Self

Outras Ondas – Eu não gosto de Natal

 

Falsas esperanças não me agradam. Hipocrisia não me agrada. Metas sem comprometimento não me agradam. Assistencialismo barato não me agrada. Por essas e outras, cheguei a uma conclusão: eu não gosto de Natal. Pode ser duro demais ler isso enquanto luzes piscam em seu redor, enquanto o verde-e-vermelho predominam na paisagem. E, sinceramente, nem costumo ser mal humorado. Mas o que me desagrada é tudo aquilo que corrói a verdadeira proposta natalina.

Jesus pode ser interpretado como um mito, como um deus, ou como um filósofo. Não importa. Em todas essas faces – e em outras incontáveis – ele se manifesta como um ideal de transformação para a humanidade. Ele nasce com uma missão crística, de salvação. Mas, nos seus trinta e poucos anos de vida antes do calvário, ele pôde experimentar muito da convivência entre os homens.

Para mim, Jesus se define como um mestre. Conseguiu exercer a maestria por ter um olhar diferenciado: ele sabia fugir do evidente, criar em cima dos fatos e, assim, pregar seus ensinamentos de fraternidade, amor e paz. Sua importância foi de conseguir conciliar dois valores fundamentais: inteligência e sensibilidade. Jesus foi um bravo, homem de coragem. Não pelo martírio – isso lhe veio como imposição. Mas sim por contestar um sistema de crenças falhas e embotadas. E essa é a sua mais valorosa lição, o exemplo a ser copiado.

Mas tudo isso fica pequenininho diante dos shoppings, dos panetones, das reuniões familiares para a troca de presentes e julgamentos. Jesus vira uma espécie de homenageado que não tem direito a comparecer na festa. Logo ele que nos ensinou a comemorar as passagens importantes da vida com abundância. Mas, se eu fosse Jesus, não iria nem que fosse chamado. Celebrar com quem deturpa seus valores é quase compactuar com eles. Coisa para quem não se ama. E isso seria para ele contradizer seu mandamento unificado: amar os outros como a si próprio? Jesus era um homem forte até mesmo para perdoar. E ensinou que esse gesto só é praticado quando o arrependimento é sincero, quando os ressentimentos se dissipam.

O caminho de Jesus é a verdade, que liberta. Se é assim, devemos nos comprometer com a realidade que nos abarca, com os afetos que nos povoam, com o desenvolvimento da nossa consciência. Assim, estaremos sendo fiéis a ele. O Jesus fofinho, deitado na manjedoura em um estábulo, é em si um sinal de resistência: filho de uma adolescente solteira que se dizia fecundada espiritualmente (imagina o rebu que não deve ter sido) e apontado como um risco para a lei vigente. Viveu na concepção e no nascimento o peso da controvérsia e da perseguição. Situações que culminaram em sua imolação.

Jesus inspira a coragem para a verdadeira missão do homem: servir, de forma fraterna, reconhecendo-se nas virtudes e também nos limites. Com um olhar um pouco mais atento, podemos perceber que não faltam formas de ajudar o mundo a ser melhor. A data é uma oportunidade anual para que tentemos entender o que realmente faz a diferença na vida. Coisas que marquem nossa contribuição essa família chamada humanidade. Reitero: não tenho nada contra festejos, comemorações, comilanças. Mas os valores edificantes devem vir antes do consumismo, do exagero e da ganância. Saibamos ordenar as prioridades.


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