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Outras Ondas* – Deus para baixinhos 2: guerra santa

Se para alguns casais a dúvida é saber se devem ou não inserir os filhos num contexto religioso, para outros o problema é o excesso de Deus. Como nortear a educação quando os cônjuges seguem tradições religiosas diferentes? O que fazer para que cada um possa manter sua crença, sem gerar nos pequenos um desconforto?

Em primeiro lugar, esse fato não deve ser encarado como um problema. É justamente o contrário. Esse pode ser um ótimo caminho para ensinar à criança os valores da diversidade. No entanto, para ter êxito, ele dependerá da dedicação e do respeito mútuo entre os pais. Cada um precisará manter uma atitude de fé nas próprias crenças, mas também tolerar aquilo que o outro acredita. Podem, inclusive, propor um revezamento nas visitas entre os templos, como forma de ensinar ao filho os valores de cada religião.

É importante ressaltar que o ato de apresentar a criança a Deus deve ir além de uma competição religiosa: a grande finalidade para este encontro é despertar valores éticos e existenciais, que as religiões naturalmente ensinam. Para a criança, deve resultar a lição de que o mais importante é ter fé, e que as religiões são diferentes “escolas” onde esse exercício pode ser praticado. Deus será apresentado como um ser único, mas que se manifesta em diferentes lugares, com diferentes nomes e formas de culto.

Como nem sempre a civilidade é suficiente para manter um acordo como esse, os pais devem manter a atenção para um diálogo coerente, jamais pautado pela competição ou pela depreciação da crença alheia. Uma boa saída é não trazer a temática de forma ostensiva aos pequenos – “Deus” demais também pode fazer mal. Deixe que as crianças possam se interessar pela crença do pai ou da mãe de forma natural, espontânea. Se isso ocorrer, o outro cônjuge deve respeitar essa decisão com maturidade. O embasamento ético e a fé soam mais importantes que qualquer dogma religioso. O proselitismo não é uma boa prática, principalmente no ambiente familiar, na educação dos filhos.

Sem o devido equilíbrio, o discurso poderá desencadear prejuízos psíquicos para a criança. Obviamente, isso dependerá da proporção que o tema tem para a família. O ato de depreciar a crença do companheiro ou companheira, por exemplo, poderá gerar uma alienação de valores parentais – com interferências não somente na escolha religiosa, mas em todo o referencial materno-paterno que o filho carregará para o resto da vida. Na consciência pouco desenvolvida da criança, ela pode interpretar que o pai “faz coisas erradas” ou cultua algo que “não é de Deus”. Isso fica ainda mais grave quando as religiões em questão estabelecem em seus cultos, um discurso de rivalidade diante das demais. Dar à criança valores religiosos é bem diferente de querer condicioná-las a seguir uma religião de forma fanática ou comprometedora.

É mais raro, mas também pode acontecer de a criança se encantar por uma religião alheia à seguida pelo pai ou pela mãe. Em geral, isso se dá por uma questão de afinidade por alguém que adote tal prática religiosa. Tal questão não deve ser tratada como um problema. Tudo deverá ser resolvido a partir do diálogo franco. Se a nova religião trouxer incômodo aos pais, isso deverá ser tratado com respeito, e não com excesso de autoridade. Rechaçar a ideia simplesmente, sem apresentar uma argumentação coerente pode sugerir uma postura de insegurança diante daquilo que acredita. Mais válido é buscar conhecer essa nova religião com livros, visitas a templos etc. E principalmente buscar entender as motivações que despertaram a curiosidade da criança para determinada crença. Assim, os filhos poderão ter informações para saber se aquele apreço inicial corresponde à realidade do culto.

O tema não deve ser tratado como um tabu pelo casal. O acordo comum deverá prevalecer. A lógica diz que, para manter a harmonia, o casal precisa afastar a intransigência diante das diferenças que cada um carrega. Seja ela religiosa, política, ideológica… O diálogo direto deve substituir a insinuação. É importante discutir como o respeito às diferenças será transmitido aos filhos no cotidiano, em gestos práticos. Nessas horas, o mais espiritualizado (não necessariamente o mais religioso) costuma ceder, por entender que a prática nos templos é apenas uma parte do processo de evolução. O dogma deve ser transcendido pelo amor, pela fé e pelo respeito – valores universais que traduzem a verdadeira espiritualidade.

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