que, mesmo de longe, querem decidir o que eu como”, retrucou. As “meninas” já passavam dos 60 anos, vale ressaltar. Por vontade, ela mesma comandaria as panelas. Mas o médico tinha proibido.

Dona Canô era uma velhinha de corpo miúdo, cuja idade deixou ainda mais frágil. Mas a alma era negra, de seios fartos e braços firmes, para acolher generosamente e defender os seus dos males do mundo. Seu maior orgulho, francamente declarado, foi de ter sido uma mãe honrosa. A admiração dos seus e pelos seus reinava naquela casa, naquelas paredes. O quarto, a sala ampla… Tudo era adornado com um bocado de bibelôs, santos, porta-retratos e pôsteres emoldurados da filha famosa. Entre ela e Bethânia, um processo mútuo de devoção. Mas, na verdade, o que mais adornava a casa de Canô era o amor. A casa e a alma.

***

Clique aqui para ler no site do Correio Braziliense.

***

Para encerrar o ciclo de homenagens, a canção oportuna. “Amor, festa e devoção. Ensinamentos dela para o bem-viver”, nas palavras da filha Bethânia.

Correio Braziliense: Comida boa cheira longe

Nos tempos de jornalismo, entrevistei Dona Canô 3 vezes. Numa delas, nossa conversa foi transformada num depoimento cheio de poesia, publicado no dia em que ela completou 100 anos. Era uma série sobre o sentido por trás dos cinco sentidos e ela falou sobre o cheiro do almoço em família. 

***

Almoço de família – Comida boa cheira longe

“Numa família grande, manter a boa educação é um desafio para os pais. Graças a Deus, consegui isso. Tive oito filhos, mas ensinei que na mesa não se pode ser muito exigente. Sempre comemos comidas decentes e, sempre que dava, satisfazia um ou outro gosto deles. Fosse qualquer dia, as panelas não iam para a mesa se um dos filhos não tivesse chegado. Exigência de Zequinha, que Deus já levou. Durante a semana, revezava entre carne de boi, mariscos, galinha e peixe. Toda sexta e toda quarta tinha peixe, frito ou moqueca. Domingo, era feijoada.

Uma feijoada bem feita se sente o cheiro longe! Uma boa carne de sertão, com osso para dar o gosto, costela, pé de porco, chouriço feito em casa. Um aroma forte que vinha do armazém e que começava a perfumar a cozinha na noite do sábado, quando tudo ia para uma grande panela para perder o sal. Quando ligava o fogo, aquele cheiro ia tomando a casa, passava do portão. Bethânia sempre elogiava, dizia que não sabia se o melhor era o cheiro ou o gosto.

Quem chegava adivinhava de fora o que ia para a mesa. Uma boa moqueca, como a de tainha, com feijão de leite, prato que Caetano tanto adora, também não se esconde de ninguém. O aroma do pimentão, leite de coco e do bom dendê formam um perfume adocicado, que abre o apetite. Os temperos, o segredo do aroma de qualquer prato, vinham primeiro do canteiro do quintal e depois do mercadinho popular, na esquina de casa.

O calor das tardes atiçava ainda mais o nariz com o cheiro que vinha do tacho de doces,. Nunca fui muito de açúcar, mas todos os filhos gostavam muito de uma sobremesa. Compota de araçá, doce de leite, de goiaba, cortada em cumbucas. O de laranja da terra soltava mais gosto do que cheiro. Usava cravos como truque para aromatizar. Já o de abacaxi tinha um perfume delicioso, mas que sempre achei enjoativo demais até mesmo para provar. Na mesa, o prato principal, a sobremesa e um bom suco de cajá ou graviola. Ao redor, todos banhados e conversadores. Tudo junto dava um cheiro de alegria.

Agora, nessa tarde, me batem na porta umas baianas muito bem vestidas com roupas alvas e engomadas, e com tabuleiros de pipoca na cabeça. Pagam promessas para a festa de São Roque e trazem novamente para minha casa um cheiro que marcou os lanches da tarde de muitos domingos. Hoje, fica mais difícil sentir todos esses aromas. Os médicos me afastaram do fogão, sei que não tenho mais saúde para enfrentar as panelas. Os meninos também me fazem falta. Cada um com seus trabalhos, cada um com suas responsabilidades… Agora, para ter todos juntos só mesmo no meu aniversário e no São João. É assim mesmo. O tempo corrói pedras brutas, muda nossa história. Mas não tira o sabor da memória.”

***

Depoimento exclusivo, integrante da reportagem Depois daquele cheiro, da série Os sentidos da Vida. Publicada na Revista do Correio, em 16 de setembro de 2007. Clique aqui para ler o conteúdo no site da Revista.

nivas gallo