Self

Outras Ondas* – A forçosa dor do começar

sao_jorge

Um novo texto, uma nova atividade, um novo desafio. Tudo que se principia leva a uma série de questionamentos. Valerá a pena? Serei capaz de atender minhas expectativas e aquelas projetadas em mim? No que isso irá contribuir para a minha felicidade? Muitas vezes, hesitamos diante do novo, assustados com tantas interrogações. E, posteriormente, nos queixamos pela falta de oportunidades que a vida nos oferece.

Viver é perigoso, como advertiu Guimarães Rosa com toda a razão. Afinal, o risco, assim como a dor, são entes inerentes ao desenvolvimento humano. Aprender a andar, escolher uma profissão e passar no vestibular, experimentar a sexualidade, reconhecer-se nos filhos… Os grandes momentos da trajetória, mesmo aqueles lembrados com a maior ternura, foram antecedidos pela tensão da escolha: lapsos de segundos ou anos a fio na indecisão de seguir ou recuar. Seguimos e, posteriormente, percebemos que era sim o melhor caminho a escolher. Essa era a vida que precisávamos realizar.

No tarot, temos isso representado sabiamente pelo diálogo existente entre os arcanos 6, Os Amantes, e 7, O Carro. No primeiro, entendemos que a realidade oferece diversas maneiras de se manifestar e somos chamados a escolher. Muitas vezes, maldizemos a tal bifurcação que se apresenta diante dos olhos: um caminho reto, sem decisões, não coloca à prova nossa perspicácia diante do desconhecido. Percebemos que, a cada escolha, provocamos uma reconfiguração no caminho que nos levará à realização da vida.

Muitas vezes, hesitamos pelo pessimismo: tentamos optar pelo caminho menos pior, aquele que nos poupará de privações e contrariedades. Mal compreendemos que nunca escolhemos o melhor caminho – escolhemos, sim, a alternativa que precisamos enfrentar em prol do nosso crescimento. Dizer isso não é depositar uma crença em um destino fixo, pré-estabelecido. É crer que somos orientados por uma sabedoria interior inata, capaz de oferecer ao ego as lições necessárias para o desenvolvimento da consciência.

Passada a aflição da escolha, entramos no arcano 7, o Carro. Ele é o veículo que estreitará a distância entre nós e nosso objetivo que determinamos. O carro oferece a possibilidade de “acelerarmos” os processos, por esse motivo é considerada uma carta de progresso e expansão. No entanto, ela depende de um olhar bem focado – por melhores que sejam os cavalos e a carruagem, a virtuosidade está na habilidade do cocheiro. É ele quem exerce o soberano exercício da coragem, um risco que nem todos estão dispostos a enfrentar. Mas também é ele quem conhece a vitória da realização.

O grande mal do indivíduo é viciar-se em si mesmo. Mantemos hábitos condicionados, repetidos à exaustão sem nenhum questionamento, e mantemos viva a queixa de uma vida inerte. Mantemos o padrão neurótico da unilateralidade: só conseguimos enxergar uma versão para a história, uma saída para o problema, um motivo para o problema. Nessa visão limitada, ignoramos a dádiva da multiplicidade dos fatores e perdemos a chance de aproveitá-los como estruturas disponíveis ao desenvolvimento. E o tal sofrimento que tanto se tenta evitar nos chega antes e com força exponencial: pela não-concretização dos propósitos e pela frustração de não sermos hábeis o suficiente para concretizá-los.

O erro está em olhar para o fim, ignorando que toda estrutura depende de uma pedra fundamental para se erguer. Realizar sonhos depende impreterivelmente de uma ação inicial, onde a confiança e o otimismo devem sobrepor a insegurança diante do desafio. O difícil é começar, escuto diariamente dos clientes que atendo – fala que compreendo bem, mas que busco combater com a justificativa de que vale a pena mudar. A impermanência é uma lei natural: nada é estanque, tudo se transforma. Devemos obedecê-la a fim de promover boas mudanças, como agentes ativos no processo e não como vítimas das circunstâncias. Acredite: você não é mais a mesma pessoa.

nivas gallo