Self

Outras Ondas* – O que preenche um divã

A prática da psicoterapia me ensina, a cada dia, a mais valorosa lição do ofício do analista: o ganho compartilhado. Cada vez que um cliente senta diante de mim, busco seguir a máxima ensinada pelo velho Jung: esqueça tudo que leu, tudo que viveu, quem você é ou deixou de ser. Concentre-se diante do novo, desconhecido e surpreendente mundo da psique de quem se apresenta. Só assim se consegue desempenhar o serviço da promoção e ampliação da consciência.

Falar é visto como um instrumento terapêutico desde a antiguidade. Nos primeiros hospitais gregos, os pacientes passavam por uma longa entrevista – independentemente de terem ido parar ali por um problema do corpo ou da alma. Só então receberiam o tratamento necessário, em prol da cura.

Essa é a base para o exercício das diferentes escolas de psicologia e de psicanálise. O fundamento é de que, a partir da expressão de suas angústias, o indivíduo ganha a possibilidade de compreender melhor sua realidade, favorecendo as transformações necessárias. A melhora, no entanto, não está simplesmente no falar, mas principalmente no “ser ouvido”. Nesse ponto, entra a eficácia do terapeuta: ele não deve simplesmente escutar os relatos apresentados, mas principalmente ter a atenção plena sobre o que é dito. E, a partir de então, intervir com perguntas que favoreçam a reflexão não óbvia. Assim se desenvolve o contaponto necessário, que colocará em xeque os conceitos prefabricados que o cliente ou paciente carrega.

Desconhecer é uma prerrogativa básica para que um bom trabalho de análise se desenvolva. É preciso se despir de preconceitos e de teorias que condicionam nosso olhar ao mais fácil. Abandonamos a tentadora fórmula da “cama de Procrusto”, o personagem da mitologia grega que, passando-se por um anfitrião impecável, oferecia pouso aos viajantes. Ao serem recebidos, os visitantes se deparavam com uma cama de ferro para dormir. O problema é que Procrusto impunha a seus hóspedes uma sina terrível: os que eram grandes demais para a cama tinham as pernas cerradas; os baixinhos eram esticados para ocuparem-na por inteiro. Males de quem enxerga a realidade como uma medida imutável. Males igualmente nocivos dentro do setting terapêutico, quando se ignora a unicidade do cliente ao tentar enquadrá-lo numa determinada patologia ou distúrbio. Jung também nos ensina: tratemos doentes em vez de doenças.

Um ganho só é mútuo quando o sacrifício entre as partes é mútuo. Por um lado, é necessário manter uma relação desigual entre as partes de um processo de análise, para que a função terapêutica não se confunda com uma amizade – improdutiva, injusta e oportunista, onde um dos “amigos” se beneficia economicamente do outro. Ao manter o desprendimento e a entrega diante de cada atendimento, o terapeuta o transforma em um momento único de promoção da consciência. Favorece a quem atende, assim como favorece a si mesmo.

São diversos os motivos que levam alguém a iniciar um processo de análise: a necessidade de superar, a busca pelo autoconhecimento e até mesmo um falso status que a atividade envolve. No entanto, o que só se descobre durante o processo é que, para a grande maioria, a motivação inicial declarada é pequena demais diante do que será abordado. O mergulho vai além daquilo que foi estimado, coloca o indivíduo em confronto com elementos até então ignorados. Dói, angustia, revolta. Da mesma forma, o ganho também costuma ser maior que o esperado. Gratifica, elucida, facilita. Ao nos jogarmos para dentro, percebemos que somos muito maiores do que a consciência era capaz de perceber. E, cada vez que voltamos à tona, emergimos mais fortes, mais inteiros. Fiéis a aquilo que verdadeiramente somos.

“Um encontro de dois: olho a olho, cara a cara
E, quando estiveres perto, arrancarei teus olhos
E os colocarei no lugar dos meus,
E tu arrancarás os meus olhos
E os colocarás no lugar dos teus,
Então te olharei com teus olhos
E tu me olharás com os meus.
Assim até a coisa comum serve ao silêncio e
Nosso encontro é a meta sem cadeias:
O lugar indeterminado, um momento indeterminado,
A palavra indeterminada ao homem indeterminado.”
J.L. Moreno.

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